A meio da segunda metade da década de 70, o meu amigo Chico Agostinho, que ia mais vezes à capital do que eu, facultou-me o livro «A revolução biológica», de G. Rattray Taylor, jornalista britânico que o publicara em 1968. A sua leitura causou-me viva impressão, apesar de não alcançar plenamente, nem sequer entender suficientemente bem, o âmago de algumas das matérias abordadas. Mas o sentido fundamental, sim, esse julgo tê-lo captado na essência, o que aumentou as minhas perplexidades.
Os interlocutores com quem procurei abordar uma ou outra questão que se (me) levantara não comungaram do meu interesse. Tomei então a decisão de guardar o livro sem o perder de vista, os anos necessários, até a minha formação e a realidade me ajudarem nas respostas.
E esperei durante cerca de 45 anos. O que aprendi não resolveu o miolo das minhas dúvidas, mas o devir foi elucidativo, não dessas problemáticas, mas da ilusão dos sábios, que não se contêm na ribalta da fama que os arrebata.
Sorri com a afirmação de que em breve se pudesse comprar castidade na farmácia, assim como adquirir líbido (p. 48), com a prudência de não definir proporções entre as duas possibilidades.
Chocou-me que um vulto da ciência como J. B. S. Haldane tivesse sugerido a clonagem de centenários saudáveis. A sua ideia era que, depois dos 55 anos, os grandes génios passassem a educar os seus descendentes clonados (p. 29).
Pareceu-me bizarria destituída de senso a ideia de aumentar a inteligência de símios para os transformar em escravos, o que não passaria de uma “extensão do aproveitamento prático dos cavalos para sela e tiro” (p. 87). Ou adaptar braços de símio e cabeça de cão a um canguru, para criar um animal capaz de cobrir grandes distâncias num instante e de executar qualquer tarefa de destreza manual (p. 88). E por aí adiante, em mirabolâncias sobre transplantes de órgãos, controlo da memória e da inteligência ou prolongamento da vida (em 1966 um perito em cirurgia do coração da Univ. de Birmingham disse numa conferência que “alguns dos presentes viveriam até aos 180 anos” – p. 102). Até à eugenia humana e à criação de vida, temas tão delicados hoje como então, e que não cabem em abordagens ligeiras.
Horrorizei-me ao reler que em Seattle, em 1965, na Univ. de Washington, uma mulher que sofria dos rins foi ligada [pela circulação] a um canceroso, com o argumento de que cada um deles podia beneficiar o outro. Morreram ambos (p. 132). O mesmo senti com a referência à extracção do cérebro da caveira de um macaco para tentar mantê-lo vivo com circulação sanguínea artificial (p. 134).
Para encurtamento, finalizo, referindo que é de loucos prever que “em breve conseguiremos não só provocar a loucura, como curá-la” (p. 145). Para mais sabendo, com Erasmo de Roterdão, que «o número de loucos é infinito, [e que] este número abrange todos os mortais, excepto alguns que ninguém consegue encontrar» (in: Elogio da Loucura).
Não se pense, porém, que o livro é só disparates. Há nele muita biologia, bem fundamentada. E boa escrita. E humor.
Mas, em biologia, não podemos tudo, porque a biologia não permite tudo.
E ainda bem.
José Batista d’Ascenção