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Avesso ao que se refere por “engenharia financeira”, ignorante do jargão em que se expressa e jamais praticante do seu exercício, tem-me cabido, no entanto, a espinhosa tarefa de ser “ministro das finanças” cá da casa, ao longo de décadas.
Nessa função, agarrei-me a um princípio muito simples, que aprendi cedo, qual seja o de não gastar mais do que se tem ou é certo que venha a possuir-se. E sofri a valer quando, há alguns anos, procedendo à moda antiga, exigi amortizar até ao total a dívida que contraira para pagar a casita onde moro, ao contrário da força que fazia uma “gestora de conta” que eu não pedira para ter, e que me convidava a adquirir cartões, “produtos”, joias e outras tralhas que não me interessavam. Fiz valer a minha vontade, não sem algumas hesitações de amigos e familiares que então me olharam como mau investidor. Nunca me arrependi.
Fora do estranho mundo do dinheiro, não deixei de adquirir o livro “A vida e a morte dos nossos bancos”, de Helena Garrido, editado pela “Contraponto”, e de o ler de uma vez. É um espanto. E uma revolta. Afinal, o que o livro nos diz não podia deixar de ser o que é, mas é inusitadamente brutal a descrição das voltas que os nossos “banqueiros” têm dado nas últimas duas décadas. Eis algumas citações:
“A CGD, o BCP e o BES são exemplos do que se fez (e não se fez) na banca portuguesa. O BPP e o BPN podem ser basicamente considerados casos de polícia. O Banif, uma história que se aproxima do BES”… (pág. 26);
[Em 1999], “pela primeira vez, os créditos concedidos pelos bancos ultrapassam os depósitos. A economia entretanto começou a crescer menos” (pág. 36) (…) “Usa-se o financiamento dos bancos para mobilar a casa, comprar carro, ir de férias e entrar na Bolsa.” (páginas 37 e 60); (…) “A Grande Farra segue em crescendo (…) é o tempo em que se defende o endividamento como virtuoso” (pág. 37);
Foram “publicadas notícias sobre financiamentos [do BCP] ao filho de Jardim Gonçalves, o perdão de 28,5 milhões de euros de dívidas a offshores [sociedades com sedes em paraísos fiscais] de um seu antigo aliado e (…) o caso das 17 offshores com acções do BCP e financiamentos da ordem dos 589 milhões de euros” (pág. 53);
“Nascer, crescer e fazer-se milionário quase sem capital, com apoio financeiro e através do mercado de capitais, foi uma receita de sucesso“… (pág. 56);
“… alguns caíram na tentação de usar financiamento para aplicar em acções.” (pág. 60);
…”assistimos (…) ao envolvimento do cidadão comum, desafiado e muitas vezes convencido pelos bancos a endividar-se para comprar acções das empresas que estavam a ser vendidas pelo Estado.” (pág. 60);
“A incapacidade de as famílias norte-americanas pagarem os empréstimos das suas casas teve o poder imprevisível de fazer cair um país como a Islândia.” (pág. 63);
“Quando a realidade se começa a impor, cria-se a ilusão de que Portugal conseguirá controlar a onda financeira da crise com um reforço do investimento público. Em finais de 2008, estavam planeadas auto-estradas, comboios de alta velocidade, um novo aeroporto para Lisboa e a terceira travessia do Tejo.” (pág. 64);
“Em Dezembro de 2008, o Governo liderado por José Sócrates anuncia que vai lançar concursos para a construção de mais oito auto-estradas.” (pág. 66);
“Os bancos estavam muito dependentes de empréstimos externos. O crédito que tinham concedido representava, em 2010, cerca de 160% dos depósitos.” (pág. 67);
“Entre finais de 2009 e 2010, a expansão do crédito é movida pelo Estado. É desta altura que datam as novas auto-estradas, em parcerias-público-privadas que são mais dívida do que parcerias.” (pág. 70);
…”de repente, os supervisores descobrem que há bancos que foram geridos por malfeitores… (…) com a nacionalização do BPN, (…) a administração do Banco de Portugal percebe – ou deixa de fingir que não percebe – que, na sua estratégia (…), tinha pactuado com fraudes.” (pág. 77);
“No seu conjunto, a banca já registou (…) imparidades [perdas potenciais] no montante de 44 mil milhões de euros desde o início da crise, em 2007.” (pág. 97);
“O BES colapsa dois meses após a saída da troika. Um ano e meio depois, acaba o Banif. Dois anos passados, o novo governo de António Costa identifica necessidades de capitalização da CGD da ordem dos 5 mil milhões de euros. O segundo maior banco do sistema, o BCP, é alvo de sucessivos rumores… O Montepio Geral é mais um problema por resolver” (pág. 98);
“No cemitério de bancos, o que encontramos é uma mistura de gestão incompetente com cumplicidades entre alguns banqueiros, alguns empresários e alguns governos, numa lógica de poder e ganância e não de negócio e protecção do dinheiro dos depositantes.” (pág. 102);
“Nunca passou pela cabeça de ninguém que um governo tivesse coragem de deixar cair o grupo do Dono Disto Tudo. (…) Se as leis eram feitas no BES, como é que se podia esperar que ninguém apoiaria Ricardo Salgado?” (pág. 116);
“O Estado gasta 2,4 mil milhões de euros para vender o banco por 150 milhões pelo Banif.” (pág. 125);
“Gestores incompetentes, fracos ou corruptos trabalham para accionistas que usam os depósitos para financiarem os seus negócios ou os dos seus amigos em bancos onde os auditores são cegos e os supervisores inactivos ou incapazes.” (pág. 127);
“Continuam em análise os fundamentos jurídicos para perda do estatuto de idoneidade por causa da (…) comissão de 14 milhões de euros que Ricardo Salgado recebeu do construtor da Amadora José Guilherme”… (págs. 132-133);
“José Oliveira e Costa (…) é, até agora, o único banqueiro que esteve numa cela.” (pág. 148);
“O banco [BPN] é vendido e, para receber 40 milhões, «pagam-se» 600. A história repete-se em 2015,… [com a venda do] banco Efisa […]. Mais tarde veremos a mesma história no Banif”… (pág. 154);
“A presença da Caixa nos mais variados negócios é o espelho das escolhas de sucessivos governos. «O governo mandava e a Caixa fazia, não tinha outro remédio», (…). Os negócios mais ruinosos aconteceram no consulado de José Sócrates,” (…) Os empresários e banqueiros tinham na CGD a ferramenta para serem «donos» de empresa quase sem dinheiro. (pág. 159);
“Durante pelo menos década e meia, a Caixa foi instrumentalizada pelo accionista Estado.” (pág. 166);
BCP: “Um banco que vivia numa lógica redistributiva de tipo subdesenvolvida: bons salários, bons dividendos e elevado estatuto para colaboradores e accionistas convidavam a cumplicidades implícitas, (…) (pág. 168). A ambição e a ganância, marcas de guerra no BCP, transformaram-se em prejuízos para o banco (pág. 169);
“A ausência de responsabilização é (…) o que causa maior revolta. Até agora, e em sete anos, desapareceu 20% do sistema bancário. Apenas um gestor esteve, até agora, preso. Como é possível que ninguém seja responsabilizado? (pág. 181);
“A conta da incompetência, ganância ou fraude (…) está a ser paga. Pelos accionistas, por aqueles que têm poupanças aplicadas em acções dos bancos que sobreviveram, mas especialmente pelos contribuintes. E os problemas que existem e que estão por resolver antecipam mais contas por pagar.” (páginas 181-182);
“Os projectos em zonas protegidas, de reserva agrícola ou ecológica para os quais se abriram excepções, ou simplesmente os empreendimentos comerciais ou habitacionais em locais onde é difícil encontrar uma racionalidade económica, justificam (…) a hipótese de alguns bancos terem estado envolvidos em processos de corrupção.” (pág. 187);
“Com as novas regras da União Bancária, cada um [cada cidadão] tem de ser capaz de perceber se o seu banco está a ser bem gerido.” (pág. 192).
Chega como amostra de um cortejo de horrores. A conta, essa ainda não acabou de ser paga, vai crescer e… nós a pagaremos.
Mas estamos avisados.
Um grande «Obrigado» a Helena Garrido.
José Batista d’Ascenção