Imagem obtida aqui. |
No início da semana, depois de uma manhã de aulas cansativa, ela apanhou o autocarro para o regresso a casa, com o fim imediato de aquecer umas sobras e almoçar qualquer coisa.
No início do percurso sentara-se, procurando olhar ao longe, mas não podia abstrair-se da conversa animada entre vários anciãos que, àquela hora, faziam a mesma carreira. Como um daqueles senhores permanecia de pé ao seu lado, levantou-se e cedeu-lhe o lugar, só então reparando que vários bancos lá atrás estavam vazios (provavelmente, as pessoas idosas preferem sentar-se mais à frente para, no fim da viagem, lhes ser mais fácil levantar-se e saírem, deduziu). Deslocou-se para o fundo do autocarro e voltou a sentar-se. E, de novo, não podia alhear-se da conversa em voz alta que decorria.
Afirmava uma das senhoras (aparentemente) mais velha:
- As pessoas da freguesia de F. são fraca gente. Não é que escorraçaram o padre!?
Ao que respondeu um senhor:
- Na freguesia de F. há pessoas boas e más, como nas outras freguesias.
A mesma senhora insistiu:
- São fraca gente. Nem sequer se fez a procissão [em honra do padroeiro, como é hábito fazer-se por altura das festas anuais, que ficaram por realizar].
Contrapunha outro viajante:
- Não houve procissão porque não havia dinheiro este ano…
Mas a primeira interlocutora não desistia:
- Não havia dinheiro… não havia agora! Para fazer uma procissão não é preciso dinheiro. É fraca gente: escorraçarem o padre!
E cheia de autoconfiança acrescentou, demolidora:
- Mas ganharam muito. Agora têm um padre preto. É muito bem feito.
A sentença não mereceu resposta, nem sinal de discordância manifesta dos conversadores.
A sua viagem terminara, ela levantou-se e deslocou-se para a saída, só então se apercebendo de um passageiro de tez café com leite e cabelo curto encarapinhado que, simpaticamente, recolhia um par de muletas para lhe facilitar a passagem.
Ao chegar a casa, pesava-lhe mais ainda o cansaço. E não sentia vontade de comer.
José Batista d’Ascenção