Nosso menino:
Vemos os teus olhos curiosos no visor de um telemóvel e comovêmo-nos com a tua perplexidade momentânea aos «olás» e «adeuses» que não podemos reprimir. A avó é a que mais se esforça e persiste, ao contrário de mim que, tal como tu (suponho), logo me canso da insuficiência da coisa. É melhor que nada, mas não deixa de ser quase nada…
A distância conta, isso é lá muito longe - que largo é o Atlântico! -, num país que tem um chefe que é um mentiroso compulsivo e sem escrúpulos, que não inspira qualquer confiança, e que, por mandar no mundo, faz com que apareçam (ou se manifestem abundantemente) outros como ele, por esses continentes fora… A democracia, que tu aprenderás o que é (e praticarás, espero eu), é muito frágil (como as crianças da tua idade…), e é preciso grande cuidado para que não fique (excessivamente) doente. Mas isto não são conversas para aqui e agora. Tanto mais que os seres humanos nunca foram melhores do que são hoje (ora essa, além do mais existes tu e outros meninos como tu, pelo que a esperança é funda, hás-de percebê-lo e, sobretudo, senti-lo…), nem a actualidade é pior do que qualquer época anterior (antes pelo contrário, e com pedido de desculpas aos meninos que não podem ser meninos e aos pais que não têm a felicidade de os fazer crescer e viver com pão e em paz como é direito deles e dos seus meninos…). Nós os adultos, meu filho, somos frequentemente umas desgraças, mas também não faltam exemplos nobres e belos e inspiradores. A sério. Desculpa não poder fugir a isto, que não é o que eu queria pôr na carta.
Pois estás crescido e bonito. Começas a aprender o mundo e é um gosto ver-te: levantas-te e agarras-te ao sofá com as duas e depois com uma só das mãos e ficas de pé. Olhas e procuras com os olhos quem esteja por perto. Sorris. Agitas o corpo e parece que esperas algum aplauso ou estímulo. A mãe está lá e continuas confiante. Sim senhor, doze meses são já muitos dias de progressos notáveis. Os teus dois dentes de baixo dão-te enorme graça, quando ris, e os de cima não têm papel menor no enlevo com que te olhamos. Não falas ainda, mas o teu palrar e as tuas expressões são muito claras e algumas facilmente entendíveis. Não tardará havemos de ouvir-te. Mexido estás também. E atento. E curioso. E perscrutador (aquela de espreitares para o lado de trás do pianinho, como que a inspecionar de onde viria o som, é muito engraçada – vimo-la vezes repetidas, mais a avó do que eu (diga-se), mas, confesso, que me deve dar a mim tanta vontade de a (re)ver como a ela. Só que não tenho tanto jeito assim para estar sempre com o telemóvel na mão. Havias de ver…).
Mas estás muito longe. Longe. Faltam ainda umas semanas para vires até nós. Ando a dizer a mim próprio (não o disse a mais ninguém) que é preciso não te abraçar tanto e cobrir de beijos e de atenções e de palavras, que te fartes tu… (além de não ser conveniente). A mãe é cuidadosa nisso, sabe estar próxima, sem estar sempre «em cima» de ti, mas nós resistimos mal e não se sabe qual é o pior. Eu digo que é a avó, mas, no fundo, não tenho a certeza… E também é preciso não te empanturrar com comida, nem te dar coisas cheias de doce, etc. Havemos de portar-nos bem, creio. Se preferires, não me importo que comas sentado num dos meus joelhos ou nos dois. Também não me importo de ficar contigo enquanto todos forem para a praia apanhar banhos de sol e de mar. Tu ainda tens muito tempo para isso, e a mim já me basta. Vamo-nos entender e não te hás-de dar mal (também acompanhei o teu pai e o teu tio, assim pequeninos, e saímo-nos bem, eu e eles). Mas só se gostares. Eu gosto, só de pensar nisso.
Fico (ficamos) à tua espera. Até lá vou (vamos) olhando para o telemóvel. Não ligues à leveza desta conversa, que só existe porque me foi necessário.
Hoje, especialmente para ti: um grande beijinho e um abraço: dois: muitos.
Da avó e do avô.
José Batista d’Ascenção
Tocante, mais que nunca. Lindo!
ResponderEliminarObrigado, Ruizinho. Abraço.
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