Sempre atrasados, os cravos vermelhos da minha floreira, e este ano com menos vigor do que é habitual, nunca chegam a tempo do dia 25 de Abril. Costumam vingar-se positivamente semanas depois, mas este ano não prometem. Por via disso, olho com mais enlevo as rosas intensamente encarnadas do meu (pequeno) quintal, na significação que, por esta altura, lhes atribuo.
Há quarenta e seis anos, homens valorosos honraram Portugal e a instituição militar, pondo fim a um tempo sombrio, de condicionamento das consciências e de subjugação de um povo humilde e analfabeto, isolado do mundo, que fora instado a ter orgulho em ser pobre. Um tempo em que a livre opinião era um perigo. Em que a saúde era restrita aos muito poucos que a podiam pagar. E em que até a fuga à mais pungente miséria só encontrava saída na emigração «a salto», sujeita à avidez dos «passadores». Em muitas aldeias do interior do país não havia electricidade, nem água canalizada, nem estradas de acesso asfaltadas, nem ruas calcetadas. Em muitas escolas do ensino primário, os professores eram regentes, sem habilitações. E quando havia professores habilitados, grande parte deles, como que carregando o peso da instituição política ou identificando-se com ela, eram carrascos que, usando desalmadamente a palmatória, davam cabo das mãos das crianças, acrescentando dor física à malnutrição ou ao frio ou aos pés torturados por calçado «herdado» ou mal remendado, senão descalços, ou, tantas vezes, ao desconforto dos piolhos nas cabeças sem higiene. Portugal era assim, do Minho ao Algarve e do continente às Ilhas. Nas então colónias africanas, o «autismo político» e o consequente desencadear da guerra provocaram efeitos marcantes nos que combateram no ultramar e culminaram num êxodo abrupto de retornados para a metrópole, os quais, no entanto, se integraram muito bem e foram um factor de dinamização da sociedade que os acolheu. Por outro lado, teve início uma evolução social e económica pouco feliz na maior parte dos novos países africanos de expressão portuguesa.
Agradeço a esses homens e presto-lhes homenagem. Salvaguardando que nunca me identifiquei com a acção e as ideias de alguns deles, quando resvalaram para conceitos de democracia e de liberdade que não partilho. E aprecio-os muito, em especial porque não fizeram uma revolução em proveito próprio, nem em termos de exercício de poder ilegítimo, nem em termos de enriquecimento material. Em geral, nem sequer progrediram significativamente nas respectivas carreiras militares. A revolução não beneficiou os seus heróis.
E se os ideais de Abril e a democracia conquistada deram lugar ao país endividado e socialmente (ainda muito) injusto dos dias de hoje, não cabe qualquer responsabilidade aos protagonistas da revolução dos cravos. O nosso amor pela liberdade, vivido e expresso por cada cidadão, cultivado nas famílias e na sociedade, ensinado nas escolas e praticado pelas instituições, devia dar frutos mais solidários, que ainda não alcançámos.
A cada momento é tempo de dar o nosso contributo. Exijamo-lo de nós próprios, particularmente nos tempos que correm.
Hoje, muito grato, sinto no coração a festa do 25 de Abril.
O «Dia da Liberdade».
José Batista d’Ascenção