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Mais que uma ciência (que nunca foi nem será) ou um conjunto de técnicas (a que não pode limitar-se), a pedagogia é uma arte (como nunca deixou de ser).
E como qualquer arte deve beneficiar dos conhecimentos científicos sobre a natureza, as características e as capacidades dos humanos, enquanto seres que aprendem, e sobre as técnicas que facilitam as aprendizagens. Imprescindíveis são a vastidão de saber de quem ensina e os seus dotes de empatia, de entusiasmo e de exemplo. Mas não há fórmulas nem receitas, porquanto as condições que se exercem sobre cada pessoa ao longo da sua vida são infinitas e variam segundo os contextos, pelo que extrair, em cada caso, o que determina a capacidade de ensinar e de aprender não é absolutamente claro e definido. Conhecemos, embora, muitos factores determinantes da aprendizagem: o conforto psico-fisiológico, o bem-estar afectivo e social (impossíveis na pobreza), mas desconhecemos tantos outros e o efeito e o peso das suas múltiplas interacções.
Clarificando: uma criança não aprende bem se tem fome, se passa frio, se não tem saúde, se vive com medo ou se procede sem regras. São determinantes espaços habitacionais, escolares e ambientais não degradados e afectivamente saudáveis, com condições de higiene, de disciplina, de responsabilidade e de humanismo.
Sobre esse lastro devia assentar a acção pedagógica. O desejo de melhorar a aprendizagem e aperfeiçoar os cidadãos conduziu, compreensivelmente, a estudos diversos e a especializações da psicopedagogia. O que é bom. Mas, a imposição de teorias e práticas descurando as condições reais, específicas e particulares, cedo produziu efeitos indesejáveis.
Olhando para trás, nas quase quatro décadas que levo de ensino, posso referir três ou quatro aspectos que redundaram em fracassos que continuam a não ser reconhecidos:
- A ideia do «bom selvagem» de Rosseau, por exemplo. Não só é errada, como permanece inerente à formação e à acção de muitos professores - uma espécie de âncora de que não se conseguiram libertar. Ora, um "selvagem" (ou vários, em cada turma), embora "bom", tende facilmente para a "selvajaria", como se verificou em demasiados casos, (sempre desvalorizados como não sendo a regra, o que não era verdade) em muitas turmas de várias escolas, durante anos sucessivos (na realidade, décadas), e continua a acontecer. Para crescer e se educar, cada criança tem de interiorizar normas e cumpri-las, não sendo legítimo nem aceitável que prejudique reiteradamente a sua aprendizagem e, sobretudo, a dos outros;
- A aprendizagem em “espiral”, que consiste basicamente em abordar certas matérias, de tempos a tempos (de dois em dois anos, por exemplo), com níveis de aprofundamento e de exigência diferentes, de acordo com uma suposta maturidade e capacidade crescentes dos alunos. Sendo isto possível, não significa que seja universalmente desejável nem justificável. Nas minhas disciplinas, por exemplo, não consigo saber em que ano é que os “especialistas” propõem que se estudem os modelos de actividade enzimática ou os factores que a afectam. E não conheço ninguém que saiba, porque nada é proposto, a não ser que se estudem enzimas. Donde resulta que no nono ano não se dão porque é matéria de décimo. E no décimo também não porque talvez tenha sido dada no nono. Já no décimo segundo, esta matéria é considerada como tendo sido dada. É assunto (mal) arrumado. Ora, quando uma criança está em condições de compreender uma matéria, a mesma deve ser ensinada da forma clara e suficientemente completa, de tal modo que ela própria a possa aprofundar em qualquer altura posterior;
- A dispensabilidade de fazer muitos exercícios, de preferência à mão e usando cálculo mental. O mesmo para o treino da escrita e da leitura. O que é tremendamente nefasto. A consequência é que muitos alunos terminam cada ciclo de ensino empurrados pelas estatísticas de sucesso, até ao fim do secundário, sem mínimos indispensáveis: demasiados odeiam o cálculo e a leitura e detestam escrever (e não poucos lêem e escrevem muito deficientemente), o que também é escondido, porque devemos ser “positivos” e não insistir na referência aos fracassos, especialmente na documentação oficial. Alheios a isso, em vez da redacção de texto, estimulamos os alunos a construírem esquemas conceptuais e há até quem os leve (sempre esporadicamente) ao teatro ou lhes recomende filmes como estímulo à leitura de bons livros (função que estas nobres artes não têm por finalidade nem podem cumprir);
Há ainda a investigação em educação. Muito necessária, mas dispersa, etérea e longe da prática concreta da sala de aula. As bibliotecas estão cheias de teses não raro de dimensão gigantesca que justificam progressões académicas, mas são de utilidade prática irrelevante. Ora a incidência em aspectos concretos e objectivos: saúde, alimentação, certos comportamentos e hábitos, factores que predispõem à concentração ou à distracção, entre outros, merecem investigação e estudo exaustivo. Castelos no ar e palmas de uns para outros, em “circuitos endogâmicos”, dispensam-se.
O nevoeiro permanece e não é desejável que o tornem(os) mais denso.
José Batista d’Ascenção
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