Nascido no interior da “zona do pinhal”, na Beira Baixa, as minhas idiossincrasias têm âncoras na vida dura daquelas serras e vales, desde menino, na década de 60 do século passado, até hoje. Certo que, pré-adolescente, saí de lá, mas foi ali que sempre tive o coração, mesmo quando admiti que a ligação podia estar algo atenuada. Esse vínculo parece fortalecer-se agora, ante o peso da idade e a nostalgia das memórias que o tempo não apagou, particularmente quando, retornado às origens, dou largas ao impulso irreprimível e correspondido de abraçar sentidamente os da minha idade ou mais velhos com quem convivi.
Naquelas terras, leis e governos, em geral, não são tidos como factores ou agentes de protecção de quem muito trabalha e sofre e tem de seu apenas o magro fruto de labor porfiado em anos sucessivos, incluídos os que emigraram e tiveram (algum) sucesso ou nem tanto.
O pasmo ante e após o inferno das chamas seca lágrimas e protestos e interioriza um sofrimento indizível de quem sabe que está só, à mercê de um Deus nunca renegado, mas que parece indiferente às suas preces.
Pessoas curvadas ao peso da vida, isoladas, com os descendentes longe, presas às casas e às terras em que progridem silvas e mato, que só o fogo ceifa, lutando até ao limite das capacidades no amanho de porções de terra cada vez mais diminutas e próximas da porta, resistem a partir para os lares onde sabem que vão esperar a morte breve. Enquanto se mantêm nas suas casas, muitas com carências de toda a espécie, continuam a poupar tanto quanto podem, porque sempre procederam assim, na ideia de fazer face a alguma despesa inesperada no futuro. As rugas sulcaram-lhes a face e o corpo, perderam os dentes, têm pretas as margens das unhas e vestem trapos humildes, mas há nelas (nelas, realce-se, porque são na maioria viúvas de idade avançada) a dignidade de não reclamarem contra a vida que vive(ra)m.
Poucas e silenciosas, o seu voto não tem qualquer peso, pelo que as políticas são ausentes ou negligentes, e a solidariedade entre umas e outras não lhes apaga as dores da alma.
Impotente, como as gentes da minha terra, dedico-lhes estas linhas, em jeito de pequenina homenagem.
José Batista d’Ascenção