O nosso poeta maior viveu no século XVI e publicou a sua obra épica há mais de 450 anos (em 1572). Senhor de extraordinário talento, servido por uma memória prodigiosa, curioso, culto e erudito como poucos no seu tempo, vivia a vida com uma intensidade só ao alcance de espíritos decididos. As suas qualidades e o seu virtuosismo poético e intelectual, o gosto e o afinco pela composição poética, deixaram-nos uma obra ímpar, em versos líricos e épicos.
Camões foi único pela vastidão, originalidade e subida qualidade da sua obra, o que não significa que não tenhamos tido no passado, como temos no presente, e teremos seguramente no futuro, outros vates de grandeza universal. Isso também o engrandece.
Os estudos sobre Camões e sobre a obra camoniana serão sempre bastos e não se vê que possa esgotar-se o manancial, tão rica é a fonte de que brota. Haja curiosidade, sensibilidade, conhecimento e talento para abordagens originais, úteis e, tanto quanto possível, belas. Assim mesmo, poucos se abalançariam a estudar as plantas – todas as plantas – em toda a obra de Luís de Camões. «Grande nau, grande tormenta» – versejou epicamente o próprio. «Colossal desafio, trabalho em que porfio» decidiu Jorge Paiva.

Decidiu e não desistiu. À sua análise não escapou árvore, arbusto ou erva, folha, flor ou fruto da poesia de Camões. Tudo esquadrinhou em cada verso: os termos, os conceitos, a rima, a métrica e as suas implicações na escolha das palavras relacionadas com espécimes vegetais. Do vasto edifício dos seus conhecimentos sobre botânica, a que se dedicou sem interrupções ao longo de uma vida longa e profícua, o especialista das plantas adentra-se nos labirintos da elaboração poética, na riqueza e beleza da polissemia, no rigor da expressão que serve múltiplos significados, na elegância do versejar, e extrai de tal mundo a decifração clara, exacta e fundamentada dos muitos e variados exemplares de vegetais, que coloca à disposição do entendimento e das vivências dos comuns mortais. E então ficamos a saber de que plantas se trata, porque são umas e não podem ser outras, seja pelas suas características, seja pelos nomes que na altura lhes eram dados ou fosse pela geografia que então era conhecida ou por onde se viajava. A poesia camoniana, se não fica mais poesia, fica mais entendível, logo mais bela, com o contributo de Jorge Paiva. E mais vasta (ou mais alargada) aos nossos olhos. E mais profunda. E mais original. E mais vivida. E mais nossa. Nossa de todos os que a lêem.
O curioso nisto é tais acréscimos virem de um botânico, sendo que dificilmente poderiam vir de algum especialista de quaisquer outras áreas. Nem mesmo poderia vir de um botânico qualquer. Neste caso, o botânico que elucida a obra poética é ele, também, um poeta à sua maneira. Um poeta da Natureza. Um príncipe de sensibilidade. Um ser humano de enorme generosidade.
A quem se agradece mais esta lição que é o livro «As Plantas na Obra de Camões».
Com carinho e admiração.
José Batista d'Ascenção