domingo, 30 de abril de 2017

Abril de rosas e de esperança

Em Abril esperanças mil. Crescem os dias, renovam-se as plantas e surgem as flores, muitas flores.
Rosas de Abril
No meu quintal, as rosas florescerem tão intensamente vermelhas como de costume. Como eu gosto. Mais atrasados estão os craveiros, também vermelhos, que a minha mãe me deu: aguardo-os lá para fins de Maio, que é também um tempo bonito. Este Abril tivemos sol e calor, houve dias mais frios na semana que findou e hoje de manhã choveu. Enfim Abril foi Abril, na meteorologia e na inclusão do tempo da Páscoa, com férias para os alunos e interrupção das aulas para os professores, um interregno tão necessário quanto saboroso.
Em matéria de política, houve a primeira volta das eleições presidenciais em França, muito temidas, mas com resultados (apesar de tudo) esperançosos para a segunda «ronda», na sequência de idênticos resultados na Holanda, no mês anterior. O mundo não goza de perfeita saúde e inspiram receios as personalidades que mandam em muitos países (Trump, Erdogan, Orban, Putin, Kim Jong-un, etc.), mas o mundo nunca esteve bem para a maioria das pessoas e a racionalidade dos movimentos político-sociais é um mito dos demagogos, que lideram, e da massa de ingénuos, que os seguem. Em termos gerais, a humanidade não se sente (mais) confortável nem segura (e próspera só uma parte, minoritária), mas isso faz parte do sentimento e da acção dos seres humanos de todos os tempos, creio. Salva-se quem pode, fora os casos aleatórios de fim trágico e os poucos que têm sorte, às vezes sem saber como, e submerge uma imensidade de gente na fome, na doença, na guerra e no crime dos poderosos, inexorável e… impunemente. Como sempre.
À escala do planeta, que vai sendo violentamente agredido pela ação dos humanos e pode estar a caminhar irreversivelmente para a insustentabilidade ambiental, conviria convencer as pessoas de que a humanidade pode estar a apressar vertiginosamente o seu fim, o que é diferente de supor que a vida na Terra acabará: não acabará, acabaremos nós e as formas de vida não adaptáveis (aquelas a que chamamos “vida superior”) e sobrarão as restantes, às quais não faltará tempo para evoluírem para outros seres adaptados ao meio que for existindo, qualquer que ele seja. Se assim for, daqui por umas dezenas ou centenas de milhões de anos, os humanos aparecerão no registo fóssil, possivelmente de modo abundante nas camadas elevadas (possivelmente montanhas) do que são hoje os fundos (sedimentares) do Mediterrâneo, onde morrem actualmente pessoas aos milhares, fugidas da desolação e da guerra de países africanos e do próximo-oriente. Seremos então uma curiosidade biológica como o são hoje os fósseis de dinossauros ou trilobites, quando e se os estádios da evolução tiverem atingido (de novo) formas viventes com os necessários requisitos de inteligência. Esta é uma matéria de Abril e de todos os outros meses, que não devemos descurar, sobretudo os professores.
Abril trouxe aos portugueses, e a alguns de nós em particular, o grato sentimento da vivência e comemoração dessa data bonita que é «O 25 de Abril – O Dia da Liberdade».
A mim, trouxe-me ainda a possibilidade de conviver de próximo com os meus filhos e a minha mulher e de rever e estar com amigos que, nalguns casos, não via há longo tempo. Também conheci pessoalmente o Professor Galopim de Carvalho – uma personalidade luminosa -, o que foi particularmente grato, me comoveu e encheu de esperança. Uma esperança que eu não sei definir o que seja mas que sinto de forma particular. Foi para registar aqui este parágrafo e o anterior, que escrevi os que os antecedem neste texto. Texto que, depois de reler, me permiti publicar.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 18 de abril de 2017

«A Mancha Humana», livro de Fhilip Roth, Editado por «Leya» e «Livros RTP». Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues

Um livro extraordinário, um romance com uma arquitectura irrepreensivelmente delineada, permeado pela ligação à actualidade e à vida “concreta” de personagens ricas e densas, muito bem “esculpidas” (os traumatizados da guerra do Vietname revelam um horror psicológico deveras realista) e até de pessoas concretas (o casal Clinton não sai favorecido no “retrato”…). A capacidade e sabedoria do autor são extensíssimas, vastas, agudas e profundas. A leitura cativa, tanto quanto surpreende, do início ao fim. A tradução é portentosa, facto percebido mesmo por leitores como eu, que não têm conhecimentos de línguas que lhes permitissem uma leitura franca do escrito original. A linguagem e as situações são cruas, tão cruas como a realidade vivida e protagonizada pela generalidade das pessoas. A natureza humana mostra-se em acções e pensamentos que impressionam, chocam ou comovem, num dinamismo narrativo a que seria difícil ficar indiferente. Em certos momentos da leitura, ocorreu-me que o título devia ser «A Nódoa Humana», mas acabei sempre a recomendar humildade a mim mesmo. No prefácio, Clara Ferreira Alves, refere que …«é o romance mais humano, humanista e humanizado e humaníssimo que ele [Fhilip Roth] escreveu e que se escreveu na América das últimas décadas». Falta-me competência para confirmar ou infirmar, mas não tenho dúvidas de que a dimensão/nível da obra estaria ao alcance de pouquíssimos autores. 
Seguem-se alguns registos de momentos que me fizeram parar e voltar a ler.
«Há algo de fascinante no que o sofrimento moral pode fazer a alguém que nada indicia ser uma pessoa frágil ou fraca» (pg. 31). Creio que sim, mesmo nas situações mais horríveis.
«A nossa compreensão das pessoas não pode deixar de estar sempre, na melhor das hipóteses, ligeiramente errada.» (pg. 41). «Por muito que o mundo esteja cheio de pessoas convencidas de que nos conhecem, ou a qualquer outro, por dentro e por fora, na realidade é incomensurável o que não se conhece. A verdade a nosso respeito é infinita. Assim como as mentiras.» (pg. 361). «Os filhos, que transportam a identidade do pai nos seus genes e por sua vez a passarão aos seus próprios filhos, pelo menos geneticamente […], tangivelmente, nunca têm um conhecimento completo de quem são e de quem foram.» (pg. 367). «Ninguém sabe a verdade de uma pessoa, e com muita frequência […] a própria pessoa menos que as outras.» (pg. 377). «O que nós sabemos é que […] ninguém sabe coisa nenhuma. […] É espantosa a quantidade de coisas que não sabemos. E mais espantoso ainda é o que passa por saber.» (pg. 246).
…«Cada erro que um homem é capaz de cometer tem geralmente um acelerador sexual.» (pg. 56).
«Como a palavra perfeita pode revelar ou perder uma pessoa! O que queima, o que destrói a camuflagem, o disfarce e o encobrimento? […] é a palavra certa dita espontaneamente, sem precisarmos sequer de pensar» (pg. 111).
«Nos cerca de seis quilómetros quadrados e meio daquela […] área residencial de uma cidade de Jersey […], assim como por todo o país durante a juventude de Coleman, existiam rígidas distinções […] entre classes e raças, santificadas pela Igreja e legitimadas pelas escolas.» (pg. 153).
«A vida […] não podia, nem durante meio minuto seguido, expurgar-se da sua instabilidade inerente, quanto mais deixar-se reduzir a uma essência previsível.» (pg. 155). […] Com facilidade, …«a vida pode ser uma coisa em vez de outra e […] um destino pode ser acidental… e […], por outro lado, um destino pode parecer acidental quando é impossível as coisas serem, jamais, diferentes do que são.» (pg. 156).
Sobre situações que não são «o momento indicado para se deixar subjugar pelo fenómeno quase patológico do amor maternal: […] Não precisamos de assassinar o nosso pai; o mundo encarrega-se disso por nós. […] Quem há para assassinar é a mãe.» (pg. 170). «Não querem as pessoas, na sua maioria, abandonar a porra das vidas que lhes foram dadas? Mas não abandonam, e é isso que faz delas elas». (pg. 171).
«Suponho que qualquer mudança profunda na vida implica dizer “não te conheço” a alguém.» (pg. 172).
«A liberdade é muito perigosa. E nada acontece durante muito tempo de acordo com os nossos próprios termos.» (pg. 177).
Sobre Faunia Farley, a amante tardia do viúvo Coleman Silk, casada com Les Farley, veterano da guerra do Vietname, um «azedo e achacado destroço humano»… (pg. 258), que a tratava violentamente e de quem se separou: «A miúda cuja existência se tornou uma alucinação aos 7 anos, uma catástrofe aos 14 e uma calamidade depois disso […], a miúda que desconfia de toda a gente, vê um vigarista em toda a gente e, no entanto, não está protegida contra coisa nenhuma, […] a miúda a quem pode acontecer, e aconteceu, tudo quanto há de execrável e cuja sorte não mostra qualquer sinal de mudar»… (pg. 198).
Sobre Delphine Roux, a professora universitária perturbada com o (e pelo) reitor Coleman Silk, que, na presença dele, voltava «ao seu medo de criança de estarem a vê-la por dentro e por fora. E também ao medo de criança precoce de não estar a ser suficientemente vista. Receando expôr-se, morta por ser vista: tremendo dilema.» (pg. 220).
«A mancha humana […]: nós deixamos uma mancha, deixamos um rasto, deixamos a nossa marca. Impureza, crueldade, mau trato, erro, excremento, sémen.» (pg. 282).
«A maior parte das pessoas incham de vaidade e mentem a respeito de talentos que apenas sonham ter;» (pg. 341).
…«Era estranho pensar […] que pessoas tão instruídas e profissionalmente corteses tivessem cedido com tanta facilidade ao ancestral sonho humano de uma situação em que um homem pode personificar o mal. Mas a verdade é que, além de existir, essa necessidade é imperiosa e profunda.» (pg. 352).
«Os problemas envelhecem. Às vezes envelhecem tanto que deixam de existir.» (pg. 373).
«O perigo do ódio é que, quando vamos por aí, o resultado é cem vezes pior do que prevíamos.» (pg. 374).
…«as palavras […] parecem corresponder cada vez menos à descrição do que as coisas realmente são. […] tudo é possível numa universidade, nos tempos que correm. Dir-se-ia que as pessoas que lá trabalham esqueceram o que é ensinar. Dir-se-ia que aquilo que fazem está mais perto da palhaçada». (pg. 375). «É muito difícil ler os clássicos; logo a culpa é dos clássicos. Hoje o estudante faz valer a sua incapacidade como um privilégio. Eu não consigo aprender isto, portanto alguma coisa está errada nisto. E há especialmente alguma coisa errada no mau professor que quer ensinar tal matéria. Deixou de haver critérios […] para só haver opiniões.» (pg. 377).
Referência à “selvajaria da Ilíada, o livro preferido de Coleman acerca do espírito voraz do homem. Nele cada assassínio tem a sua especificidade, cada um é uma chacina mais brutal do que a anterior.» (pg. 382), passagem que, de imediato, me remeteu para a frase: «a partir de certa idade todo o homem que se preze tem uma ilíada para contar», dessa notável escritora portuguesa contemporânea, Lídia Jorge, no livro «Os Memoráveis».  [Ed. D. Quixote, 2014, pg. 15]
…«É em momentos assim que amamos as pessoas, quando as vemos decididas a enfrentar o pior. Não corajosas. Não heróicas. Simplesmente decididas.» (pg. 388).
Sobre a trama do romance deixei tudo por dizer, de propósito. Assim, não mato (espero eu) a curiosidade de ninguém que pretenda ler o livro. E que livro!

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Revisitação: "A vida e opiniões de Tristram Shandy", parte segunda. Antígona

Mais afeito à escrita de (Laurence) Sterne, depois da (re)leitura da parte primeira, o gozo foi maior a ler esta parte segunda, tanto que me fez chegar mais depressa ao fim. A imaginação prodigiosa, a erudição incomensurável, a atenção minuciosa aos defeitos da alma humana, a elegância do cómico, a profundidade da ironia, a imprevisibilidade das situações e a riqueza da escrita deixam-nos assombrados.
Seguem-se alguns pormenores (que achei) interessantes ou simplesmente deliciosos, com uma chamada de atenção: o livro é todo ele delicioso, pesem embora as limitações que decorrem de ter sido escrito em inglês, no século XVIII, e de a ambiguidade linguística e muitos trocadilhos se perderem na tradução para português.
Expressão «Judeu errante» - segundo a lenda, judeu condenado a errar pelo mundo até ao Juízo Final, por ter dito a Cristo que andasse mais depressa quando subia ao Monte Calvário, carregando a cruz. Nota 47, pg. 27.
Geração espontânea – alusão a crença antiga de que o rio Nilo tinha a capacidade de criar seres vivos a partir da lama. Nota 74, pg. 44.
Violinos de Amati, Stradivari e Guarneri – violinos de grande qualidade, fabricados em Cremona, Itália. Nota 83, pg. 49.
O pai de Tristram, «seguindo o exemplo de Xenofonte», propôs-se escrever uma «TRISTRA-pédia» - sistema de educação destinado ao seu filho. Pg. 50.
O autor italiano e bispo de Benevento, Giovanni della Casa (1503-56), autor de «Galateo» (1558), defendeu a sodomia na sua juventude, mas não nesta obra, como o narrador erradamente pressupõe. Nota 89, pg. 52.
«As ciências podem aprender-se de cor, mas a sabedoria não», citação da obra «Of Education», de O. Walker. Pág. 77 e nota 135.
«Quod omne animal post coitoum est triste» (depois do coito todos os animais ficam tristes), máxima que o narrador atribui a Aristóteles. Pg. 81 e nota 144.
«Se eu fosse um asno [como os críticos da obra], solenemente o declaro, havia de zurrar sol-ré-dó em sol maior [alto e estridente] de manhã à noite». Pg. 95.
“Blonederdondergewdenstonke” – palavra inventada por Sterne para sugerir o pedantismo dos críticos holandeses. Nota 48, pg. 122.
Referência aos «Colloquia Familiaria» [Conversas Familiares] (1518) de Erasmo de Roterdão, onde se afirma: «É sinal de boa educação cumprimentar todos (…), independentemente do que estiverem a fazer, seja a comer ou a bocejar, ou a soluçar, ou a espirrar, ou a tossir.» É obrigação de um homem bem educado cumprimentar mesmo quem estiver a arrotar»…, etc. «Mas já é má educação saudar quem estiver a urinar, ou a aliviar a natureza.» Nota 31, pg. 104.
Os antigos Godos da Alemanha (…) tinham (…) o sábio costume de debaterem duas vezes as coisas importantes para o Estado, a saber: uma vez bêbedos e uma vez sóbrios. Bêbedos para que aos concílios não faltasse vigor e sóbrios para que não lhes faltasse discrição. Pg. 128.
«A minha mãe – (a mais autêntica das «Poco-corantes» do seu sexo!) (…) não queria saber se as coisas se faziam desta ou daquela forma, - desde que fossem feitas.» [à letra: uma «pouco-se-importa» ou uma «quer-lá-saber»]. Pg. 137 e nota 68. «Ora ela tinha um jeito só dela, (…) o qual consistia em nunca recusar o seu assentimento e consentimento a qualquer proposição que o meu pai lhe apresentasse»… Pg. 346.
«O meu tio Toby, sentado de manhã à noite, em amena cavaqueira (…) – deixava ao trabalho pouco mais do que a cerimónia do nome.» Pg. 139.
Trespassar amorosamente “o fígado”, órgão onde residiria a paixão amorosa e o desejo sexual. Pg. 153 e nota 91.
«Pois o que é a guerra? (…)  um ajuntamento de gente mansa e inofensiva, de espadas nas mãos, para manter os ambiciosos e turbulentos nos seus lugares?». Pg. 161.
«Há uma maneira indignada de um homem às vezes desmontar do cavalo, que é o mesmo que dizer-lhe, “Antes quero andar a pé (…) todos os dias da minha vida do que voltar a andar nem que seja apenas uma milha às vossas costas”». Pgs 162-163.
Na página 174, o texto inclui 5 linhas irregulares e caprichosas, garatujadas da esquerda para a direita, ilustrativas dos percursos seguidos nos primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto volumes da obra. O humor de Sterne leva-o a salientar que na quinta linha se vê que ele conseguiu melhorar bastante. A meio da página seguinte há um segmento de recta, da esquerda à direita da página, sem defeito, que Sterne diz que representa «o caminho que os Cristãos devem seguir», segundo os teólogos, e «o emblema da rectidão moral», segundo Cícero (nota 125), e “a melhor linha”, segundo os plantadores de couves, e «a linha mais curta (…) entre dois pontos», segundo Arquimedes (nota 127).
«O “Grand Tour” – viagem pela Europa (especialmente França, Itália e Grécia) tida como a última etapa da educação do jovem fidalgo ou burguês, era por vezes um pretexto para uns quantos meses de vida dissoluta.» Nota 32, pg. 197.
«Diógenes Laércio (séc. III a. C.) dizia na sua “Vida dos Grandes Filósofos”: “Guardai o inverno para os prazeres sexuais, abstei-vos no verão; na privavera e no outono não fazem tanto mal” (…). Interrogado acerca de quando deveria um homem ter relações sexuais com uma mulher, respondeu: “Quando quiser perder a pouca força que tem.”» Nota 35, pg. 198. E «interrogado sobre a idade adequada para o casamento, teria respondido: para um jovem ainda não, para um velho já não.» Nota 49, pg 390.
Leonardo Léssio (1554-1623), teólogo jesuíta, «aventou que numa milha holandesa (…) ao cubo haveria espaço que chegasse e sobrasse para uns oitocentos milhares de milhões [de almas], os quais supõe ele ser o número máximo (a contar desde Adão) que poderão vir a ser condenadas até ao fim do mundo». Pg 199 e nota 38.
Em Paris, «como as ruas estavam muitas vezes sujas e enlameadas, devido às águas que escorriam pelo esgoto central, por cortesia deixavam-se os peões passar junto à parede; no entanto, até as paredes estavam sujas.» Nota 46, pg. 204.
«De entre as várias maneiras de se começar um livro (…) a minha forma de o fazer é a melhor – estou certo de que é a mais religiosa - pois começo por escrever a primeira frase – e logo confio a segunda a Deus-todo-poderoso.» Pg. 258.
«Acontece com o Amor o mesmo que com o Marido Enganado – a parte que sofre é pelo menos a terceira, mas geralmente a última (…) a saber». Pg. 260.
«Declaro que não me lembro de nenhuma outra (...) passagem da minha vida em que o meu entendimento tenha tido mais dificuldade em dizer coisa com coisa, torturando o capítulo que estava a escrever (…) do que no caso presente: julgar-se-ia que eu até tinha prazer em meter-me em alhadas deste género, apenas para experimentar novas maneiras de me livrar delas». Pg. 264.
No livro original dos rituais da Igreja Anglicana “Common-Prayer Book”, «as finalidades do casamento seriam: procriar, livrar a sociedade do pecado da fornicação e a ajuda entre os cônjuges». Nota 40, pg. 374.

Referências a Portugal, a Lisboa ou aos portugueses (que também existem na parte primeira):
- a «um intendente português». Pg. 146;
- a um irmão do cabo Trim, chamado Tom, que lhe havia «mandado como lembrança» uma bolsa com dezoito florins, «antes de partir para Lisboa». Pg. 295.
- à «viúva de Lisboa», com quem Tom casou. Pg. 333.
- «andava toda a gente em Lisboa a tentar desenrascar-se». Pg335.

PS: Nota adicional: Estes humildes apontamentos não dão uma pálida ideia da qualidade e da riqueza do livro.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Podas incompreensíveis

Os portugueses não gostam de árvores. Aparentemente, os políticos portugueses também não. Os bracarenses, especificamente, não gostam de árvores. Consequentemente, os autarcas de Braga também não gostam (ou é o que parece e que contraria a ideia que tinha de alguns deles...).
Anteontem, à tarde, regressava a casa, passando pelo que, daqui a pouco, seria o maior e melhor e mais confortável e mais belo túnel de verde das artérias de Braga, quando deparo com um exército de podadores e maquinaria e polícias a proceder a uma poda de árvores, quando elas se preparam para desabrochar. Foi um desapontamento e uma revolta. Chegado a casa tomei a iniciativa de enviar «mail» de indignação e de protesto para o presidente da câmara, para o vice-presidente e para os vereadores do urbanismo e do ambiente. O meu esforço não teve consequências positivas, o trabalho de destruição das árvores continua, diligentemente.
Poda, em Abril, numa das poucas artérias arborizadas (de uma freguesia limítrofe) de Braga
Reproduzo de seguida o mail enviado, com omissão do que não interessa e pequena correção dentro de parêntesis recto:

Assunto: Podas inadmissíveis na estrada de Real
Data: Mon, 3 Apr 2017 17:15:41 +0100
De: José Batista <josbat@sapo.pt>
Para: presidente@cm-braga.pt, firmino.marques@cm-braga.pt, miguel.bandeira@cm-braga.pt, altino.bessa@cm-braga.pt

Ex. mo Senhor Presidente da Câmara
Ex. mo Senhor vice-Presidente da Câmara
Ex. mos Senhores Vereadores do Urbanismo e do Ambiente
Eu, [nome], morador em […], acabo de passar na estrada de Real e  fiquei consternado: o maior e melhor e mais bonito túnel de verde e de sombra de (toda a) Braga e arredores [exceptuando o Bom Jesus, que não é da responsabilidade da autarquia], está a ser diligentemente podado, quando as árvores (lódãos) ainda mal despontam. Como é possível?
- Esta não é altura de podar árvores.
- Aquelas e todas as árvores produzem oxigénio (tão necessário), consomem dióxido de carbono (tão perigosamente abundante), começam a fazer sombra (tão útil e agradável), moderam as temperaturas (tão extremadas) e são um consolo para a vista e para a alma. Parei, fui fotografá-las, antes da decapitação...
- Pago, como é da lei, e do dever, todos os meus impostos e não compreendo: como se gasta tempo, energia e dinheiro com afazeres tão prejudiciais? Porque não se limpam as bermas das estradas, onde não é improvável que venham a ocorrer fogos dentro de pouco tempo? Ou as florestas, pelo menos nos sítios mais perigosos para pessoas, animais e habitações?
Fui falar com os agentes que vigiam o acto, que me parece criminoso. Foram simpáticos (ao menos isso), disseram-me que terão sido pessoas a pedir aquela poda (não sabendo eu o que ganham com isso, porque aquelas árvores vão rebentar com mais força daqui a um mês e produzir mais pólen ainda, se é esse o problema, que outro não vejo...) e que só a intervenção junto da Câmara poderia contribuir para parar o delito que está a ser feito. Por isso esta minha comunicação, in extremis.
Se nada for feito ainda, conto publicar as fotografias de antes e de depois e imputar as responsabilidades a quem as deve assumir, que é o mínimo que posso fazer.
Com muito pesar.
Aceitem os meus melhores cumprimentos.
[nome]
Fim da reprodução.
A mesma artéria, vista no sentido oposto
 José Batista d’Ascenção

domingo, 2 de abril de 2017

Futebóis

Confesso: satura-me o ambiente que se cria antes dos jogos sonantes, com rádios e televisões a meter
Imagem obtida aqui.
o assunto até no que deviam ser os blocos noticiosos; e irritam-me os sábios que “projectam” os jogos antes de acontecerem, os relatadores espalhafatosos que atropelam a gramática, a objectividade e o raciocínio enquanto duram e os “filósofos” que falam exaustivamente a posteriori, para análises transcendentes que, admito, possam agradar aos da sua cor e desagradar aos restantes. Naturalmente que isto tem remédio: basta não ver nem ouvir; mas não é remédio bom nem confortável, uma vez que não anula a perturbação dos poucos programas bons das televisões (alteração de horários, suspensões...) e obriga a procurar estações de rádio menos militantemente “emotivas”.
Reconheço, no entanto, que quem gosta de futebol tem todo o direito a vivê-lo antes, durante e após cada jogo, o que quer dizer sempre, se bem que haja quem talvez não o aprecie muito, em si mesmo, e goste igualmente de ver a populaça distraída (ou revoltada) com o pontapé na bola, a fim de que aceite melhor a carga de injustiças e misérias da vida (e da política, para ser mais explícito). Já o mesmo não aplico a essa coisa das “claques”, que exigem três polícias por cada alienado (cálculo meu) para evitar que as trupes desfaçam tudo por onde passam, até ou principalmente a integridade das pessoas. Também não tenho nenhuma complacência com as dívidas e transferências de dinheiro que alguém há-de pagar nem com as despesas monstruosas dos estádios que alguns municípios cobrem, a meu ver, indecentemente.
Há, porém, uma matéria que me impressiona seriamente. Como toda a gente, tenho na família e entre os amigos, pessoas a quem muito quero e estimo, grandes apaixonados por clubes diversos, designadamente os três chamados grandes. O mesmo verifico, obviamente, entre os colegas de profissão, mais no sector masculino. Ora, são inúmeras essas pessoas, de qualquer dos clubes, que são honestíssimas, bons cidadãos e bons profissionais, rigorosos, de trato e correcção exemplares. Pois oiço estas pessoas falarem umas com as outras ou em alturas diferentes sobre os casos dos jogos, com visões por vezes completamente antagónicas em muitos aspectos que, aparentemente, deviam ser objectivos. Elementarmente, concluo que, sendo as situações (incidências dos jogos, como agora se diz) as mesmas, o sentido das análises depende mais da perspectiva de quem analisa do que da objectividade dos casos analisados.
Nessas alturas vem-me à mente o dito de alguém (Eduardo Prado Coelho?) que, referindo-se ao íntimo de cada pessoa, afirmava qualquer coisa como: há em cada um de nós o “ser humano” e o “manuel germano”. E então, cheio de perplexidade, interrogo-me sobre o digladiar (ou a convivência?) entre aquelas duas dimensões e o que faz uma delas predominar sobre a outra. Normalmente opto pelo silêncio e retiro-me na primeira oportunidade, até para não dar azo a que também em mim possa extravasar o “manuel germano”.
No entanto, à mesa do café, com amigos, cujas preferências clubísticas conheço tão bem como o seu sentido de humor, diverte-me imenso ouvi-los discorrer e discordar sobre os motivos da bola. E chego a meter a colherada, embora sem qualquer propriedade, por falta de competência, magnanimamente considerada. Disso gosto sinceramente, mais que dos jogos, que raramente vejo. 

José Batista d’Ascenção

Corrigenda: a frase “convém não confundir género humano com Manuel Germano” é de Mário de Carvalho e terá um sentido algo diverso. O seu a seu dono.