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Nas últimas cinco décadas, os portugueses tornaram-se grandes consumidores de carne. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, de 2014 a 2017, o «total de carnes e miudezas» ingerido por cada habitante em Portugal foi crescendo sucessivamente de ano para ano: 108,2 - 111,2 – 112,6 – 114,0 kg. Estes valores ultrapassam em quatro ou cinco vezes as necessidades proteicas de cada adulto, que podem andar à volta de um grama por quilo de peso por dia, embora devam variar consoante a idade, o sexo e a profissão ou o estado de saúde.
Razões económicas, culturais e educativas contribuíram para o fenómeno. Algumas prendem-se com a pobreza e malnutrição da maior parte da população portuguesa até aos inícios da década de setenta do século XX. E períodos houve, como nas décadas de trinta e quarenta do século passado, em que a fome quantitativa (ausência do que comer) afectava profundamente grandes camadas da população, quer no meio rural quer no meio urbano. E antes disso não era diferente. Mesmo os que criavam um porco, que matavam anualmente, privavam-se da carne vermelha de presuntos e enchidos, que vendiam, e limitavam-se ao toucinho salgado, com que temperavam os caldos, e às partes menos valorizadas que, habitualmente, não chegavam para muitos dias.
Com a reivindicação de melhores salários e a melhoria dos níveis de vida sequentes ao 25 de Abril de 1974, os portugueses tiraram a barriga de misérias. Ao mesmo tempo ocorreram migrações de muitos habitantes do campo para a cidade, onde as profissões não exigiam o mesmo dispêndio energético de quem agricultava de sol-a-sol ou trabalhava na floresta ou em poços ou em minas ou em pedreiras, etc. Tendo mudado de vida, os hábitos alimentares não se alteraram em conformidade: e a comida servida em quantidade e abundância, com bifes tapando o diâmetro dos pratos, não raro com «um ovo a cavalo», feijoadas que deviam chamar-se «carnadas» ou cozidos à portuguesa empratados em cogulo com nacos enormes de carne e enchidos na mesma proporção, pão (demasiado) branco (quase só amido) e abundância de fritos (em óleos saturados, do uso repetido), a que não faltaram os doces abundantes à sobremesa, depressa levaram ao aumento de barrigas nos homens e quadris e cinturas nas mulheres. Passámos a ser um país de gordos. E não só entre os adultos.
De modo geral, consumimos demasiadas calorias de quaisquer dos alimentos energéticos: glúcidos (os amidos das batatas, do arroz, das massas e do pão «fino» e os açúcares), lípidos (gorduras, das carnes, dos óleos...) e prótidos (proteínas da carnes, do peixe, dos ovos e do leite e derivados). Deste excesso resultam vários problemas: aumento de peso (obesidade) com repercussões nas doenças cardiovasculares (colesterol elevado, arteriosclerose, tromboses, enfartes e «àvecês»), diabetes e perturbações da coluna e outros ossos (porque o esqueleto passou a suportar um acréscimo significativo de carga, que o foi deformando). Isto implica sofrimento, perda de dias de trabalho, gasto dos próprios em medicamentos e despesa do país em serviços de saúde. E se em Portugal a esperança média de vida é das mais elevadas do mundo, é comum as pessoas da terceira e quarta idades padecerem longos anos, diferentemente de países onde os (mais) idosos se mantêm saudáveis durante praticamente toda a vida.
As proteínas são essencialmente longas cadeias de aminoácidos. Quando digeridas no (nosso) intestino, as proteínas alimentares de qualquer proveniência são degradadas em aminoácidos, que são absorvidos para a corrente sanguínea e levados para todas as células. A função destes aminoácidos é servirem como elementos de construção das nossas próprias proteínas, segundo sequências geneticamente definidas. Portanto, os aminoácidos, e as proteínas que elaboramos com eles são como que os tijolos do corpo (por isso se revestem de uma importância capital durante o crescimento: na infância e na juventude), e essas proteínas, para além de conferirem estabilidade e arquitectura a cada célula, desempenham funções tão diversas como servirem de transportadores celulares, modularem reacções químicas, executarem movimento, constituírem anticorpos, funcionarem como receptores de identificação, etc. etc. Porém, se estão em excesso têm que ser metabolizadas em vias bioquímicas que levam à formação de resíduos de azoto (elemento químico constituinte do grupo amina de cada aminoácido), que são tóxicos se não forem convenientemente excretados. Daí resultam os bem conhecidos problemas relacionados com compostos azotados como o ácido úrico, causador da inflamação das articulações (chamada «gota»), e a ureia.
Como melhorar então a nossa alimentação (e poupar na aquisição dos bens alimentares e ganhar na saúde e contribuir para um melhor desempenho económico do país)? Diminuir o consumo de carne e compensar, eventualmente, a ração alimentar com produtos vegetais. Até ecologicamente se ganha: como o ser humano passaria do terceiro nível da cadeia alimentar: plantas – animais – ser humano, para o segundo desses níveis, muitos dos terrenos que produzem alimento animal passariam a produzir alimento humano. E o que o excesso de animais para abate consome poderia, sob a forma de outras culturas, alimentar mais pessoas. Claro que era preciso educar todos e apoiar os produtores de carne no sentido de reconverterem a sua actividade.
Porém, nas nossas escolas, diferentemente do que já foi feito, a educação alimentar é muito deficiente. E os efeitos notam-se. Infelizmente.
José Batista d’Ascenção
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