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Na manhã de hoje, poucos minutos antes das nove, ouvia na rádio (rdp-antena 1) uma senhora falar com entusiasmo do maior madeiro de Natal de Portugal, que há-de ser queimado a partir das 00horas do dia 24 de Dezembro até aos Reis, na vila de Penamacor, na Beira Baixa. É o cumprimento da tradição, afirmava a senhora. Segundo as suas palavras, os rapazes de vinte anos, munidos de todas as ferramentas e com o apoio da Câmara Municipal e a cedência de maquinaria e meios de transporte pelas empresas da região, arrancam e cortam «uma sobreira» (um sobreiro grande) e transportam-na para o adro da igreja, onde vai fazer parte de uma pira gigantesca, de que brotarão chamas que ultrapassam a altura do cume dos telhados, continuando depois a arder durante catorze dias. Todo o trabalho é feito de forma gratuita e a energia gasta tem por fim a confraternização e o encontro de uns e de outros: os que são da terra e nela vivem e os que emigraram para o estrangeiro ou se deslocaram para as grandes cidades do país e retornam cheios de vontade ao conforto das suas raízes. A todos eles acrescem os que vão impressionar-se com tamanha fogueira e participar dos festejos e da camaradagem das gentes generosas e das fartas e deliciosas comezainas da ocasião. O entrevistador falava das «tchouriças» assadas no brasido e saborosamente repartidas pelos convivas.
Por detrás de tal manifestação festiva e do apego à tradição, há também a vontade de a transformar num cartaz turístico, chamar pessoas, fazer algum comércio, esconjurar de algum modo a interioridade e a desertificação, senão mesmo a solidão.
É bom manter, ver e (re)viver as manifestações culturais de cada região, especialmente quando a globalização uniformizou pensamentos e comportamentos, no começo por via das televisões e agora através das redes sociais. Comemos, vestimo-nos, frequentamos espaços parecidos e espectáculos idênticos, assistimos aos mesmos desportos e veneramos heróis planetários, ignorando origens e diferenças e, em certa medida, rasoirando a individualidade cultural das pessoas - há empobrecimento social e pessoal.
Mas, no caso em apreço, ocorreram-me outras reflexões, nem todas positivas: O sobreiro é uma árvore de crescimento lento e foi até escolhida como símbolo de Portugal (o abate é proibido). Interrogo-me sobre se cortar, acarretar e queimar tamanha quantidade de lenha, em tão pouco tempo, não poderia, modificando um bocadinho a tradição, voltar-se para outras espécies arbóreas. Estou a pensar nos eucaliptos, cujo «roubo» se poderia fazer em abundância de sítios próximos ou distantes, sobretudo de locais onde estejam a pôr em perigo (de incêndio ou outro) pessoas, habitações, animais domésticos, culturas agrícolas, canalizações de água (as raízes dos eucaliptos introduzem-se nos canos obstruindo-os) e a biodiversidade florestal. O mesmo se diga em relação a matos que tanto precisam de ser removidos das bermas das estradas e da proximidade de habitações. O «roubo» das árvores apenas devia ser eticamente proibido em courelas únicas de pessoas pobres. Nessa altura, o antigo ritual de passagem dos jovens mancebos a adultos reconhecidos far-se-ia com maior mérito, pessoal, social, ambiental e ecológico.
A libertação de grande quantidade de dióxido de carbono (resultante da combustão) dava-a eu de barato, sendo que os lucros da festa, se os houvesse, bem podiam destinar-se também a plantar duas árvores (não eucaliptos) por cada uma que fosse derribada para o efeito.
Mas, que digo eu? Com pouco e com muito, e com as melhores intenções, degradamos a nossa «casa comum» (o planeta, único sítio disponível para vivermos). Opiniões como esta, seguramente, não merecem concordância. Eu próprio, oriundo da Beira Baixa, condescendo intimamente no apreço e respeito pelo sentir e agir da minha gente.
Com dúvidas, porém.
Feliz Natal.
José Batista d’Ascenção
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