Quinta-feira, 11 de Julho. Passava das 21.30, no topo do Monte da Consolação, em Nogueiró, nas proximidades de Braga. Iniciava-se a primeira noite da X Edição do «Castro Galaico Festival de Nogueiró, Música-Tradição-Recriação Castreja». Noite quente, sob um céu de Verão. A poente as luzes da cidade; a nascente, muito nítidas na colina atrás e à direita do palco principal, emergiam iluminados os campanários da catedral do «Bom Jesus». Um cenário a que não podia pedir-se mais. A música chegou serena e doce e ritmada e leve e harmónica pelo grupo «Espiral Trio Celta», composto por elementos femininos de grande sensibilidade, rigor e competência: uma flautista e cantora, uma tocadora de harpa e guitarra, também cantora, e uma violinista. A música é de inspiração celta, com recolhas musicais da Irlanda, da Escócia, da Bretanha e da Galiza, para além de composições próprias, com as mesmas raízes e influências. Música deliciosa, sem falhas, harmonia perfeita, de vozes e instrumentos, dando expressão à beleza das composições, sem som de «enchimento». Pena o tempo de actuação esgotar-se depressa, mas não podia pedir-se mais, porque a programação assim o exigia e talvez não o aconselhasse o «estado interessante» já avançado da harpista. Foram uma doçura em palco, um embalo, uma ternura e um encanto. Para mim, o Monte da Consolação dificilmente faria melhor justiça ao nome.
Enquanto se tratava da mudança de instrumental, actuava noutro palco o Grupo de Folclore da Universidade do Minho, em recital a que não assisti.
A música prosseguiu no mesmo palco com o grupo galego «Luar na Lubre», um conjunto vigoroso, de sete elementos, com um ritmo e volume que arrebataram a plateia, fazendo saltar para o terreiro os assistentes bailarinos que não resistiram mais à excitação das almas e às cócegas nos pés. A «culpada-mor» talvez tenha sido a cantora, de voz intensa, funda e melodiosa e o corpo possuído pela magia da dança. De tal modo que «transbordou» do palco e, por momentos, fez-se mais uma no tumulto dançante. Todos os músicos muito aplicados, precisos, fortes e síncronos. Causou-me particular impressão o virtuosismo do guitarrista.
Retirei-me antes da última música, solicitada pelo público em festa, a fim de fugir a eventual aglomeração na saída. De alma cheia.
Passadas 24 horas voltei e ocupei, praticamente, o mesmo lugar. Cerca das 22 horas começou a actuação do grupo minhoto de música tradicional, chamado, precisamente, «Origem Tradicional» (nome que me causa algum conflito cognitivo…). Composto por nove elementos, dois do género feminino: a vocalista principal e uma voz de acompanhamento. Este grupo conta quarenta e um anos e um dos seus elementos vem dos tempos da fundação. Reportório rico em música tradicional do Alto e do Baixo Minho, na sua oralidade e «gramática» mais genuínas, com um ritmo vivo, animado, dançante e dançável. O elemento mais activo na estimulação do público, para além da voz, desdobrou-se pelo acordeão, pela gaita de foles, pelo bandolim e pela guitarra. O elemento mais velho apresentou-o como «o gajo que toca tudo», o que conferiu com a sua prestação. O público entusiasmou-se, desde a criançada mais tenra, que correu e saltou o tempo todo, até aos avós dela, dançando ou bamboleando o corpo ou batendo palmas em uníssono. Uma festa, até à ovação final.
Enquanto se mudava de instrumentos, houve bombos (barulho que não aprecio), por um grupo jovem e basto, a encaminhar as pessoas para a recriação de um «casamento celta». Dispensei.
Fiquei-me a aguardar por Sebastião Antunes, artista músico e cantor de músculo firme. Os fãs acompanharam-no nas letras (com significado cívico, ambiental e político) e no ritmo, que foi imparável, cheio de energia e quase não dando espaço para os aplausos que bem mereceu. À sua direita, tinha o baixista, competente e rigoroso, e à sua esquerda um exímio e entusiasmado acordeonista. Ao fundo o percussionista, dos que merecem o nome e honram a condição. Boa música por quem sabe e sente e (a) põe em prática: com esforço e suor e convicção e engenho e arte. E agradecimento, em forma de aplauso e, sobretudo, em apreço íntimo.
Fugi antes do fim, não à música mas à multidão em movimento.
No dia seguinte não pude comparecer. Perda minha.
A destempo, não quis de deixar de tomar nota. Com um grande obrigado à organização.
José Batista d’Ascenção