Quando eu era menino, em dias cinzentos de chuva persistente, ficava, às vezes, sozinho, colado aos vidros, a olhar a queda dos pingos, de ordinário em descida oblíqua, do lado do mar para oriente.
E assim permanecia minutos largos, com o pensamento longe. Que espécie de conforto aquilo me trazia, nunca o soube definir. O hábito perdeu-se, mas hoje, estas reminiscências acodem-me à memória quando, dentro do carro, em dias chuvosos, aguardo solitariamente por alguém, a quem vou levar ou buscar. E então, se não leio ou presto atenção a algo com interesse na rádio, foge-me o pensamento para o indefinido da bruma no exterior, a despeito do embate das gotas ao cair e do som que produzem quando se despedaçam contra os vidros e a chapa. De comum, não fico alegre nem triste, mas já me aconteceu sentir-me como que num casulo de insignificância e interrogar-me sobre o funcionamento da Natureza e sobre a razão última da existência dos seres vivos e dos seres humanos em particular. Pergunta que também já me ocorreu, nas mesmas circunstâncias, é sobre o «significado» ou «utilidade» do sofrimento, particularmente o daqueles que nada fizeram para o merecer. A matéria organizada que sente e pensa e ama a beleza e pratica a bondade, como cúmulo (actual) da evolução, são para mim exemplos de realidades cheias de mistério. Aqui chegado, perco (desconsoladamente) a capacidade de considerar outros mistérios que (me) justifiquem aqueles. E, sem sobressalto, olho a minha condição de indivíduo que sabe que não pode passar além da sua pequenez e irrelevância.
Mas isto é agora. Quando era menino pensava que ainda não tinha crescido o suficiente para entender o que não compreendia nem sabia perguntar. Depois do tempo que passou por mim ou da minha passagem pelo tempo, apenas posso confessar isto: do que vi e vivi nunca consegui qualquer resposta satisfatória ou conclusão animadora para questões e abstracções como aquelas que associo tendencialmente à solidão dos dias de chuva, as quais não teriam tido lugar se eu não estivesse abrigado da humidade e da frieza das gotas, empurradas pelo vento, do outro lado dos vidros.
José Batista d’Ascenção
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