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A meio da manhã, subida de Ponte de Lima, pela nacional 306, estrada sinuosa, mas de bom piso, no meio de floresta, onde ainda se notam, nalguns pontos, os carvalhos de outrora, agora ameaçados pela invasão dos eucaliptos e com alguns pinheiros residuais. Lá mais para o alto, os socalcos de outros tempos também não resistem à «eucaliptização» e as casas da encosta exposta a Sul, como as de Pereiro, talvez não tardem a ficar engolidas pelo mato e por aquelas invasoras trazidas pela mão humana, que antes se aplicava esforçadamente no amanho das nesgas de terra, quais escadarias cavadas no flanco da montanha. Imersas no nevoeiro, indiferentes à cacimba, as vacas pascem nas bermas e valetas, e os garranos, descidos do «Corno de Bico», fazem outro tanto. Nem umas nem os outros precisam de guardador, porque estão bem adaptados à passagem do tempo naquele ambiente, seja de dia seja de noite. Atingido o ponto mais alto da estrada e passada a Travanca, desce-se para Norte, para Paredes de Coura, a vila que, embora diferente da de há poucas décadas, sobretudo na abertura e desenho de novos arruamentos e na proliferação de edificações, permanece muito igual no modo de ser e de sentir dos seus habitantes, especialmente os da meia-idade e mais velhos. [O facto de no Verão ocorrer um fenómeno cultural que arrasta multidões (sobretudo de jovens), como o festival de «rock», um acontecimento (muito) profissional, nas antípodas organizacionais do famoso «Woodstock à portuguesa» de Vilar de Mouros, em 1971, não altera substancialmente as coordenadas sócio-culturais que marcam a personalidade dos courenses].
Num dia assim, o cemitério estaria mais que bem cuidado, se tal fosse possível, e cada campa resplandece de flores, em arranjos que as pessoas dispõem meticulosamente, como se acarinhassem presencialmente aqueles que partiram e esses agradecessem sentidamente cada visita. A seguir ao almoço, convergem para a igreja imensas pessoas que hão-de participar nas cerimónias religiosas (terço, missa e responsos) presididas pelo pároco, e deslocar-se-iam em procissão ao cemitério, onde a missa teria lugar, se o tempo o permitisse. A devoção profunda e o respeito pela memória dos que permanecem no coração dos vivos fez com que vários dos que vieram de (mais) longe, e que não estavam a par da decisão de fazer todas as rezas na igreja, por causa da chuva, se tivessem dirigido para o espaço de repouso definitivo dos seus falecidos, onde aguardavam compenetrados, de chapéus-de-chuva abertos, resistindo às bátegas («treixas», no dizer da Terra), na espera da eucaristia campal.
É assim no concelho de Paredes de Coura. Esta devoção, que poucos dos locais não partilham, tem nos naturais do Minho um efeito de congratulação e de apaziguamento.
A recolha a casa, este ano sob um céu plúmbeo e molhado, fez-se com o habitual e sereno comprazimento da alma. Seguramente, abriu os apetites para o lanche, compartilhado e saboreado à volta de mesa farta, no aconchego dos lares familiares. A que se terão seguido conversas e convívio, de viva voz, no pensamento e nas atitudes, em colectivos de amizade. Dia feito, o prazer das companhias terá culminado no jantar, saciando apetites e retemperando ânimos.
Donde as pessoas sentirem-se mais prontas e mais forte para os embates normais dos dias seguintes.
Na acolhedora vila de Paredes de Coura é assim e este ano foi como ficou dito. Noutros lugares é diferente, e tal diversidade é, em si mesma, boa e interessante.
José Batista d’Ascenção
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