Durante muitos anos, e ainda hoje, a cor roxa é-me pouco simpática. Atribuo o sentimento aos panos e ao ambiente da Semana Santa. Quando menino, sentia grande desconforto nas visitas à capela da aldeia onde nasci (no interior da Beira Baixa), perante as imagens dos santos escondidas pelos ditos panos. O ambiente da paixão de Cristo não era (para mim) animador. A coroa de espinhos e o sangue que escorria das feridas e dos joelhos do Crucificado, assim como as suas feições de dor, afiguravam-se à criança que fui como particularmente penalizadoras. E, numa das vezes em que uma das minhas tias me levou à missa, e a sua mão na minha cabeça a rodava na tentativa de me manter com os olhos fitos no sacrário, deu-me vontade de fugir. E alento para comunicar que não queria repetir a experiência de ser sua companhia, na idas à igreja, no que tive sucesso. De modo tão sacrílego quanto secreto interrogava-me se o Redentor Omnipotente não podia ter encontrado “soluções” mais suaves e muito mais eficazes, para mais conhecendo na perfeição cada pessoa (como me ensinavam na catequese) e as “peças” que cada um de nós somos, a começar (naturalmente) por mim. Era assim que eu via a prova da realidade, fosse dos meninos que muito bem conhecia, fosse do que me parecia ser o mundo dos adultos, que se resumia aos da minha família e vizinhos, para além da professora, do senhor padre e das catequistas.
Diferente era a luz do Domingo de Páscoa. Mesmo que o dia não fosse de sol primaveril, o ambiente era outro, e não era só pelo humilde presente com que o meu padrinho (meu tio pelo lado paterno) nunca falhava, em nome dele e da sua mulher, também minha madrinha. Parecia-me que era bem um tempo de ressurreição, e só tinha pena que não fosse definitivo e aplicado à pobreza em que viviam todos os meus familiares e a generalidade das pessoas com quem convivia.
Mais tarde, quando fundei a minha própria família nuclear e vim viver para a “Roma Portuguesa”, quis que os meus filhos conhecessem as tradições da sua Terra e levei-os, ainda pequeninos, a assistirem às cerimónias, procissões e actos da “Semana Santa”. Não pareceram agradados com as imagens da crucificação e tiveram medo dos farricocos, embora simpatizassem com a burrinha que dá nome à procissão de que é elemento típico. Quis também que a minha porta se abrisse ao “Compasso” que entra nas casas dos paroquianos, por achar sumamente belo um acto de boas-vindas e partilha que é uma tradição das que vale a pena manter. Por outro lado, procurei saber se havia algum registo de epidemia que resultasse de tantos beijos de tantas bocas diferentes na mesma cruz, motivo por que, não encontrando vestígios de tal, encorajei a adesão dos meus ao procedimento (acrescido de alguns cuidados práticos). Não se entusiasmaram, mas não o enjeitaram. E eu, apesar de sensível às questões de higiene e saúde, fiquei contente.
Desejo, portanto, que se regresse à beleza das comemorações da Páscoa.
José Batista d’Ascenção
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