Sempre me interroguei porque havemos nós, pobres humanos, de antipatizar visceralmente com certas pessoas, embirrando com assimetrias da face, o nariz ou o olhar, o tom de voz, o aspecto geral, etc. Por vezes não conhecemos nem nunca falámos com as vítimas da nossa aversão e, no entanto, esse sentimento persiste.
Por mim, censuro-me quando tal me acontece: tenho vergonha do que sinto, sofro em silêncio e procuro reprimir a fealdade e injustiça do meu sentir.
Pior do que isso só a desfaçatez e a hipocrisia de revestir de amabilidade o que intencionalmente se faz ou diz para prejudicar alguém que se detesta. Procedimentos desse tipo são vulgares e muito visíveis nos políticos, razão por que são poucos os que têm o meu apreço.
Vem isto a propósito do modo como, um dia destes, António Costa veio “defender” Marcelo Rebelo de Sousa, que havia produzido declarações infelizes, mas sinceras, pelas quais pediu desculpa 48 horas depois, embora dizendo que não dissera o que disse. A intervenção de Costa pareceu-me um exercício de hipocrisia, executado com elevada mestria política.
Como Marcelo Rebelo de Sousa não deve ter gostado nada da “solidariedade” primo-ministerial esperou mais uns dias e aproveitou para, a despropósito, fazer uns elogios estratosféricos a Passos Coelho, para realçar, eventualmente, a separação do seu campo político do de António Costa. Acontece que Passos Coelho nunca gostou de Marcelo R. de Sousa (em tempos chamou-lhe “cata-vento”), que lhe paga(va) na mesma moeda, embora com suprema subtileza. Marcelo e Passos lidavam mal com outro brilhante protagonista político – Paulo Portas, cujos interesses de progressão pessoal o fizeram colidir com cada um deles, em diferentes momentos do seu percurso político. De resto, Paulo Portas já antes havia usado e trucidado o líder do seu partido, Manuel Monteiro, por idênticas razões de fundo. Monteiro, menos fulgurante, teve ao menos a virtude de ser transparente: não escondeu que Paulo Portas descia no seu critério de apreciação. Grande dignidade e discrição teve António José Seguro, em passo semelhante, quando António Costa o tombou do trono do poder no partido socialista. Em política, a sinceridade não vinga.
Outra personalidade política tida por muito sagaz é o actual presidente da assembleia da república. Calculista, frio e fino, dizem, certa ocasião abdicou da elegância, quebrou o verniz, e afirmou que gostava era de “malhar na direita”. Ele que não percepcionou, em devido tempo, pelo menos nunca reconheceu, as falhas de carácter e os erros de governação do ex-primeiro-ministro José Sócrates, que serviu proximamente. Não foi caso isolado. É a política. Há quem aprecie. Não eu.
Lembro-me que terá sido Jorge Sampaio, muito antes de ser presidente da república, quem, um dia, face ao intriguismo reinante em facções distintas do seu partido, o PS, dizia que formalmente todos se tratavam muito bem, explicitando que «se odiavam cordialmente».
Infelizmente, não é só na política.
José Batista d’Ascenção