terça-feira, 23 de abril de 2024

25 de Abril – data grande e bela

Vivo emotivamente esta data, desde que ocorreu, era eu adolescente. Fiz-me adulto com os seus valores e ideais, num país libertado, e morrerei com eles no peito. Não conheço, em parte alguma, em qualquer tempo, revolução tão bonita e generosa, em que os seus protagonistas não derramaram sangue e colocaram no cano das espingardas (de um tipo chamado G3, que eu ainda tive na mão, lá por Mafra, dez anos mais tarde) cravos vermelhos – os cravos do 25 de Abril. E desde então, os cravos, que eu bem conhecia dos jardinzinhos das casas humildes dos meus pais e dos meus avós, de cor vermelha, passaram a ter, para mim, um significado como mais nenhumas flores têm. Vejo-lhes a cor e logo lhes associo o perfume. E, se lhes recordo o aroma, logo o relaciono com o vermelho vivo e apaixonante da revolução havida e muito querida.

Os que detestam o 25 de Abril têm, pelo menos, a liberdade de o expressar. E com que gosto o fazem!, ou assim parece. Gosto e apreço que os ditadores e os seus admiradores não têm pela liberdade dos outros, característica que me repugna.

Foi feito por homens, o 25 de Abril. E nenhum dos homens que o fizeram era perfeito. Antes assim. Não tinham eles preparação política e remédio social para as chagas do país? É normal que não tivessem. O que (me) importa era nobre e honesta e firme vontade de Salgueiro Maia e dos outros. E não ignoro a profundidade de pensamento de um esquecido Ernesto Melo Antunes. O que tinham era, repita-se, a vontade de pôr termo a um regime ditatorial medularmente injusto, violento e corrupto e velho de décadas. E puseram, corajosamente. O resto era uma oportunidade para nós, cidadãos, construirmos um país digno e livre.

Conseguimo-lo? Penso que não. Livre, formalmente, é. Digno, não. Basta pensar no (a meu ver) péssimo funcionamento da justiça. E na falência de uma área que muito me toca – a «educação». É dos responsáveis que nos devemos queixar. E exigir deles (e de nós) que respondam(os).

O 25 de Abril continua por cumprir. A «chama» vermelha dos cravos continua a interpelar-nos. Assim o penso e assim o digo à juventude.

O futuro depende de como o prepara(r)mos.

José Batista d’Ascenção

sábado, 13 de abril de 2024

Emoções humanas ou (ir)racionalidade?

Dia Mundial da Criança, Amadora 1974,
Fotografia de Alfredo Cunha

«Não vemos as coisas como elas são, vemos as coisas como nós somos». Esta afirmação (ou equivalente) é atribuída a Anaïs Nin, escritora norte-americana, nascida em França. Não sendo (seguidor) de máximas, a clarividência daquele pensamento ficou-me, desde que o vi escrito.

Restringindo-me ao nosso país, causa-me funda (e negativa) impressão a opinião (de tantos) que atribui os males da sociedade actual à extraordinária e bela oportunidade que foi a revolução do 25 de Abril. O país que fomos e o país que somos não têm comparação. De que podem ter saudades as pessoas, particularmente as mais pobres, que têm a minha ou mais idade: de passarem fome?, de andarem descalças?, de trazerem a cabeça inçada de piolhos?, de não terem (qualquer) assistência médica?, de não terem água canalizada, nem esgotos, nem casa de banho?, de casebres de telha vã, com um espaço único onde todos se amontoavam?, de as mulheres serem “propriedade” dos maridos?, de as enfermeiras e as professoras precisarem de autorização para se poderem casar?, de não saberem ler nem escrever?, de os jovens rapazes terem de ir para a guerra na Índia ou em África?, de a polícia política (PIDE) prender por “delito de pensamento”? Etc.

Porque não estamos melhor do que estamos no tempo presente?

As razões são múltiplas, mas, para mim, isso deve-se, em grande medida, ao falhanço do que chamamos «sistema de educação». Há quem gabe o muito que (já) se conseguiu, por comparação com o que então se verificava (mal era…). Esta visão interessa muito aos que são responsáveis pelo dito sistema e vivem à custa dele. Não me interessa a mim, que ando há quarenta anos pelas escolas, a leccionar ininterruptamente. Sobretudo, não interessa aos filhos dos (mais) pobres, que frequentam a escola (e muito bem), mas saem dela pessimamente preparados. Nem interessa, sequer, àquela percentagem de alunos cujas famílias têm boa condição sócio-económica e conseguem suprir as falhas escolares, porque, por um lado, podiam e deviam ser ainda mais bem preparados e porque, por outro lado, terão de fugir para o estrangeiro para conseguirem trabalhos bem remunerados. Também não interessa aos professores (que dão aulas) que vivem e trabalham numa realidade que é muito diferente daquilo que os teóricos dizem, porque lhes convém.

Ora, isto não tem de ser assim. O 25 de Abril fez-se para proporcionar mais e muito melhor. Cumpri-lo é o nosso dever.

 José Batista d’Ascenção

terça-feira, 9 de abril de 2024

O Professor Jorge Paiva (II)

Uma vida de dedicação à Ciência e à Natureza e de profundo respeito por si e pelos outros


Nos alvores da democracia em Portugal assinala e denuncia a diferença entre liberdade e libertinagem política, económica, ambiental e, consequentemente, social. Alerta para a destruição da floresta, do coberto vegetal e dos riscos inerentes. Não se intimida com a força dos predadores em busca de lucro nem se cala perante a submissão dos políticos a esses interesses. Fala/escreve sempre de modo claro, incisivo, concreto e documentado. Com a mesma diligência com que calcorreou o país, vai às escolas (do ensino básico e secundário) levar pessoalmente a mensagem em defesa do meio ambiente e, por consequência, da espécie humana. Para além dos adultos, crianças e jovens ouvem-no com particular interesse. Desgosta-o que o poder do consumismo tenha depois um efeito contrário muito poderoso sobre a semente que diligentemente levou até eles. Essas acções foram e são todas materialmente graciosas. De ninguém aceitou ou recebeu qualquer provento ou recompensa material.

A sua acção pedagógica influenciou muitos professores, os mesmos que tantas vezes lhe pediram para que viesse às suas escolas - a que sempre acedeu prontamente - e que acorreram interessadamente às extraordinárias acções de formação que lhes proporcionou, inevitavelmente com o ambiente natural como palco, nas diversas regiões do continente e ilhas e, também, com algumas deslocações ao estrangeiro.

Antes, muito novo, como investigador, havia regressado a África para vastos e aturados estudos da flora. A diversos países do continente negro voltou muitas vezes (só a São Tomé e Príncipe foram mais de uma dúzia) em trabalho científico e pedagógico, algumas delas com professores do ensino básico e secundário. Subjacente, o objetivo de, através deles, fazer chegar conhecimento, formação e cidadania aos mais novos. Para além da Europa, particularmente na Península Ibérica, e da África, realizou trabalho científico nas Ilhas Macaronésias, na Ásia e na América do Sul. Também visitou a Austrália e a Região Ártica Europeia (incluindo a Islândia).

Seriam muito longas quaisquer listagens dos trabalhos, da acção, das homenagens, dos prémios e das distinções do Professor Jorge Paiva, como docente (de várias universidades: em Coimbra, Aveiro, Madeira, Viseu, Vigo), investigador, divulgador de ciência, ambientalista e cidadão interventivo. Por não ser o escopo, aqui, limitamo-nos a resumidas e parcas alusões, de que é exemplo a publicação mais recente do «Diario del Jardín Botánico», de Madrid, que refere, em relação ao Mestre, «el envidiable respeto de la sociedad portuguesa»…, [prosseguindo] «pero también es un orgullo y una emoción para sus colegas españoles del Real Jardín Botánico: Jorge Paiva fue el único de los tres pioneros del proyecto Flora Iberica - una ambiciosa empresa botánica que iba a abarcar todo el territorio peninsular más las Islas Baleares - que logró ver concluida la obra más importante de la Botánica española y portuguesa.» (p. 11)

Acrescentemos, apenas, que identificou para a ciência dezenas de espécies novas. Ou que são pelo menos dez as plantas cuja designação científica inclui um termo derivado do seu nome (latinizado) – paivae ou paivana – como homenagem de outros investigadores, portugueses e estrangeiros.  

Repetimos: este pequeno texto não pretende abordar a relevância do trabalho académico e científico do Professor Jorge Paiva, matéria para redactores habilitados. Por ora, ficamo-nos por um registo de afecto e de apreço pelo Bom Mestre que sempre correspondeu ao chamamento dos professores de crianças e jovens, os quais procuraram junto de si, e pela sua acção, esclarecimento, estímulo e exemplo.

Da sua parte, nunca (nos) faltou. Foi e é muito belo o seu exemplo, e inteira e limpa a sua generosidade.

A Escola Secundária Carlos Amarante, de Braga - onde tantas vezes quantas as solicitadas, e foram muitas, tivemos o Professor Jorge Paiva - agradece, com carinho.

Da parte de todos: Muito obrigado.

José Batista d'Ascenção

O Professor Jorge Paiva (I)

Uma vida de dedicação à Ciência e à Natureza e de profundo respeito por si e pelos outros

Aguarela da Artista Teresa Maria Abreu

Nasceu em Cambondo, província de Quanza Norte, Angola, a 17 de Setembro de 1933. Viveu a infância num exíguo povoado do Quanza Norte (Quilombo dos Dembos), “cercado” pela selva tropical de chuva (pluvisilva), para onde, em criança, fugia com frequência. Da mãe, minhota, que muito o influenciou, e por quem guarda afecto profundo, recebeu o estímulo primordial da importância da aprendizagem e do saber, desde a escola infanto-juvenil até à universidade. Ela bem sabia porquê.

Do contacto íntimo com a Natureza, o petiz fascinava-se com animais e plantas e (auto)aprendia a respeitar uns e outras. Interessava-se e compreendia. Era a paixão pelo mundo natural, que surgia cedo em alma receptiva e fecunda.

Porque era muito importante a formação e o saber, a mãe regressou à metrópole com a prole, que devia ser devidamente preparada, até à conclusão da formatura universitária. Chegada a hora de escolher o curso, o pai decepcionou-se com a opção por «Ciências Biológicas», uma via profissional (mais ou menos) «inútil». Com asa protectora e estimulante, a mãe não viu inconveniente: Biologia? Pois que fosse biologia. E em boa hora foi.

Até aí, o seu percurso escolar, a sua sólida formação e as suas opções tinham, segundo o próprio, a marca de cinco grandes professores do ensino secundário do liceu D. João III, em Coimbra (atual Escola Secundária José Falcão): O Dr Álvaro da Silveira, de Matemática, o Dr Alberto Martins de Carvalho, de Filosofia, o Dr António Leitão de Figueiredo, de Inglês, o Dr Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, de Física e Química (pedagogo, investigador, escritor, historiador e poeta – o poeta António Gedeão) e a Dra Raquel Braga, de que o Mestre fala assim: «uma excelente professora de elevadas qualidades humanas e pedagógicas. Foi esta saudosa professora de Biologia, que recordo com veneração, que me ensinou a olhar para os seres vivos com compreensão e respeito, quer fossem animais, quer fossem plantas. Lembro-me bem da maneira delicada como pegava nos animais e nas plantas para nos ir mostrando as respectivas características diferenciais e comportamentais. Foi por causa desta santa professora que escolhi cursar Biologia.» (in: Revista «Parques e Vida Selvagem», Ano XI, Nº 36, Junho-Setembro 2011. 62-64 p.)

Formado, o jovem com a sua visão larga não cabia nos limites das sebentas académicas e dos muros da vetusta e endogâmica Universidade de Coimbra. Apreciava e praticava desporto, representou a Associação Académica de Coimbra como nadador e como atleta de 5000 e 10000 metros, pois, para si, o equilíbrio do mundo vivo e da Natureza, incluía o respeito pela fisiologia, a começar pela sua. Apesar de ter sido medalhado, em natação, nunca gostou de desporto de competição. Sempre praticou actividade física de manutenção: até há meia dúzia de anos corria 10 Km por dia, desde então reduziu a distância para metade e aumentou os tempos de intervalo, para não forçar os joelhos.

Como ambientalista, assume posições criteriosas e fundamentadas. Com coerência e firmeza.

Investigador universitário premiado, professor muito apreciado pelos estudantes (não obstante a exigência estrita de rigor), cujas lições incluíam aulas de campo (no Jardim Botânico, pelos campos do Mondego, na Mata da Margaraça, no Paul de Arzila, no Gerês, na Serra do Açor…), prestava a cada um todo o apoio solicitado (dedicando-se mesmo a explicações, de biologia, de química…, pelas quais nunca cobrou nada a ninguém). Botânico dedicado, percorreu o país a pé, como investigador, como professor e como formador de professores. Depois percorreu o mundo. Despertavam-lhe interesse quaisquer seres vivos, dos mais ínfimos às árvores e animais de tamanho colossal. E as pessoas, claro, e os seus efeitos sobre o mundo natural, bem como benefícios e prejuízos decorrentes.

(Continua)

José Batista d'Ascenção

domingo, 7 de abril de 2024

Não há filhos como os meus, então os netos… (II)

Ao quarto dia, os meninos foram para as respectivas escolinhas, onde tomam o almoço e permanecem ocupados, de tarde, até à hora que os queiram ir buscar. Nós, escapámo-nos para Manhattan, para o «The Met Fifth Avenue», o «Louvre» (não sei se os norte-americanos se indignariam com a designação…) do «Central Park». A Lurdes escolheu as áreas a visitar: limitámo-nos a uma ala do piso 1: começámos pela arte egípcia e a seguir a arte grega e romana, até a fome dominar. Os restantes 90% do museu ficaram para outras oportunidades. Enchemo-nos de pizas num estabelecimento italiano da estação de metro do Calatrava (nada a ver com as «palmeiras» da gare do Oriente…) e regressámos para ir buscar a criançada. O resto da tarde foi em ambiente caseiro relaxante para eles e para nós, porque todos precisávamos e merecíamos.

Ao quinto dia mantivemos o esquema: deixámos os meninos na(s) escola(s) e voltámos a Manhattan, para visitar uma biblioteca maravilhosa: «The Morgan Library&Museum». A Joanina, em Coimbra, é uma lindeza, mas aquela não é menos preciosa, tem um acervo muito maior (imenso, antigo, variado e valioso) e, sobretudo, é um espaço aberto à frequência turística muito prático, acessível e confortável: deixar guarda-chuvas, casacos, mochilas, tomar café, repousar em bancos apropriados, usar cadeiras de rodas… Outra vez a limitação do tempo. O almoço num restaurante espanhol, o regresso, ir buscar os meninos, dar-lhes atenção: por isso fomos o resto da tarde para a piscina interior na base do prédio, devidamente aquecida. Todos ao banho, excepto eu, que prometi ficar sentado a ver e tirar as fotos. E assim se gastaram as energias para sossego e merecido recolhimento ao fim do dia.

O sexto dia teve um desenho parcialmente semelhante. Meninos na escola e os graúdos no museu do metropolitano em Brooklyn. Tudo desde há cerca de cem anos, com a maquinaria, a técnica, as ferramentas e os explosivos para construir os túneis sob o rio Hudson, as carruagens, os sistemas de bilheteira, as máquinas automáticas de cobrança e de “destrocar” moedas, desde então até hoje. Neste dia regressámos mais cedo, almoçámos e fomos logo buscar os meninos, já almoçados. E partimos, de carro, para o museu das crianças de Brooklyn. Aquilo é um mundo fantástico para pequeninos, de qualquer idade, e que impressiona sobretudo os adultos. Ficámos até à hora do fecho, momento de grande pena dos mais pequenos.

O sétimo dia foi o expoente máximo para mim. Novamente deixámos os meninos na escola e fomos para o Jardim Botânico de Nova Iorque. É um espaço fabuloso, pela dimensão (o Botânico de Coimbra é uma jóia em 13 hectares, o de NY estende-se por 100!), pelos espécimes, em número, diversidade, organização, identificação, e pelo cuidado com que tudo é tratado e se apresenta. Uma exposição de orquídeas do outro mundo, ocupando parte de uma estufa gigantesca (olhando, simplesmente, pareceu-me que cabiam dentro dela mais de dez como a de Coimbra). No centro do Jardim um edifício magnificente em estilo e tamanho, que é a biblioteca do Jardim Botânico, a qual só vimos por fora e que deve albergar muitas dezenas (centenas?) de milhares de volumes. Foram várias horas de uma corrida contra o tempo coroada com um prémio reconfortante: na secção dos narcisos encontrámos o belíssimo «Narcissus jonquilla var. henriquesii» (dedicado ao Professor Júlio Henriques da Universidade de Coimbra) com o nome de Portugal no canto inferir direito da etiqueta.

O regresso fez-se já com pena, era preciso arrumar as tralhas, comer qualquer coisa, afagar os meninos, que souberam não chorar na despedida e partir para o aeroporto.

Obrigado, queridos filhos e netos.

José Batista d’Ascenção

Não há filhos como os meus, então os netos… (I)

Este 2º período foi para mim muito desgastante. Estava a precisar de um interregno compensador e entusiasmante. Há meses que o meu filho mais velho, o João, tinha programado para nós, os pais, uma viagem a Nova Iorque, onde ele mora com a família. Ainda se pensou em o mais novo, o Filipe, também ir, mas os afazeres profissionais não lho permitiram.

Portanto, ficámos só sete: nós, os avós, o casal de pais e os três netos: o mais crescidinho, que vai fazer seis anos lá para o S. João, e os mais pequeninos a fechar três no final deste mês. O João planificou tudo com a mais extraordinária precisão e flexibilidade: onde irmos em cada dia e o que fazermos de modo a satisfazer os interesses de todos. A equação era difícil, mas foi resolvida com mestria.

O primeiro dia foi de reconhecimento do bairro, com demora no parque infantil do rio Este entre as pontes de Brooklyn e de Manhattan, os meninos muito hábeis nos apetrechos e estruturas e igual destreza e o cuidado suficiente nas bicicletas de cada um, nas ruas, sob o olhar atento dos grandes. O almoço foi caseiro e a tarde de brincadeiras e jogos, para os avós restabelecerem a vitalidade. A meio já foram ao telhado do prédio, pela mão dos pequeninos, apreciar o enorme espaço e estender as vistas entre a «floresta» de torres que furam o céu, muito acima do voo das aves.

O segundo dia foi igualmente conjunto, manhã de passeio na «Ilha do Fogo», no trilho que bordeja a praia, até ao farol (de enorme altura) e regresso. Os graúdos a pé, os pequenos de bicicleta. Ninguém deu parte fraca, as paragens necessárias e o piquenique merecido, com as gaivotas à coca de umas migalhas. A tarde foi ocupada em espaço interior no «Cradle of Aviation Museum» de Nova Iorque. Extraordinário como um espaço de enorme categoria histórica, técnica e científica pode atrair crianças pequenas e adultos de qualquer idade (quem duvidar que imagine qualquer deles no "cockpit" das aeronaves mais modernas ou no banco rudimentar dos primeiros planadores). Ali está tudo. A mim o que mais me deliciou foi o módulo lunar que desceu e levantou da lua na década de sessenta: um «aranhiço» tão espernegado, parcialmente envolvido em folhas de alumínio (para reflexão da luz, a fim de evitar o excessivo aquecimento no interior) que me fez comentar a falta total de aerodinamismo do engenho. Incisivo, o João logo (me) explicou que, não tendo a lua atmosfera, não há resistência do ar, nem atrito, pelo que a velocidade dos corpos se faz em qualquer direção sem influência da forma. Várias horas depois, os adultos mal podiam com as pernas, pelo que se sentaram numa secção na entrada/saída, essa só com sólidos almofadados para entreter os infantes, e foram generosos a deixá-los saltar o tempo que quisessem.

O terceiro dia foi ainda de todos com todos o tempo todo. Saímos para o Bronx, em visita ao Jardim Zoológico, com selecção de músicas infantis (algumas que eu não conhecia, mas que comecei a trautear, com notória mas tolerada desafinação). As minhas reservas sobre o conceito de jardim zoológico, muito influenciado pelo que fui vendo no nosso país (falta de espaço, bichos sujeitos temperaturas muito diferentes das dos seus habitats naturais…), desvaneceram-se ali. Apesar da imensa variedade, e da presença de exemplares vários de grandes dimensões, os animais estavam sem stress, porque a extensão dos espaços e o seu desenho os preserva das acções importunas dos humanos. Fiquei pasmo, com uma temperatura exterior bem “fresquinha” as girafas ficaram num espaço interior aquecido como se estivessem em África. Quem sabe e pode, pode mesmo. O mesmo para os outros bichos, ainda que fossem insectos, como as baratas.

(Continua)

José Batista d'Ascenção