segunda-feira, 21 de julho de 2025

O mundo e o poder da ciência

A ciência salvará o mundo?

O progresso da ciência e da técnica, sobretudo nos últimos três séculos, operou modificações sociais e ambientais a um ritmo extraordinário. A superfície do planeta, os rios, as montanhas, os desertos, as extensões geladas, as florestas, as populações animais, a atmosfera, os oceanos e as suas formas vivas têm sido alvo directo e indirecto da acção humana, abarrotando de resíduos materiais e químicos perniciosos que se dispersam no ar, nos solos e nas águas.

Apesar disso, uma fracção da humanidade, ainda que minoritária, nunca viveu tão bem como nos anos mais recentes.

Se formos optimistas, podemos pensar que as perturbações que a humanidade desencadeia sobre o ambiente são possíveis de resolver, com recurso à reflexão, às necessárias mudanças de comportamento e agindo, naturalmente, por meio da ciência. Talvez.

Ou o mau uso da ciência destruirá o mundo?

O tamanho da população humana, o paradigma do consumismo, as produções industriais e os tóxicos que alastram por todos os locais põem em causa a biosfera e as possibilidades de sobrevivência das espécies biológicas mais complexas ou mais sensíveis e, por essas razões, de mais difícil adaptação à variação radical dos habitats e das suas condições.

Por outro lado, a sede de poder, o egoísmo e o materialismo, tão característico do ser humano, individualmente ou em sociedade, tendem a conduzi-lo para lutas constantes, no espaço e ao longo das gerações, transformando as guerras e os dispositivos bélicos em factores que, hoje, são capazes de, rapidamente, eliminar comunidades inteiras de imensas regiões ou mesmo de toda a Terra.

Um equilíbrio de terror pode evitar que aconteça, mas não é seguro nem agradável que seja assim.

Sendo certo que a evolução da humanidade, ou o seu fim, como o de tantas espécies biológicas, pode também ser determinado por outros elementos não dependentes da atividade científica do Homo sapiens. Foi o que aconteceu há certa de 65 milhões de anos, uma extinção em massa que dizimou grande parte da vida na Terra.    

José Batista d’Ascenção

domingo, 20 de julho de 2025

«Physarum polycephalum» – exemplo de um ser vivo de difícil classificação

É um bolor limoso, comum em troncos apodrecidos de florestas europeias e norte-americanas.

Desafia as bases do pensamento lineano. Não é um fungo nem um animal nem uma planta.

Tem um sistema imunitário que funciona no meio externo em vez de internamente. Segrega uma substância antiviral muito potente, capaz de eliminar a 100% o vírus do mosaico do tabaco, que afecta a planta do tabaco, o tomate, o pimento e o pepino. Consegue hibernar durante anos a fio. É, de algum modo, um organismo unicelular, mas não é um micróbio - o Guiness Book of World Records regista-o como a maior célula do planeta. Se for dividido, os segmentos podem funcionar perfeitamente de forma independente. Podem também fundir-se homogeneamente em diferentes espécimes, colhidos em locais diferentes. Pode deslocar-se à velocidade de 4 cm por hora. Oculta uma vida sexual extraordinariamente complexa. Em vez de dois géneros, macho e fêmea, o Physarum polycephalum tem 720 formas distintas de pares reprodutores – uma profusão de variações em matéria de sexualidade.

O Physarum polycephalum é capaz de aprender: para encontrar fontes de alimento dissemina-se segundo um padrão simultaneamente crescente e autocorrector, ocupando a quantidade máxima de território com um mínimo de recursos. Por isso, consegue encontrar o caminho mais rápido para fora de um labirinto ou os trajectos mais curtos entre locais diferentes.

Sem sistema nervoso central é capaz de recordar. De algum modo consegue reter o que aprendeu. Se for colocado no mesmo labirinto com um intervalo de tempo de semanas, reconhece o labirinto e recria o anterior itinerário de fuga. Se for um pedacinho do organismo fará o mesmo.

Classificado e identificado em 1822, foi ignorado até 1970. Não compreendemos a sua inteligência, mas tentamos colaborar com ele. Recentemente, começou a ser usado para explorar o cosmos…

in: «A Invenção da Biologia». Jason Roberts. Ed. Temas e Debates. 1ª edição. Lisboa. 2025. 410-411 p.

José Batista d’Ascenção

sábado, 19 de julho de 2025

A Baleia-azul não é o maior ser vivo da Terra

Terminada a leitura do maravilhoso livro «A Invenção da Biologia», de Jason Roberts, ocorre-me registar alguns factos contrários à percepção comum, como seja o tamanho descomunal de alguns seres vivos.

«É o caso do choupo, conhecido por Pando, do centro de Utah [estado da região oeste dos EUA], que é tão grande que ocupa 44 hectares e pesa cerca de seis milhões de quilogramas. Em 1976, investigadores da Universidade do Colorado descobriram que o que parecia ser uma floresta monoespecífica de choupos eram, na realidade, 40 mil clones da mesma árvore, interligados pelas raízes (os clones não se propagam através de sementes). Pando é verdadeiramente um organismo único. Quando uma árvore começa a morrer reconstitui-se enviando sinais pelas raízes e um novo clone emerge. Este ser existe desde pelo menos desde a última idade do gelo. A acção humana pode ter interrompido a sua reconstituição e conduzir a um lento declínio e à eventual morte.» [p. 400-401].

«Em 2015, descobriu-se que um único espécime do fungo armilária-escura (Armillaria ostoyoe) se estende por cerca de 965 hectares na Malheur National Forest do Oregon.» [p. 401].

Mais recentemente, «em 2022, os biólogos estabeleceram que um povoamento subaquático de ervas marinha australianas (Posidonia australis) germinou de uma única semente, há cerca de 4500 anos e que hoje se estende por mais de 19 mil hectares. Este povoamento vegetal deverá continuar a desenvolver-se e a crescer, a menos que seja perturbado pelos humanos.» [p. 401].

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Trevo de “quatro folhas”


Chamam-se trevos de quatro folhas aqueles que em vez de três folíolos por folha [daí o nome de trevo, palavra que deriva do termo latino trifolium, com o significado de «três folhas»] apresentam quatro. Nos campos, estas formas selvagens com quatro folíolos eram raras, mas, actualmente, porque popularmente se considerava um sinal de boa sorte encontrá-las, passou-se a obtê-las em quantidade por métodos diversos, e a envasá-las para venda.

O exemplar da foto é apenas uma variedade cujos bolbos plantei no meu quintal. A reprodução por bolbos é muito fácil e assegura a manutenção das características, dado tratar-se de um método de reprodução assexuada, formadora de clones.

Os órgãos sexuais (das plantas com flor) são as flores, mas a reprodução sexuada produz variabilidade, pelo que os descendentes podem variar entre si e em relação às plantas progenitoras.

Os trevos são plantas que possuem nódulos nas suas raízes que albergam bactérias fixadoras de nitrogénio gasoso (N2), tradicionalmente designado azoto. Estas bactérias, que infectam os nódulos das raízes das plantas leguminosas, fazem delas o chamado «adubo verde», porquanto o nitrogénio fixado é convertido em compostos azotados necessários à nutrição das plantas. Em compensação, as plantas fornecem às bactérias alimento açucarado que fabricam nas folhas, por acção do sol, no processo da fotossíntese. Esses compostos azotados servem à planta hospedeira, mas também enriquecem o solo, beneficiando outras plantas.

Os trevos são plantas forrageiras de bom valor nutricional para animais.

José Batista d’Ascenção

domingo, 13 de julho de 2025

A realidade do mundo difere do mundo que vemos

O que vemos vê-mo-lo com os nossos olhos. E as imagens do que vemos são construídas pelo nosso cérebro. Os daltónicos vêem as cores diferentes da generalidade das pessoas. O seu mundo de cores é diferente. As vacas não vêm como nós o verde das ervas que comem. Sabêmo-lo pelo estudo das células da retina. E não é contra o vermelho das capas que os toiros investem nas arenas. Os insectos são muito sensíveis às cores e alguns, como as abelhas, vêem radiação que os humanos não vêem, como seja a radiação ultravioleta. As informações que os nossos órgãos dos sentidos (ou os dos outros seres vivos) fazem chegar aos centros nervosos são aí transformadas nas sensações com que percebemos o que nos rodeia e no modo como reagimos a esses estímulos.

As realidades próximas e longínquas são o que são. As ideias que temos dessas realidades são de cada um de nós e é pela comunicação que são partilhadas pela generalidade dos seres humanos.

Entre as diversas pessoas ou comunidades ou gerações é o que comunicamos que estabelece o fundo dos referenciais culturais e sociais. A ciência não escapa a estas condicionantes.

A linguagem, nas suas diversas modalidades, o discurso, as histórias e os conteúdos, bem como os factores afectivos envolvidos, e, sobretudo, a força e o poder (a capacidade de dominar os outros, da mesma ou de espécies diferentes) ditam comportamentos e influenciam a psicologia dominante (a dominadora e a dominada). É como somos que vemos o real. E tendemos a formulá-lo de forma conveniente.

Por isso, a história da humanidade é essencialmente a história dos vencedores de cada comunidade humana, e pode ser (muito) antagónica em sociedades diferentes, com interesses não coincidentes.

As ciências, particularmente as ciências exactas e experimentais, deviam permitir-nos grandes aproximações à objectividade no sentido de que as mesmas causas, nas mesmas condições, produzem os mesmos efeitos ou de que a lógica e o cálculo funcionam imunes ao subjectivismo interesseiro, mesmo que nunca saibamos qual é a natureza íntima e última das coisas e dos fenómenos.

Foram as ciências que nos trouxeram aos imensos progressos que conseguimos.

Falta sabermos o que fazer com os seus extraordinários frutos, em sociedades em que cada ser humano seja beneficiário efectivo de todos os direitos básicos que já conseguimos formular numa carta.  

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 9 de julho de 2025

A Natureza e a Vida não cabem em manuais

Boramez: espécie suposta que quebrava
a fronteira entre o mundo animal e o
mundo vegetal

Observação, reflexão, análise e estudo, sempre. Não podemos abdicar da pesquisa, em doses crescentes, profundas e colaborativas. O contrário seria anular a condição humana. Adiante.

O início da leitura do livro «A Invenção da Biologia», de Jason Roberts, centrado nas figuras de Lineu e Buffon, dois vultos do estudo da Biologia, nascidos no mesmo ano (de 1707), desencadeou no meu espírito a necessidade de expor algo que sempre me acompanhou desde os tempos de juventude, às voltas com as Ciências da Natureza e, em particular, com a sistemática dos seres vivos. Subjugado pelo meu pouco conhecimento, foi (quase) calado, perante professores e colegas, que convivi com severas dúvidas perante os esforços de classificação de todos os seres vivos (todos!) e também dos minerais, na perspectiva de atingir sistematizações completas, definitivas e até algo estanques, assim uma espécie de conhecimento de tudo em todos os graus que, mais tarde ou mais cedo, se havia de alcançar.

Ora, na humildade das minhas possibilidades e capacidades, eu via contínuos e ausência de fronteiras, e até impossibilidade delas, onde a sapiência de canhenhos e cérebros doutos (me) parecia admitir o conhecimento pleno, a que múltiplas investigações nos conduziriam num tempo mais ou menos próximo/distante. Ou seja: via o saber como um abrir de portas face a cada dúvida, portas que, uma vez franqueadas, conduziam a novas questões e assim sucessivamente. De alguma forma, no meu espírito, o saber é qualquer coisa como a consciência clara de domínios envolventes de ignorância, tanto maiores e mais apelativos quanto mais se sabe (que se ignora).

Lineu procurava o «plano director para a organização de toda a vida», já Buffon acreditava que «a única forma de estudar a Natureza era num estado de incerteza permanente». Ambos foram trabalhadores incansáveis. E dessa forma deram um exemplo que não podemos deixar de seguir.

Só esse (caminho) pode ser o nosso sucesso.  

José Batista d’Ascenção