domingo, 13 de julho de 2025

A realidade do mundo difere do mundo que vemos

O que vemos vê-mo-lo com os nossos olhos. E as imagens do que vemos são construídas pelo nosso cérebro. Os daltónicos vêem as cores diferentes da generalidade das pessoas. O seu mundo de cores é diferente. As vacas não vêm como nós o verde das ervas que comem. Sabêmo-lo pelo estudo das células da retina. E não é contra o vermelho das capas que os toiros investem nas arenas. Os insectos são muito sensíveis às cores e alguns, como as abelhas, vêem radiação que os humanos não vêem, como seja a radiação ultravioleta. As informações que os nossos órgãos dos sentidos (ou os dos outros seres vivos) fazem chegar aos centros nervosos são aí transformadas nas sensações com que percebemos o que nos rodeia e no modo como reagimos a esses estímulos.

As realidades próximas e longínquas são o que são. As ideias que temos dessas realidades são de cada um de nós e é pela comunicação que são partilhadas pela generalidade dos seres humanos.

Entre as diversas pessoas ou comunidades ou gerações é o que comunicamos que estabelece o fundo dos referenciais culturais e sociais. A ciência não escapa a estas condicionantes.

A linguagem, nas suas diversas modalidades, o discurso, as histórias e os conteúdos, bem como os factores afectivos envolvidos, e, sobretudo, a força e o poder (a capacidade de dominar os outros, da mesma ou de espécies diferentes) ditam comportamentos e influenciam a psicologia dominante (a dominadora e a dominada). É como somos que vemos o real. E tendemos a formulá-lo de forma conveniente.

Por isso, a história da humanidade é essencialmente a história dos vencedores de cada comunidade humana, e pode ser (muito) antagónica em sociedades diferentes, com interesses não coincidentes.

As ciências, particularmente as ciências exactas e experimentais, deviam permitir-nos grandes aproximações à objectividade no sentido de que as mesmas causas, nas mesmas condições, produzem os mesmos efeitos ou de que a lógica e o cálculo funcionam imunes ao subjectivismo interesseiro, mesmo que nunca saibamos qual é a natureza íntima e última das coisas e dos fenómenos.

Foram as ciências que nos trouxeram aos imensos progressos que conseguimos.

Falta sabermos o que fazer com os seus extraordinários frutos, em sociedades em que cada ser humano seja beneficiário efectivo de todos os direitos básicos que já conseguimos formular numa carta.  

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 9 de julho de 2025

A Natureza e a Vida não cabem em manuais

Boramez: espécie suposta que quebrava
a fronteira entre o mundo animal e o
mundo vegetal

Observação, reflexão, análise e estudo, sempre. Não podemos abdicar da pesquisa, em doses crescentes, profundas e colaborativas. O contrário seria anular a condição humana. Adiante.

O início da leitura do livro «A Invenção da Biologia», de Jason Roberts, centrado nas figuras de Lineu e Buffon, dois vultos do estudo da Biologia, nascidos no mesmo ano (de 1707), desencadeou no meu espírito a necessidade de expor algo que sempre me acompanhou desde os tempos de juventude, às voltas com as Ciências da Natureza e, em particular, com a sistemática dos seres vivos. Subjugado pelo meu pouco conhecimento, foi (quase) calado, perante professores e colegas, que convivi com severas dúvidas perante os esforços de classificação de todos os seres vivos (todos!) e também dos minerais, na perspectiva de atingir sistematizações completas, definitivas e até algo estanques, assim uma espécie de conhecimento de tudo em todos os graus que, mais tarde ou mais cedo, se havia de alcançar.

Ora, na humildade das minhas possibilidades e capacidades, eu via contínuos e ausência de fronteiras, e até impossibilidade delas, onde a sapiência de canhenhos e cérebros doutos (me) parecia admitir o conhecimento pleno, a que múltiplas investigações nos conduziriam num tempo mais ou menos próximo/distante. Ou seja: via o saber como um abrir de portas face a cada dúvida, portas que, uma vez franqueadas, conduziam a novas questões e assim sucessivamente. De alguma forma, no meu espírito, o saber é qualquer coisa como a consciência clara de domínios envolventes de ignorância, tanto maiores e mais apelativos quanto mais se sabe (que se ignora).

Lineu procurava o «plano director para a organização de toda a vida», já Buffon acreditava que «a única forma de estudar a Natureza era num estado de incerteza permanente». Ambos foram trabalhadores incansáveis. E dessa forma deram um exemplo que não podemos deixar de seguir.

Só esse (caminho) pode ser o nosso sucesso.  

José Batista d’Ascenção