sábado, 15 de novembro de 2025

A (única) vida que conhecemos e a arrogância com lhe profanamos a essência

A aurora da humanidade marcou o começo de um Universo consciente, ou seja, após 13,8 mil milhões de anos de expansão, o Universo de que fazemos parte encontrou uma voz para contar a sua história.

A vida é matéria «animada» com um propósito – o de sobreviver. Trata-se de uma composição de elementos químicos com um impulso autónomo para a sobrevivência e a reprodução, características que definem a vida em geral.

Se existir vida noutros lugares do Universo, ela terá igualmente a mesma vontade de sobreviver, de se reproduzir e de se perpetuar. A alternativa será/seria a extinção.

As espécies evoluem em profunda comunhão com o seu meio e desenvolvem todo o tipo de truques e armas – alguns notáveis – para se manterem vivas. Co-evoluímos com a Natureza, acreditar que nos podemos libertar da sua dinâmica é nosso maior erro.

A vida sem níveis (mais) elevados de cognição não se reconhece como vida consciente. Mesmo os animais capazes de emoções (alegria, tristeza, afecto, companheirismo, etc.) não reflectem sobre o sentido da sua existência nem se interrogam sobre a sua origem. Nós, humanos, sim.

Contudo, tornámo-nos paradoxais, metade bestas, metade deuses, capazes das mais belas criações e dos crimes mais atrozes. Somos grandes e somos pequenos, poderosos e limitados. 

E julgamo-nos senhores do planeta que habitamos. Acontece que o planeta não é nosso. Nós é que somos do planeta. A Terra pode muito bem (continuar a) existir sem nós. A espécie humana é que não pode (continuar a) existir sem as condições (físico-químicas e biológicas) que o planeta Terra proporciona.

Isto e não apenas…

in: Gléiser, M. (2025). «O Universo Consciente». Temas e Debates.1ª Edição. Lisboa. (pg. 189 - 194)

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Tempo de cogumelos

Dias após o regresso das chuvas, matas e campos não cultivados mostram, por vezes, abundância de cogumelos silvestres de diferentes espécies.

Este ano foi (está a ser) um ano farto.

Algumas espécies de cogumelos têm (alto) valor gastronómico, enquanto outras, ricas em compostos químicos tóxicos ou alucinogénios, comportam perigos para a saúde, podendo ser fatais, escassas horas após a ingestão.

Daqui resulta que a apanha e a confecção de cogumelos deve ser feita por quem sabe, para prevenir riscos.

Mas há outras razões pelas quais a procura de cogumelos deve ser criteriosa. Na realidade, o cogumelo, em si, é uma estrutura reprodutora de um fungo filamentoso que cresce nos solos normalmente ricos em manta-morta, e que não divisamos à vista desarmada, não obstante as dimensões (de decâmetros quadrados ou mais) que pode atingir.

Ora, os fungos têm um papel muito importante na Natureza, porque decompõem a manta-morta e devolvem os componentes minerais ao solo, disponibilizando-os de novo para as plantas.

Mais do que isso, os filamentos (hifas, cujo emaranhado constitui o micélio) de muitos fungos associam-se com as raízes das plantas/árvores (constituindo o que se chama micorrizas), aumentando muito a superfície de absorção e facilitando o seu crescimento (em troca, a planta alimenta o fungo com os açúcares que produz nas folhas por acção do Sol, no processo da fotossíntese).

Donde, a intensa procura e colheita individual ou por equipas de busca de cogumelos podem aniquilar esses fungos e, por essa via, prejudicar seriamente as plantas.

É importante perceber isto.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Ninguém é o melhor do mundo em coisa nenhuma

O ser humano tem necessidade intrínseca de se sentir valorizado. A competição sempre foi uma via de o (tentar) conseguir. Os benefícios da colaboração, da partilha, da ajuda mútua, da compaixão e da empatia não são menos valiosos, antes pelo contrário, mas podem ser trucidados pelo egotismo a qualquer momento, pelos indivíduos ou pelas sociedades.

A epigrafe parece absurda, mas não o é para mim. Newton, que não tinha feitio fácil, soube ser humilde (que sábio era-o de sobra) quando afirmou que se viu mais longe foi por estar aos ombros de gigantes.

Desportista ou operário, artista ou investigador, digam-me o nome de alguém que possa ter a certeza de que não há (mais) ninguém que tenha, pelo menos, capacidades iguais às suas. Se, por acaso ou não, alguém encetou a mesma actividade, ou se teve a sorte de encontrar as condições mais favoráveis - aí é que bate o ponto. Como posso ter a certeza de que, nos séculos XVIII-XIX não nasceu em Portugal alguma pessoa com as mesmas potencialidades de Beethoven para a música? Dir-me-ão que não é provável. E eu pergunto: sobre cada um de nós que existe, antes de nascer, qual era a probabilidade matemática de (vir a) ser como é? Qual é o valor desse número?

Os tempos de hoje não são favoráveis à humildade, à serenidade e à moderação. Aos políticos que praticam e fazem a apologia do crime, aos poderosos da finança que esbulham os desprotegidos, aos bélicos que destroem furiosamente corpos e bens, ou aos desportistas que alardeiam a sua superioridade (sempre fugaz), vejo-os como homens ou mulheres algo incompletos, falhos das qualidades mais nobres e desejáveis da condição humana.

E vivo discretamente, intimamente exaltado com as muitas e constantes lições de beleza, harmonia e bondade da Natureza e da Vida.

Por estes dias, li uma entrevista da pianista Maria João Pires e associei-a as estas (minhas) ideias.

José Batista d’Ascenção

domingo, 9 de novembro de 2025

Fundamentos da descoberta e caracterização de planetas fora do sistema solar

Mesmo os maiores telescópios não conseguem obter imagens com boa resolução de planetas que orbitam estrelas que não o nosso Sol.

Acontece que cada planeta exerce sobre a estrela que orbita uma força gravitacional igual à força que a estrela exerce sobre ele (lei da acção e da reacção de Newton). Essa atracção faz oscilar a estrela, embora muito subtilmente. Quanto mais maciça for a estrela mais o centro de massa do sistema estrela-planeta se situa próximo do centro da estrela, mas não exactamente nele, o que justifica a oscilação dessa estrela provocada pela atracção do planeta em movimento na sua órbita.

Com telescópios muito potentes pode-se captar essa “dança” tímida e extrair dela dados que permitem deduzir de modo preciso a massa do corpo planetário que a provoca.

Na verdade, o que os astrónomos observam não é a “dança” da estrela mas a forma como a sua luz varia à medida que ela se move em torno do centro de massa do sistema formado pela estrela e pelo planeta. A luz muda quando a fonte luminosa se aproxima ou quando se afasta de nós (ou nós nos aproximamos ou afastamos dela). Quando se aproxima de nós, as ondas luminosas são «comprimidas» na direcção do movimento (em física diz-se que os comprimentos de onda ficam mais curtos, ou seja, as frequências são mais elevadas) e quando a fonte luminosa se afasta, as ondas são esticadas para frequências mais baixas. O fenómeno é conhecido como efeito de Doppler. As implicações são muito úteis: se uma estrela ou uma galáxia se aproxima de nós, a luz desvia-se para o azul (luz de menor comprimento de onda); se se afasta, a luz desvia-se para o vermelho (luz de maior comprimento de onda). E sabemos a velocidade a que a aproximação ou o afastamento acontecem.

Esta técnica chama-se método da velocidade radial ou de Doppler.

Outro método de encontrar exoplanetas é o «método do trânsito». Um trânsito planetário denota a passagem de um planeta pela frente da estrela que orbita. Nesse caso, um observador devidamente posicionado (o que exige o plano da órbita desse planeta alinhado com o plano da órbita da Terra) verá um ponto negro como que a deslocar-se lentamente pela superfície da estrela. O trânsito, por si só, permite determinar o diâmetro do planeta.

Conhecidos o tamanho e a massa de um planeta calcula-se a sua densidade. Pela densidade sabemos se esse planeta é gasoso como Júpiter ou rochoso como a Terra ou se é diferente de ambos.

in: Gléiser, M. (2025). «O Universo Consciente». Temas e Debates.1ª Edição. Lisboa. (pg. 123-136)

José Batista d’Ascenção

domingo, 2 de novembro de 2025

Dêem-nos a cidade

As semanas ou meses antes de cada eleição enchem as cidades de megapainéis com as caras sorridentes dos políticos candidatos.

Após os actos eleitorais, parte desses políticos não se apressam a (mandar) retirar do espaço público os seus múltiplos e avantajados retratos, pelo que temos de suportar as suas caras faceiras por longos tempos, não raro até a chuva e o vento as fazerem em pedaços.

Isto, para mim, é falta de respeito.

A tais monos, que desfeiam e tapam a vista, somam-se todos os outros que nos impingem publicidade comercial.

Mandara eu e impunha fortes restrições na colocação daqueles materiais, exigia critérios de afixação de propaganda política ou publicidade comercial, e estabelecia que tudo fosse retirado com a maior brevidade findo o tempo concedido. De qualquer modo, ainda bem que não mando.

Os motivos que me animam são, tão só, de elementar ecologia e higiene.

A nós, as cidades a que temos direito.

José Batista d’Ascenção

sábado, 1 de novembro de 2025

Dia dos mortos

Não gosto deste dia. Os meus mortos recordo-os um por um, em certos momentos de solidão, em dias anódinos, de forma aleatória. Não vou em romarias aos cemitérios – tenho os meus que partiram espalhados por vários sítios, três pelo menos, e distantes uns dos outros, e por lá passo algumas vezes, em cada ano. Prefiro assim.

Quando eu morrer quero que cada um dos átomos do meu corpo seja devolvido à Natureza – como inevitavelmente será – de forma que ninguém saiba o destino de cada um deles. Não (n)um túmulo, nem com peregrinações pessoais junto dele.

E os que me recordarem que o façam com a memória que de mim lhes ficou no peito.

Para que eu repouse em paz e não desassossegue ninguém.

Por alma de quem já não tenho, por mim e por todos os que estremecidamente aprecio.

José Batista d’Ascenção