quarta-feira, 9 de abril de 2025

Páscoa Feliz

Como habitualmente, desde há longos anos nesta época, hoje tinha na caixa do correio sobrescrito aberto com afectuosa mensagem do pároco local. Começa assim:

«Há semelhança dos anos anteriores,»…

E há mesmo semelhança: o texto mantém-se quase sem alterações na redacção há anos sucessivos.

Que se há-de fazer?

Boa Páscoa.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 8 de abril de 2025

Quimismo e seres vivos

Algumas substâncias produzidas por seres vivos são eficazes em doses ínfimas. O nariz de um cão consegue detectar apenas algumas dezenas de moléculas individuais. As antenas das borboletas detectam algumas moléculas de feromonas (mais frequentemente) libertadas pelas fêmeas, o que permite aos machos localizá-las movimentando-se no sentido crescente do gradiente de concentração dessas moléculas. Em várias espécies de algas o multifideno serve de atractor sexual. Em Cutleria multifida os gâmetas masculinos podem nadar vinte horas até ao gâmeta feminino que emite aquele químico, bastando 1 a 10 moléculas individuais da feromona para desencadear o estímulo! Também muitas bactérias flageladas nadam para “subirem” ou “descerem” no gradiente de concentração das substâncias que as atraem ou repelem, respectivamente.

A molécula de maltol dá o aroma característico ao malte, ao caramelo e ao café. Toranjas, peras ou pepinos devem os respectivos aromas a substâncias químicas específicas.

A identificação e a síntese de moléculas activas pode ter grande repercussão. O odor a baunilha provém de uma substância química chamada vanilina. A sua síntese, em 1876, arruinou as culturas da ilha de Reunião.

O odor a terra molhada provém da geosmina, a qual é detectável em solução aquosa pelo nariz humano em concentrações de 21 em cada mil milhões de partes.

Nos humanos, desde sempre, o nariz serviu de detector hipersensível para imensas substâncias voláteis. Hoje também. A finura do odor dá o seu valor tanto à trufa como à quintessência. Pense-se no caso de enólogos e perfumistas, por exemplo.

Também ninguém menospreza a importância que os odores tiveram e têm na detecção da toxicidade.

Por estas e por outras deu-me para “meter o nariz” nestas matérias.

José Batista d’Ascenção

(*) Texto baseado na releitura do livro «A palavra das coisas» de Pierre Laszlo. Gradiva. 1ª edição, Lisboa, I995. (p. 155-157 e 228-230)

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Os (principais) líderes políticos que temos são como nós (genericamente) somos

Vulgares. Pouco competentes. Manhosos. Interessados muito mais nos seus objectivos pessoais do que nas metas que deviam ser as do país. Alheios às dificuldades e às preocupações dos portugueses, em nome dos quais (dizem que) fazem política.

E a líderes assim seguem-nos outros políticos (que também são) assim. Políticos que concordam com a afirmação de que as pessoas não estão bem, mas o país está. Se o diagnóstico fosse verdadeiro, os problemas resolviam-se tirando as pessoas do país. Ficava um país sem gente. E muita gente jovem, de valor, faz isso mesmo – vai-se embora. Ou, então, tais líderes fazem a política que trazem das «jotas», impulsivos e imaturos, indiferentes às consequências. Os extremos agradecem. E crescem.

É uma desilusão. O clima eleitoral é decepcionante. Não há esperança.

Aqui chegados, temos de falar dos cidadãos eleitores. Com quem se identificam eles? Porque elegem corruptos, alguns deles condenados pelos tribunais e outros ilesos, ainda que nada inocentes (perante factos inaceitáveis, de tipologia vária, sobejamente conhecidos)? Creio que é por serem medularmente iguais. A corrupção é aceitável, não faz mossa, e a maior (?) parte das pessoas praticava-a, se pudesse. E as crianças aprendem com os adultos: com o que eles praticam, muito mais do que com o que eles (lhes) dizem. O que se passa nas escolas, nas ruas e nos recintos desportivos é reflexo disso.

Em minha opinião não é elevadamente nobre, o povo. A pobreza não é certificado de honestidade, nem, muito menos, a riqueza o é.

Quem somos nós? Quais são os nossos valores? Que justiça exigimos? Que educação fazemos? Que exemplos damos?

Temos o que merecemos?

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 27 de março de 2025

Gato caçador de rãs e gaivotas consumidoras de lixo orgânico

É preto e está gordo e lustroso. Passa bons bocados à beira do lago da Escola Secundária Carlos Amarante (ESCA), atenção fixa – focado, como agora se diz – nos batráquios que vêm colocar-se sobre as pedras dos bordos. E então, ágil como diz quem vê, pode caçar uma, duas ou três rãs em pouco tempo, dilacerando e deliciando-se com cada uma, antes de passar à seguinte.

A sua distinção para murar (ou “arranzar”…?) quase dispensava o cuidado que a (minha) colega (professora) amiga de gatos lhe dedica, trazendo(-lhe) comida que coloca numa tigela ao lado da casota improvisada colocada ali perto, num canto abrigado. O bichano não passa(rá) fome e parece gostosamente adaptado a condições deveras favoráveis. A dona, pelos vistos, mora do lado de lá da rua e não precisa de se preocupar com a alimentação do tareco.

Porém, o felino não deixa de ter concorrência. Nas últimas duas décadas, elementos de uma (muito grande) colónia de gaivotas, aparentemente cada vez mais numerosa, sobrevoam diariamente céus e telhados de Braga, sendo que algumas delas também já descobriram as rãs do lago da minha escola, quem sabe se como abastecedor de suplemento aos resíduos alimentares mais ou menos decompostos a que se habituaram no aterro sanitário da Póvoa de Lanhoso. Estas gaivotas, diz o senhor Manuel Silva, chefe dos funcionários da ESCA, já podem ter perdido o hábito de pescar, “arte” porventura mais custosa na obtenção de comida.

Um e outro caso configuram rápidas mudanças adaptativas dos bichos em resultado das influências dos humanos na Natureza. Mudanças muito elucidativas e fáceis de observar.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 19 de março de 2025

O tempo é o quê?

Não há uma definição indiscutível de tempo. O nosso corpo desenvolve-se e fenece num determinado intervalo temporal, acumulando marcas que testemunham o devir e nos dão forte sentido da marcha inexorável do tempo. Isso e o registo de acontecimentos marcantes reforçam noções próprias de sucessões de fenómenos, mas não abarcam nem esclarecem todo o conceito e os seus possíveis significados, objectivos e subjectivos.

No campo subjectivo, as noções ou percepções ou explicações do tempo podem tornar-se vagas, indescritíveis ou incompreensíveis. É o que acontece nos sonhos, em que os tempos podem ser sucessivos, paralelos, regressivos ou reversos. Nesses casos, o tempo é como o sentimos: frequentemente de forma radicalmente… ilógica. Por analogia, a obra “Alice no País das Maravilhas” serve(-me) de exemplo (pouco esclarecedor).

Os homens da ciência também não atingiram clareza na matéria.

A solução do problema agrava-se porque nós, que colocamos a questão, também não sabemos o que somos, no fundo. E como poderíamos nós conhecermo-nos – nós como objecto de estudo de nós mesmos - em toda a plenitude? As dúvidas sempre subsistirão, em quaisquer tempos, mesmo os alternativos àqueles em que (e onde?) vivemos, se existirem, como se pode especular.

São diferentes os tempos em diferentes regiões do universo, como são diferentes os tempos em cada lugar, se medidos de modo diverso, linear ou não.

À mercê do(s) tempo(s), somos substância e (in)consciência desse(s) tempo(s), cuja natureza nos escapa.

Seja como for, que nunca nos abandone a esperança de «tempos felizes».

José Batista d’Ascenção

domingo, 16 de março de 2025

O TEMPO QUE ESTAMOS A VIVER

Texto gentilmente cedido pelo Professor Galopim de Carvalho

“Nenhuma democracia resiste sem um módico de confiança por parte dos cidadãos” – escreveu António Barreto no passado dia 7 de Setembro, no Sorumbático, o Blogue em que, regularmente, participamos. Este respeitado sociólogo disse por palavras suas o que penso sobre o tempo que estamos a viver.

O socialista Fernando Medina, em obediência à posição da sua bancada, votou contra a moção de confiança do passado dia 13, mas, no final da votação, escreveu que estas legislativas antecipadas irão agravar "os níveis de confiança dos portugueses na política e nos políticos", numa posição que coincide com a minha e a de Barreto.

Nesta conjuntura ganha o desinteresse e a consequente abstenção e ganha o partido Chega que, imediatamente, lançou a sua campanha às legislativas, para daqui a dois meses, com um ignóbil cartaz onde escreve “50 ANOS DE CORRUPÇÃO”, mostrando, sem sombra de dúvida, o seu propósito de destruir os cinquenta anos da democracia que, na sua imperfeição e nos seus erros, lhe deu nascimento e lhe dá toda a liberdade de actuação.

Julgo ser evidente, para os que não andam distraídos, que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas dos partidos, dos políticos e dos seus protagonismos na condução da política nacional. Uma crise de valores sem precedentes. Face a esta situação que “bateu no fundo”, no debate da citada moção, a confiança nestes políticos perdeu-se. 

Como já escrevi, à semelhança do que se passou com a Primeira República, a generalidade da classe política, a quem os Capitães de Abril, há 45 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar aos cidadãos a cultura civilizacional necessária na sociedade que se quer democrática. Nesta infeliz situação, uma muito significativa parcela do povo, destituído dessa cultura, é presa fácil do populismo da extrema-direita. E é também por isto que, pelo menos, estes dois partidos se têm de entender, em defesa da democracia, que tanto custou a ganhar.

Sobre o tempo que estamos a viver, paira grande insegurança, a nível internacional, não só no que respeita à economia, com inevitável reflexo na vida nacional, como também no que envolve o espectro da guerra, com todas as consequências e sofrimentos que ela arrasta. Tudo isto são gravíssimas preocupações que se adicionam a outras, nacionais, como as das áreas da saúde, da educação, da habitação e outras. Preocupações relativamente às quais, no quadro presente, os citados partidos têm de procurar consensos. Os seus protagonistas já mostraram não terem sabedoria ou vontade para o fazer, pelo que há que encontrar entre os seus correligionários, quem o possa fazer. Chame-se Bloco Central ou outra coisa qualquer, mas é, no tempo que estamos a viver, o caminho a seguir.

Quem me conhece e tem acompanhado, desde sempre, as minhas intervenções e tomadas de posição públicas, sabe da minha independência dos aparelhos partidários e não espera de mim outro pensamento que não seja este. Sempre procurei pensar pela minha cabeça, na convicção de que a política partidária é uma arte ou, se quiserem, uma habilidade para manusear conhecimentos do foro das ciências políticas e sociais na conquista do poder. A nossa sorte depende, não só da competência dos respectivos dirigentes, mas, também do seu sentido ético. Desgraçadamente, competência e ética são atributos em falta no tempo que estamos a viver.

Termino dizendo que continuo a pensar como sempre pensei e que, no essencial, posso resumir dizendo que, independente de quaisquer disciplinas partidárias sempre estive do lado dos explorados contra os exploradores. Em termos teóricos, socialistas, sociais democráticos e democratas cristãos não podem deixar de pensar como eu. Assim sendo e tendo em conta as condicionantes nacionais e internacionais, explicito, dizendo que, sendo possível, quer o PS quer a AD deviam procurar encontrar, entre os seus, quem lhes restituísse a confiança perdida. Infelizmente, julgo saber que, nos dois meses que nos separam das eleições, não haverá tempo para que uma e outra dessas duas forças mudem as respectivas lideranças, o que não pode deixar de nos preocupar.

A. M. Galopim de Carvalho

Afixado por José Batista d’Ascenção

sábado, 15 de março de 2025

Avenças e desavenças

O termo “avença” não significa apenas uma quantia certa que se paga antecipadamente por serviços durante um certo prazo, significa também conciliação entre duas partes, acordo, etc.

A política caseira não está imune a avenças materiais, não apenas porque é feita por seres humanos com as qualidades e defeitos que (n)os caracterizam, mas, sobretudo porque os sistemas de controlo (também eles feitos por humanos) têm múltiplos buracos muito oportunos e de elevada (má) frequência, e porque a justiça, que devia ser cega, é convenientemente estrábica ou grotescamente zarolha, para além  de, nos casos graúdos, progredir à velocidade das lesmas, em vias pejadas de pontos “stop”, correspondentes a milhentos recursos accionados por quem pode pagar. A descrença do povoléu não conta para o efeito.

Já as avenças conciliatórias entre políticos podem não ser muito sinceras, mas sempre vão dando para manter uns quantos lugares, aceder a eles ou distribuí-los a preceito por quem os há-de ocupar. As cadeiras de alguns deputados são um dos campos de aplicação da metodologia, que se estende a muitos outros, da política à finança e da finança à política, de que todas as instituições, a economia, a saúde e o bem-estar geral dependem.

Por outro lado, as desavenças político-económicas são reais, algumas, e muitas tornam-se subterrâneas, sem que lhes diminua a intensidade. Outra são mais ou menos convencionais, em propaganda para entreter a populaça, ao jeito do ora agora como eu, ora agora comes tu, logo comes tu mais eu.

Como a política se tem tornado um jogo pouco ético, às escâncaras, e a democracia não sabe ser firme com os que a apoucam e subvertem, servindo-se dela, vamo-nos aproximando do autoritarismo por voto democrático, até o mundo ficar nas mãos de loucos, criminosos e assassinos.

Em Portugal ainda não é assim, mas não há bons auspícios.

Precatemo-nos, enquanto é tempo. 

José Batista d’Ascenção