O 25 de Abril é uma data memorável, no coração e no pensamento da maioria dos portugueses que eram jovens ou adultos ao tempo do «Estado Novo». Memorável foi necessariamente a acção dos militares protagonistas daquele dia, apesar de o conceito de democracia não ser o mesmo para todos eles, e de alguns se terem desviado do que era o objectivo principal de tão legítima revolta. E memoráveis seriam esses militares nos dias de hoje, se quase todos não tivessem sido tragados pelo evoluir da revolução que levaram a cabo (leia-se o romance «Os Memoráveis», de Lídia Jorge, para sublimada elucidação). Em comemoração da data e como homenagem aos capitães de Abril que nunca se afastaram da nobreza dos ideais da democracia autêntica, recorro às palavras de Onésimo Teotónio Almeida, no livro «A Obsessão da Portugalidade», publicado pela Quetzal em 2017, palavras que, melhor do que as minhas, nos transportam ao simbolismo e aos efeitos daquele marco grande e bonito da História de Portugal.
Sobre a transição de regime:
«Foi largo o salto de Abril, e quase 30 anos de revolução sacudiram-nos de um antigo e prolongado torpor» (pág. 21), em que o país pareceu adormecido durante os 48 longos anos da ditadura salazarista.
Acerca de como surgiu a revolução, das intenções e da reacção que desencadeou:
«O 25 de Abril surge como utopia forjada e alimentada no marxismo, ele próprio criador da maior utopia do século XX. Portugal embarca tardiamente na sua peugada e crê-se detentor da capacidade coletiva de materializar o anunciado homem novo, construtor de um mundo igualmente novo.» (pág. 295)
Antes, na página 241: «O período utópico da nossa Revolução de Abril, se foi uma explosão reativa contra o autoritarismo salazarista, foi também uma avalanche de naïveté [injenuidade] embalada pelo rousseaunismo marxista que imaginou ser possível implantar na nossa terra, ainda não secularizada, o céu do socialismo original que nem a China conseguira alcançar.»
Sobre a terrível ignorância histórica e sociológica da faixa mais jovem da população portuguesa:
«Os portugueses que emergiram depois [do 25 de Abril,] (…) data-clivagem (como nenhuma outra na cultura portuguesa,…), com frequência exibem um total desconhecimento de como era o Portugal dos seus pais.» (pág. 253)
Uma forma pessoal, emotiva e simbólica, de ver a data:
«O 25 de Abril foi um evento bíblico (…) algo inexplicável, inexpressável, irrepetível, intransmissível, inefável. Quer dizer: o 25 de Abril, a festa alargada, celebrada em crescendo e em sete dias com o seu apogeu em 1 de Maio, o sétimo dia, passara definitivamente à História, transformada em mito. No caso, um mito de génese (…), o mito do surgir do homem novo, que nem seria português. (…) Portugal virara o Éden do finalmente purificado homem moderno e ia agora anunciar e revelar ao mundo como se vivia o socialismo original. Agarrou o slogan utópico do Maio parisiense de 68 – “Sejamos realistas, peçamos o impossível!” – e acreditou deveras nessa possibilidade.» (págs. 288-289)
Sobre os sentimentos e a nostalgia poética de quem viveu a revolução e a indiferença dos que nasceram já em tempo de liberdade:
«A narrativa poética […], vivida em pleno por milhões de compatriotas, foi, mês após mês, ano após ano, década após década, ficando colada a um passado cada vez mais longínquo, mitificada a ponto de hoje estar envolta no manto diáfano de uma nova lusa saudade e, pelas gerações nascidas posteriormente, associada a um sentimento nostálgico da gente já grisalha e quase toda aposentada (…). E, no entanto, essas gerações nadas e crescidas já na liberdade tomaram como dado adquirido as conquistas de Abril, não parecendo por isso sentir necessidade de lhe reconhecer essa dádiva. Mas é mesmo assim que as gerações enterram as precedentes.» (pág. 289)
Acerca da legitimidade da esperança fundada na construção permanente e efectiva do 25 de Abril:
[…] «Abril deve animar-nos, acalentar-nos o dia a dia, mas os pés no chão em movimento para diante são a única garantia de que não acabaremos assados na areia escaldante do deserto, mesmo à beira da água fresca do Atlântico que abraça o Rectângulo e a sua extensão insular no meio dele.» (pág. 290)
Em discurso pessoal, renovo o meu “obrigado” de sempre aos que fizeram o 25 de Abril.
No firme desejo de que sempre se cumpram os motivos de comemoração da data e de modestamente contribuir para que assim seja.
José Batista d’Ascenção