Por via das conversas que vou travando com o meu amigo António Bastos, teve ele a bondade de me emprestar dois pequenos livros para ler. Um deles, o de um professor de português de uma escola de Pombal, há anos aposentado, reúne e corrige, em cerca de cem páginas, um conjunto de erros (cada vez mais) comuns do português que falamos e escrevemos («Tento na Língua», de António Marques, Plátano Editora, edição sem data). Achei este livrinho uma pequena maravilha, sobretudo tendo em atenção os pontapés na ortografia e na gramática que aterradoramente vamos cometendo, nós, o vulgo, mas também, e mais dolorosamente ainda, os apresentadores de televisão e os que escrevem nos jornais e nas redes digitais. Quanto às crianças e jovens, é uma dor de alma! O bem que o Ministério da Educação fazia, se tornasse o estudo deste livro obrigatório no ensino básico/secundário, seria inestimável, mas não é seguro que por lá se saiba que existe um livro assim…
O outro é um volume de bolso intitulado «Elucidário de Conhecimentos (quase) Inúteis», da autoria de Roby Amorim («edições Salamandra», 2ª edição, sem data), e fala tão elegantemente da raiz etimológica ou da origem e da evolução sofrida por certos termos e expressões, até se chegar às formulações actuais, que é um gosto lê-lo. Ali se fica a saber, por exemplo, que o termo «gaforina» se deve a uma cantora de ópera que veio a Portugal há cerca de cem anos – a «signora Gafforini» - explicando-se que, devido à sua farta e original cabeleira, logo o seu nome passou a aplicar-se à fartura capilar de muitos (des)penteados, desde então até aos dias de hoje; ou que nem sempre o termo «casado» significou que alguém tivesse passado pela igreja ou pelo registo civil, pois que a palavra se aplicava, no século XV, ao homem que tivesse casa própria; ou que «hecatombe» começou por significar a morte de cem bois numa grande cerimónia religiosa, por motivo de vitória em guerra, por exemplo, sendo a carne distribuída «pela populaça»: só que nesses tempos já era como agora: tinham mais barriga uns que outros e por isso cabia quase tudo aos poderosos, sempre poucos, tendo os desvalidos, sempre muitos, que contentar-se com a «parte exacta que lhes cabia na boca», ou seja, um «bocado». E nos dias que correm se diz ainda que “está o bocado guardado para quem o há-de comer”.
É muito interessante a evolução da língua e é útil conhecer as suas origens.
Entre nós, com o malfadado “acordo ortográfico” em vigor, não há dúvida que a ortografia, primeiro, e a fonética, depois, sofrem significativas alterações. Um destes dias ouvi uma jovem falar entusiasmadamente dos seus «ôbjtivos» profissionais. E um aluno, lendo um texto, articulava de forma «original» o «erre» da palavra «sub-reptício», que antes se escrevia assim mesmo, com hífen, e só podia ler-se como deve ser, e agora aparece grafada sem o dito hífen («subreptício), permitindo (natural e logicamente) uma pronúncia inusitada a quem (ainda) não conheça o termo, como pode acontecer com muitas crianças e jovens. Além disso, no futuro (dentro de algumas décadas), será muito mais difícil saber das origens do português, ler textos antigos e perceber as similaridades e relações da nossa com outras línguas, assim como aumentou a discrepância entre as variantes linguísticas da escrita dos países lusófonos, alguns dos quais nem sequer aceitaram o famigerado «acordo». E muito bem fizeram eles. Ao menos isso.
José Batista d’Ascenção
Sem comentários :
Enviar um comentário