O interior florestal do centro e norte do país ou é basicamente monocultura extensiva de eucalipto ou restos de pinhal bravo ou matos e silvedos que crescem caoticamente em espera inexorável pela ceifeira amarela, vermelha e negra das labaredas. Em muitas zonas despovoadas, os velhos que restam, presos à terra onde nasceram, pasmam na solidão e na descrença, cumprindo na dor e em silêncio o que sabem ser a última etapa das suas vidas. Os mais novos fugiram há muito, empurrados pela necessidade, e não se vislumbram condições efectivas que possam inverter a tendência. Esses ainda transportam no peito a memória das origens, mas os seus filhos já não são dali nem sentem ligação às raízes que não viveram e que grande parte desconhece completamente.
Há dias recebi uma notificação da autoridade tributária com o panfleto da imagem em anexo. Não é inteiramente lógico nem exequível o que se pretende, pelas razões expostas, a que acrescem outros motivos. Desde logo, em muitos municípios não há cadastro actualizado de grande parte dos terrenos de floresta. As câmaras municipais, ainda que quisessem, dificilmente poderiam contactar os proprietários ou os seus herdeiros. A Guarda Nacional Republicana, idem. Muitos dos descendentes dos donos, vivos alguns e outros falecidos, não sabem a localização nem os limites e confrontações das suas fracções, o que não invalida o forte sentido de posse que manifestariam face à perspectiva de serem desapossados do que não podem e/ou não sabem ou não querem cuidar. E uma tal confusão pode até ser benquista pelas autarquias que, com esse argumento, facilmente fundamentam a impossibilidade de cumprir a lei, antes ainda de terem que invocar a crónica falta de meios. O mesmo para as autoridades e a «protecção civil» a quem incumbe a segurança dos cidadãos. Já o governo, a quem não se pede que dirija os bombeiros, elaborada meia dúzia de disposições e definidas diligências teóricas quanto baste, pode lavar as mãos. Quanto aos bombeiros, os seus dirigentes parece estarem mais interessadas em fomentar lutas de protagonismo e de interesses do que em proporem acções concretas de prevenção a efectivar nos meses mais frios e chuvosos. Quase podíamos dizer que todos os Verões vivemos no inferno ou na eminência de nele mergulhar, e que levamos o resto do tempo, durante todos os anos, a preparar esse inferno com irresponsável negligência.
E tanto insistimos em causar danos na Natureza, por incultura, impreparação, irracionalidade e desleixo, que esta reagirá acentuando os factores desfavoráveis do clima, como sejam os acréscimos da temperatura, com os inevitáveis incêndios, em alternância com a violência imprevisível de chuvas torrenciais. Resultarão então desertos de penedias em cumes e vertentes desnudados pela erosão e talvez progridam acácias nos baixios.
Mas que se há-de fazer, se não gostamos de árvores nem queremos arborizar e florestar adequada e atempadamente o nosso território?
José Batista d’Ascenção
PS: Hoje, sensivelmente às 13.20 horas, ouvi na rádio «Antena 1» uma voz feminina anunciar que se prepara a plantação de 35 000 árvores no Buçaco, entre Março [que vai a meio] e Outubro. Não ouvi mais que isto, mas interroguei-me: Plantadas nos meses em que o tempo vai aquecer e tornar-se cada vez mais seco, quantas dessas árvores vão resistir?
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