Por agora a pandemia, e amanhã e depois? [Fonte da imagem: aqui] |
Tempos estranhos e tristes. O novo vírus grassa e invade locais sensíveis como os lares de idosos, muitos sem as condições desejáveis (que também não existiam nas casas dos velhinhos que albergam, nem nas dos seus parentes, se os têm). Os efectivos da saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares e pessoal de socorro e transporte de doentes lutam com todas as forças, mas as solicitações são excessivas, não há materiais de protecção em abundância necessária e as falhas acontecem, inevitavelmente.
Como nos países da comunidade europeia, nós, os portugueses, estávamos habituados à ideia confortável do progresso, à segurança do nosso sistema nacional de saúde, que fez maravilhas em pouco mais de quatro décadas, desde a sua criação, e, de repente, o chão fugiu-nos debaixo dos pés. Somos frágeis, e com humildade e lucidez o devíamos reconhecer.
Como vamos sair disto, ninguém sabe. Mas vamos sair, embora com a perda de algumas vidas, sempre muitas. Era bom que saíssemos diferentes, e um pouquinho melhores. Bem sabemos que é esperar muito. Dizem alguns que a humanidade é esquecediça e outros que é incorrigível. Será preferível olharmos o lado positivo do progresso que nos trouxe até ao presente, por via da ciência, se bem que não extensivo a toda a humanidade, como podia…
Os problemas da perda de emprego e de salário vão cair-nos em cima e podem ser terrivelmente dolorosos. Provavelmente não seremos os mesmos: esperemos que as situações de desespero não nos tornem inumanos. Mas não é tudo: te(re)mos que mudar a nossa mentalidade e a nossa vida.
Desde logo, é preciso respeitar mais o espaço limitado em que estamos confinados – a «gaiola Terra». O ritmo a que conspurcamos o planeta acelerou a tal ponto que, desde os químicos aos plásticos e à radiação, a nossa saúde fica em risco. A biodiversidade também. E sem (muito) elevada biodiversidade, o ser humano não resistirá. Porque depende dela, em absoluto.
Ora, não há dúvida de que podemos viver sem muita da tralha inútil ou fútil que vamos acumulando, estimulados pela sociedade de consumo, do comprar e quase não usar até deitar fora, que pôs as nossas casas a abarrotar. E, no fim, por mais reciclagem que se faça, não há lugar para tanto entulho, muito do qual não é inócuo.
Porventura, viajar, um desejo natural na generalidade das pessoas, de todos os tempos, terá que ser contido. Certos espaços naturais não comportam tantos seres humanos, que são perturbadores, mesmo quando ecologicamente cuidadosos. Por outro lado, ainda não se inventaram modos de locomoção amigos do ambiente e eficazes a longa distância. Cada avião que levanta vôo produz quantidades assustadoras de poluentes gasosos. A procura de enriquecimento pessoal, subjectivo ou material, de quem viaja, salvo motivos como os de ajuda, de trabalho ou de conhecimento científico, e os benefícios, por exemplo económicos, para as zonas de visita, tudo sopesado, pode perder para a qualidade ambiental indispensável, a paz dos habitantes locais, a poupança no consumo desenfreado de recursos ou a contenção da propagação fulminante e radial de factores de doença, sobretudo microbiológicos. Os jovens, que consideram o mundo a sua casa, e bem, e que viajam com grande apetência e à-vontade por todos os pontos da Terra, seguramente o compreenderão.
Talvez as regras da economia (que não parece bem uma ciência…) tenham que ser muito mais bem pensadas, para que o que é produzido reverta em favor de todos os que trabalham e dos que o não podem fazer, em proporções dignas. O planeta é o lugar de todos os seres vivos - e não é propriedade dos humanos. Os recursos naturais só podem ser explorados na medida do ambientalmente comportável, sem prejuízo global para as comunidades bióticas. A ética, a moral, a filosofia e a política, os direitos humanos e o respeito pela Natureza, têm que sobrepor-se à rapina económica e financeira. O direito devia assegurá-lo. E o bem público traduzi-lo.
A finança não pode legitimamente criar mecanismos «legalmente blindados» que escravizam multidões para enriquecimento viciante de muito poucos. A ministros das finanças de países pobres não devia ser permitido, no desempenho da função, servirem entidades sugadoras supranacionais para posteriormente serem compensados com empregos chorudos em organização financeiras congéneres. O mesmo para primeiros-ministros ou líderes comunitários supra-países. E banqueiros. E gestores do bem público. Ou outros, de outras actividades.
Tudo isto é muito difícil, bem se sabe, mas os cidadãos devem a si próprios a utopia de acreditar e de exigir, na certeza de que as condições de vida, principalmente as dos mais desfavorecidos, não melhorarão por geração espontânea.
José Batista d’Ascenção