sexta-feira, 27 de março de 2020

Em tempos de pandemia: Cuidar de nós, proteger os mais frágeis e… mudar de vida

Por agora a pandemia, e amanhã e depois? [Fonte da imagem: aqui]
Tempos estranhos e tristes. O novo vírus grassa e invade locais sensíveis como os lares de idosos, muitos sem as condições desejáveis (que também não existiam nas casas dos velhinhos que albergam, nem nas dos seus parentes, se os têm). Os efectivos da saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares e pessoal de socorro e transporte de doentes lutam com todas as forças, mas as solicitações são excessivas, não há materiais de protecção em abundância necessária e as falhas acontecem, inevitavelmente.
Como nos países da comunidade europeia, nós, os portugueses, estávamos habituados à ideia confortável do progresso, à segurança do nosso sistema nacional de saúde, que fez maravilhas em pouco mais de quatro décadas, desde a sua criação, e, de repente, o chão fugiu-nos debaixo dos pés. Somos frágeis, e com humildade e lucidez o devíamos reconhecer.
Como vamos sair disto, ninguém sabe. Mas vamos sair, embora com a perda de algumas vidas, sempre muitas. Era bom que saíssemos diferentes, e um pouquinho melhores. Bem sabemos que é esperar muito. Dizem alguns que a humanidade é esquecediça e outros que é incorrigível. Será preferível olharmos o lado positivo do progresso que nos trouxe até ao presente, por via da ciência, se bem que não extensivo a toda a humanidade, como podia…
Os problemas da perda de emprego e de salário vão cair-nos em cima e podem ser terrivelmente dolorosos. Provavelmente não seremos os mesmos: esperemos que as situações de desespero não nos tornem inumanos. Mas não é tudo: te(re)mos que mudar a nossa mentalidade e a nossa vida.
Desde logo, é preciso respeitar mais o espaço limitado em que estamos confinados – a «gaiola Terra». O ritmo a que conspurcamos o planeta acelerou a tal ponto que, desde os químicos aos plásticos e à radiação, a nossa saúde fica em risco. A biodiversidade também. E sem (muito) elevada biodiversidade, o ser humano não resistirá. Porque depende dela, em absoluto.
Ora, não há dúvida de que podemos viver sem muita da tralha inútil ou fútil que vamos acumulando, estimulados pela sociedade de consumo, do comprar e quase não usar até deitar fora, que pôs as nossas casas a abarrotar. E, no fim, por mais reciclagem que se faça, não há lugar para tanto entulho, muito do qual não é inócuo.
Porventura, viajar, um desejo natural na generalidade das pessoas, de todos os tempos, terá que ser contido. Certos espaços naturais não comportam tantos seres humanos, que são perturbadores, mesmo quando ecologicamente cuidadosos. Por outro lado, ainda não se inventaram modos de locomoção amigos do ambiente e eficazes a longa distância. Cada avião que levanta vôo produz quantidades assustadoras de poluentes gasosos. A procura de enriquecimento pessoal, subjectivo ou material, de quem viaja, salvo motivos como os de ajuda, de trabalho ou de conhecimento científico, e os benefícios, por exemplo económicos, para as zonas de visita, tudo sopesado, pode perder para a qualidade ambiental indispensável, a paz dos habitantes locais, a poupança no consumo desenfreado de recursos ou a contenção da propagação fulminante e radial de factores de doença, sobretudo microbiológicos. Os jovens, que consideram o mundo a sua casa, e bem, e que viajam com grande apetência e à-vontade por todos os pontos da Terra, seguramente o compreenderão.
Talvez as regras da economia (que não parece bem uma ciência…) tenham que ser muito mais bem pensadas, para que o que é produzido reverta em favor de todos os que trabalham e dos que o não podem fazer, em proporções dignas. O planeta é o lugar de todos os seres vivos - e não é propriedade dos humanos. Os recursos naturais só podem ser explorados na medida do ambientalmente comportável, sem prejuízo global para as comunidades bióticas. A ética, a moral, a filosofia e a política, os direitos humanos e o respeito pela Natureza, têm que sobrepor-se à rapina económica e financeira. O direito devia assegurá-lo. E o bem público traduzi-lo.
A finança não pode legitimamente criar mecanismos «legalmente blindados» que escravizam multidões para enriquecimento viciante de muito poucos. A ministros das finanças de países pobres não devia ser permitido, no desempenho da função, servirem entidades sugadoras supranacionais para posteriormente serem compensados com empregos chorudos em organização financeiras congéneres. O mesmo para primeiros-ministros ou líderes comunitários supra-países. E banqueiros. E gestores do bem público. Ou outros, de outras actividades.
Tudo isto é muito difícil, bem se sabe, mas os cidadãos devem a si próprios a utopia de acreditar e de exigir, na certeza de que as condições de vida, principalmente as dos mais desfavorecidos, não melhorarão por geração espontânea.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 17 de março de 2020

ALERTA [por Jorge Paiva]

Fonte da imagem: aqui.
Nota: esta imagem foi acrescentada ao texto do autor,

 de que não fazia parte.
Há muitos anos que alerto para a situação de altíssimo risco, na qual políticas inqualificáveis colocaram o nosso país. Há anos que digo que preferia que o meu pais exportasse alimentação e conseguisse divisas, em vez de pasta para papel. Há anos que alerto para a situação em que colocaram o nosso povo rural: na dependência do eucalipto, de uma única fonte de sobrevivência, cuja multinacional até pode “brincar” com o preço de compra. Por outro lado, o camponês abandonou grande parte dos campos, não só porque preferiu plantar eucaliptos nos seu baldios e, muitas vezes, até nos seus campos de cultivo, como também não tinha capacidade de competir com as multinacionais estrangeiras produtoras de produtos alimentares vegetais e animais, tendo desistido da agricultura, abandonando os campos.
Ainda há poucos dias perguntei a um político, que me elogiava o interesse económico do eucalipto para a sua região autárquica, se a população dessa região comia folhas de eucalipto ou comia produtos vindos de outras regiões? Perguntei-lhe também se 90% dessa região tinha ardido por causa de plantas alimentares ou por causa da referida região ser um eucaliptal contínuo? Também lhe perguntei se ele sabia que a produção de pasta para papel era altamente poluente (poluição gasosa e líquida) e que havia efluentes despejados directamente no oceano com um prévio tratamento não totalmente eficiente?
Se esta crise do coronavirus levar ao isolamento do país (espero que não), não estamos preparados para sobreviver, pois não temos alimentos nem produção deles para nos alimentarmos.
Isto é apenas um AVISO SÉRIO, pois vem aí uma crise muito mais grave, como alerta o filósofo José Gil: “Esta terrível experiência que estamos a viver constitui apenas uma antecipação, e um aviso, do que nos espera com as alterações climáticas” (Público 10918: 4-5, de 16.03.2020).

Jorge Paiva, Biólogo 16.03.2020

Afixado por: José Batista d'Ascenção

Do meu postigo, digo a certo vírus e aos outros

Imagem colhida do portal sapo (www.sapo.pt), hoje
Não sabemos quantas pessoas estão infectadas. Seguramente, são muit(íssim)as mais do que aquelas de que se suspeita. Algumas das «gripes» não diagnosticadas dos últimos dias ou semanas podem ter tido a mesma origem. Nalguns casos, particularmente em jovens, a infecção provoca sintomas ligeiros ou passa despercebida. Oficialmente, ontem morreu a primeira pessoa em Portugal contaminada com o novo agente viral. No mundo, as mortes contam-se por milhares. São muitas «vitórias» para uma partícula biológica de tão ínfimo tamanho. As perturbações pessoais e sociais são dolorosas. O medo toma-nos de forma insidiosa. As perdas económicas podem ser dramáticas. Como é que os seres humanos, as sociedades e os países, especialmente nos casos de (maior) pobreza se vão erguer, quando a tormenta passar, é um problema para daqui a pouco tempo. Concentremo-nos no essencial em cada momento. Por agora, o que mais importa é conter o aumento exponencial de novas infecções, facilitar o trabalho das equipas de saúde, manter um espírito positivo, estar disponível para ajudar ou socorrer, cuidar dos mais pequeninos e idosos e continuar a acompanhar as crianças e os jovens em idade escolar.
Há aspectos positivos que não são ainda muito visíveis: cada dia que passa haverá mais pessoas com imunidade ao «coronavírus». Muitos doentes recuperam e ficam, também eles, imunizados. Isto não obstante haver mais do que uma variedade do mesmo vírus. Claro que, por agora, não sabemos que pessoas já terão desenvolvido imunidade, o que exige todas as cautelas, mas serão cada vez mais. Se alguém, há muitos dias, teve contactos próximos e repetidos, sem protecção, com alguma pessoa reconhecidamente doente, na fase sintomática, está provavelmente imune (embora nesta fase não se deva arriscar a exposições, para minimizar o enorme perigo de contágio).
A ciência ainda não elucidou a razão da existência de vírus, partículas que não respiram, não crescem, nem emagrecem, e que são montadas peça a peça, dentro das células vivas (que parasitam e destroem), com materiais bioquímicos: basicamente, moléculas genéticas num invólucro de proteínas. O crescimento da humanidade terá sido sempre limitado por infecções víricas e bacterianas (as bactérias são células vivas, também elas atacadas por alguns vírus). A descoberta das vacinas e dos antibióticos tinham-nos habituado à segurança na saúde desde a sua aplicação. Tão ignorantes e avaros se tornaram alguns, no seu conforto, que desataram a atribuir-lhes males improváveis. Prouvera que esta tragédia reduza drasticamente atrevimentos desse tipo. Para o conseguir, não há que descurar o ensino das crianças e dos jovens.
Vais ceifar-nos umas quantas vidas, vírus. Mas não vais roubar-nos o gosto de viver. Nem a coragem de te enfrentar. Não vais.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 10 de março de 2020

A nova gripe, a precaução e a serenidade necessárias

Coronavírus. Fonte da imagem: aqui.
As pessoas estão preocupadas. As redes digitais ficaram em ebulição. Os políticos procuram estar atentos às «ondas» sociais e tomam medidas. Os agentes de saúde mostram-se interventivos e disponíveis e fazem recomendações. A investigação na área, a nível do mundo, não tem mãos a medir.
O que nos cabe fazer?
Sem pretender substituir-me às entidades de saúde, parece-me que o que temos que fazer é muito importante e relativamente simples (mas capaz de originar grandes complicações, se não for cumprido e se faltarem a calma e o discernimento que se justificam). Aos alunos que mo perguntam, tenho dito que devemos:
- não descurar os cuidados de higiene, pessoal, social e alimentar. Lavar mais frequentemente as mãos;
- evitar contactos físicos repetidos e variados, por exemplo nas formas de cumprimento: apertos de mãos, beijos, abraços;
- não tossir nem espirrar sobre ou na direcção de terceiros, e acautelar a situação inversa;
- evitar a frequência de transportes públicos e de espaços fechados sobrelotados: autocarros, comboios, lojas, restaurantes, bares… e os respectivos sanitários;
- não «correr» para centros de saúde ou urgências hospitalares aos primeiros sintomas gripais;
- não solicitar os serviços de socorro ou de esclarecimento via telefone sem motivos fundados;
- prestar atenção às indicações das entidades de saúde;
- lidar com sensibilidade com pessoas com sintomas de gripe (que não estão necessariamente infectadas com o novo vírus), mas com precaução: evitar a proximidade excessiva e o contacto físico não necessário com pessoas doentes, ou tomar precauções, caso o contacto seja necessário, e lavar muito bem as mãos ou desinfectá-las logo após;
Com os cuidados pessoais e médicos suficientes, e com a subida das temperaturas, esta pandemia vai abrandar, como (todas) as outras.
Confiemos em nós, na ciência e na medicina (e, já agora, reconheçamos a importância das vacinas, que a ignorância atrevida vinha perigosa e crescentemente pondo em causa).
E se viermos a contrair a nova forma de gripe, reforcemos os cuidados e os procedimentos recomendados, seguindo escrupulosamente as instruções médicas.
E aguardemos. Até passar.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 4 de março de 2020

Narcisos portugueses – plantas ameaçadas

O minúsculo e frágil exemplar da imagem foi fotografado no dia 22 de Fevereiro de 2020 na zona do pinhal, no interior da Beira Baixa (concelho de Oleiros). Planta selvagem, singela e delicada, crescendo sob os pinheiros, à sombra, em solo argiloso (de substrato não granítico), pobre, com esparsa e pouco abundante manta morta (caruma), exibindo o amarelo vivo característico da flor no cimo da haste. Ali chamavam-lhe «campainhas». Há outros nomes vulgares, consoante as regiões do país: «copinhos» é um deles.
Há cinco décadas, estas plantas eram referidas mais comummente por aquelas terras. Agora são menos vistas: porque são menos abundantes e porque as pessoas residentes, poucas e (muito) envelhecidas, já não vão os locais onde (ainda) se podem encontrar. E os visitantes daquela zona, poucos também, terão outros objectivos, que não procurá-las e observá-las nos sítios onde (ainda) crescem.
Em meados do último quarto do século passado, para satisfazer a procura de floricultores estrangeiros (holandeses, britânicos e outros), procedeu-se à recolha de milhões de bolbos em lugares diversos do país, o que contribuiu para a raridade ou mesmo a extinção de algumas espécies. O objectivo era a multiplicação e a obtenção de híbridos (plantas resultantes do cruzamento de variedades da mesma espécie ou mesmo de cruzamentos entre plantas de espécies diferentes, mas geneticamente próximas) e poliplóides (seres vivos em que o chamado número base de cromossomas – os suportes físicos da informação genética – foi multiplicado por inteiro três, quatro, cinco… vezes), para fins comerciais. A hibridação e a poliploidia também ocorrem na natureza. São muitas as variedades cultivares, de formas variadas e tamanho tendencialmente maior, destinadas à ornamentação e à jardinagem.
Mais recentemente, a desertificação (humana), o abandono das terras de cultivo, a extinção dos rebanhos e a devastação cíclica por incêndios florestais dantescos, podem ter tido alguma influência na variação quantitativa das populações naquela zona. Desconheço se a situação tem sido estudada.
Os narcisos silvestres, como quaisquer outros seres vivos selvagens, merecem que se cuide da sua conservação, pois que algumas das suas espécies já se extinguiram e várias outras encontram-se ameaçadas, sabendo nós que é fundamental inverter o empobrecimento crescente da diversidade biológica nos ecossistemas (nome dos espaços e do conjunto de seres vivos que neles habitam, nas condições físicas, químicas e biológicas que aí se fazem sentir).
Dar a conhecer as espécies selvagens de seres vivos como os narcisos, alguns endémicos, é tornar as pessoas, especialmente as mais jovens, mais próximas do ambiente natural, assim promovendo a defesa da biodiversidade, de que, em absoluto, dependemos. E não basta a letra da lei proteger as espécies sensíveis. É preciso efectivar e acautelar o seu cumprimento, especialmente pela adesão dos cidadãos.
Motivo acrescido é a beleza com que podemos deleitar-nos.

José Batista d’Ascenção