Texto veemente de um espírito esclarecido e generoso, que expõe a sua "desilusão", em forma de alerta (que não desiste de fazer).
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No dia 02 de Abril passado (2020) terminei assim o artigo de opinião “Pandemias e predadores” (Público): "Estou imensamente apreensivo, pois quando esta pandemia atingir (porque vai mesmo atingir) as populações de todas as favelas americanas, africanas e asiáticas, não vão conseguir controlá-la. Será o caos da humanidade, tanto para pobres como para ricos, pois a morte não se compra. É por isso que me incomodo com empresários e políticos mais preocupados com os problemas económico-financeiros do que com o gravíssimo e rapidíssimo alastramento do coronavírus, julgando que eles não serão atingidos. Apesar desta lição, que ainda não acabou, continuo a ouvir justificar que o aeroporto terá que ser no Montijo, por ser o local economicamente mais favorável, sem olhar, minimamente, para as consequências ambientais e para o próximo desastre que aí vem, bem pior do que este, como alertou o filósofo José Gil (Público 16.03.2020): “Esta terrível experiência que estamos a viver constitui apenas uma antecipação, e um aviso, do que nos espera com as alterações climáticas.”
Também nessa altura já alertava para o que poderá vir a ser o próximo inverno, repetindo-se o que aconteceu em 1918 com o coronavírus da “gripe espanhola”. Durante o verão a população e autoridades julgaram a epidemia “passada”, não tomaram as devidas cautelas e, no inverno seguinte, a mortalidade foi cerca de 10 vezes superior, atingindo brutalmente a juventude, porque talvez já não houvesse muito idoso, preferencialmente atingidos no 1º inverno, tal como agora.
Infelizmente, não temos governantes capazes de travar os disparates a que temos estado a assistir. Criou-se uma sociedade materialista que julga que o dinheiro é o mais importante na vida. Estou farto de dizer que, dos três Patrimónios (Material, Cultural e Biológico), o único essencial para a nossa sobrevivência é o Património Biológico, sendo, porém, aquele a que temos dado menor atenção e o que mais tardiamente tem merecido alguns cuidados de preservação. Foi um descuido tremendo e continua-se a laborar no mesmo erro, pois a maioria dos governantes de todos os países ignora, quase em absoluto, a extraordinária importância que os outros seres vivos têm na nossa vida.
Por isso, não foi de estranhar que tivesse sido anunciada (Maio) com pompa e circunstância, a realização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol em Portugal (é o dinheirinho, não interessa que a pandemia alastre!); que o Santuário de Fátima abrisse em Maio (é o dinheirinho, não interessa que a pandemia alastre!); que um endinheirado promovesse (Junho) uma festa de aniversário ilegal em Lagos (é o dinheirinho, não interessa que a pandemia alastre!); que os surfistas se aglomerassem na praia da Figueira da Foz (Junho) para comemorarem a abertura aos treinos, pois aproximam-se campeonatos (é o dinheirinho, não interessa que a pandemia alastre!); que PCP queira a Festa do Avante, pois tem muita gente pagante (é o dinheirinho, não interessa que a pandemia alastre!); que os empresários turísticos queiram a abertura rápida das fronteiras (é o dinheirinho, não interessa que a pandemia alastre!); etc, etc.
Veremos como será o próximo inverno!...
É esta a sociedade que temos, puramente materialista e na qual estamos a integrar a juventude, através do desleixo educacional familiar, escolar e dos órgãos de comunicação social. É uma sociedade sem afectos e tremendamente interesseira. É por isso que a maior parte das pessoas que não me conhece, se admira que eu não aceite ofertas materiais. Pois, nesta sociedade, quando se faz um favor pensa-se logo na respectiva recompensa. É uma sociedade tão interesseira que quando duas pessoas se acarinham afectuosamente, consideram logo haver interesses materiais ou sexuais.
Por isso que me sinto cada vez mais desajustado nesta sociedade. Sinto-me tal qual uma professora, minha antiga aluna, ainda no início da sua carreira (actualmente aposentada e avó), a propósito do que eu tinha feito a um aluno meu, me dirigiu uma frase que eu nunca mais esqueci: “O senhor não existe”. Realmente não existo nesta sociedade tremendamente interesseira. Assim, deixei de estar presente em muitos eventos sociais, que mais não são do que manifestações públicas plenas de gente interesseira, como casamentos, funerais, festas públicas de aniversários, comemorações etc. Costumo dizer que não colaboro em farsas, tal como são também nos “Dias Comemorativos” [vide jornal Público 2928: 11 (1998), “A farsa dos dias comemorativos”].
Um exemplo recente desta farsa comemorativa foi o facto de o Primeiro Ministro, António Costa, anunciar, no “Dia Mundial do Ambiente” deste ano (11.Junho.2020), com grande pompa, que o aeroporto do Montijo ia avançar. Na Festa desta declaração televisiva, faltou o Ministro do Ambiente para bater palmas, assim como faltou o Papa cá do sítio para abençoar, Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, tanto o Ministro do Ambiente, como o Presidente da República, não aparecem, nem fazem declarações, quando o Governo toma decisões inqualificáveis de grande impacto ambiental, como a recente (22.Junho.2020) autorização de 16 explorações mineiras, precisamente antes de ser aprovada a regulamentação com condicionantes ambientais mais rigorosas para explorações dessas.
É uma sociedade, materialista, corrupta e inconsciente do suicídio colectivo para que caminhamos, se não alterarmos hábitos e continuarmos com governantes e politicos incompetentes.
Jorge Paiva, Junho 2020
Afixado por:
José Batista d'Ascenção