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Na sequência do homicídio do negro norte-americano, George Floyd, perpetrado por um polícia, à luz do dia, na rua, e perante a indiferença de outros agentes, que deviam ser de segurança pública, desencadeou-se um turbilhão de protestos que alastrou pelo mundo. O caso não era para menos. Em si e pelo que traduz. A questão funda, que busco na mentalidade e no coração dos seres humanos, exponho-a assim: Em que medida o que chamamos de “racismo” (ou similares, por exemplo “tribalismo”) é (ou pode ser) algo de medular, quase intrínseco à natureza humana? Bem sei que a educação pode (e deve, oh, quanto deve!) burilar a rudeza animal dos nossos instintos mais primários, mas parece sobrar, lá no fundo da condição biológica, algo que nos trai em contextos diversos e revela, então, as nossas misérias morais. Sobre o horror da xenofobia fascista e nazi nem me pronuncio, porque escapa à minha compreensão.
Se, como é desejável, e devia ser imperativo, as sociedades resolvessem certos problemas de pobreza, desigualdade de direitos e exclusão, o ódio e a violência consequentes diminuíam. Porém, é difícil aceitar que os seres humanos se tornavam intrinsecamente melhores apenas por isso. Nada nunca dispensará os princípios morais, a ética, a educação e a mão responsabilizadora da justiça.
Conto-me entre os que não sentem qualquer responsabilidade pelas acções históricas questionáveis, à luz dos princípios de hoje, dos antepassados mais proeminentes da sociedade a que pertenço. As comunidades humanas foram como foram e não carecem de nem se engrandecem com ficções exaltantes, assim como não se higienizam com retratações postiças ou actos de contrição fora de tempo e de pertinência. Fossem outras as comunidades poderosas do passado e as suas ambições teriam igualmente subjugado as mais indefesas. Da história, como registo e análise do que foi, no contexto do tempo em que foi, devíamos tirar ensinamentos para o presente e para a construção do futuro, se, enquanto comunidade humana alargada, conseguíssemos apreender e aprender tais lições. O que é muito difícil.
No caso de Portugal, e relativamente aos países de que fomos colonizadores, a carga histórica devia justificar mais colaboração e menos eventuais recriminações. À História cabe julgar, mas para que melhor possamos construir o amanhã. E o percurso empreendido por esses (jovens) países, desde que, legitimamente, se consumou a sua independência é, essencialmente, da sua responsabilidade. Os interesses económicos, o tribalismo, as guerras civis e os poderes fácticos, não são alheios ao peso da História, mas dizem respeito, em primeiro lugar, aos seus cidadãos.
Por cá, no nosso pequeno país, não faltam feridas e dores (em sentido literal) desses tempos. Temo-las sofrido e devemos ultrapassá-las, como nos compete.
A finalizar, digo que me choca ver imagens da estátua do Padre António Vieira vandalizada, em gestos que empobrecem, envergonham e indignam. Logo ele, que escreveu páginas do mais belo que a bela língua portuguesa tem para nos dar. Não é caminho.
José Batista d’Ascenção
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