Hoje e há quarenta anos diferem radicalmente no dia-a-dia comunicacional de cada um de nós. Tirando o tempo de sono, quantos de nós passam(os) sem ter por perto um telemóvel ou de o manter entre os dedos por longos períodos ou com elevada frequência? Precisamos disso? – Passámos a precisar, deixámos criar em nós essa necessidade. Isso é bom? – Talvez a resposta seja: - bom ou menos bom, é a realidade.
E se os mais idosos são, em geral, menos dependentes, entre jovens (e crianças…) viver sem o apêndice em que o telemóvel se tornou (em boa verdade, talvez cada indivíduo se tenha tornado o anexo maior do aparelho…) é inimaginável, particularmente para os próprios.
A comunicação múltipla permanente ou o vício do jogo e o arquivo da intimidade fazem do dispositivo algo indispensável ou quase intrínseco e precioso para os mais novos. Nas escolas, e não apenas, a situação tornou-se um problema, por vários motivos. Pela minha parte, nunca, em altura alguma, me ocorreu tocar no telemóvel de qualquer aluno ou de o guardar e fazer a sua entrega na direcção, como vi alguns colegas fazer. Por um lado, sentia incómodo pessoal em ter na minha posse, ainda que transitoriamente, o repositório da vida íntima de alguém e, por outro, parecia-me uma atitude demasiado arriscada perante a fúria que poderia desencadear nos meninos e nos seus encarregados de educação.
O problema cresce e já há quem sugira terapêuticas para a enfermidade. Não sei se a dita acentua a solidão, mas é um facto que a solidão existe durante a dependência, mesmo que as vítimas se julguem acompanhadas, com mais ou menos ansiedade ou euforia desencadeadas pelo número de «likes» conseguido.
Faz tempo, pessoa amiga, que, a meus olhos, preza a fruição da vida com sabedoria, dizia, com graça, que as pessoas passaram a registar fotograficamente (e a publicar) tudo, a toda a hora, incluindo belíssimas paisagens e monumentos, só lamentando que, nestes casos, elas mesmas não prescindam de se colocar à frente, em grande plano, tapando quase tudo.
Já os direitos de terceiros à privacidade e ao anonimato parece terem deixado de existir, sem que as vítimas involuntárias se apercebam sequer da violação desses seus direitos.
José Batista d’Ascenção