Hoje à tarde, enquanto fazia o meu exercício físico ao ar livre, na margem esquerda do Cávado, entre a Ponte de Prado e Ruães, reparei num cão de tamanho médio todo apetrechado para o frio que não fazia – o sol era claro, o ar macio e a temperatura amena. Pois aquele cão seguia junto aos seu jovens donos (suponho) abrigado debaixo de um cobertura avantajada a que, por analogia com os sobretudos (peças de roupa para humanos), chamarei de «sobrepêlo». Mas, o que me chamou a atenção foi que aquele cão usava sapatos. Procurei reparar melhor, entre cada ida e vinda do meu percurso: não, não conhecia calçado com tal uso. Interroguei-me sobre se seria para evitar sujar o chão da casa, dado que não era pela aspereza do solo nem por este estar demasiado frio ou quente (o asfalto, no Verão, pode ser um problema…). Também me perguntei se o cão preferiria andar naturalmente como cão ou como cão «travestido» por mão humana. Nada podia concluir.
Porém, em época de Natal, saltou-me o pensamento para as crianças que não têm tecto, nem pão, nem família, nem quem cuide delas.
Claro que, se aquele cão não tivesse sapatos, isso nada adiantaria à situação das crianças desvalidas. Mas o paralelo não abandonou o meu espírito. De resto, uma tétrada de sapatos de cão talvez não seja assim tão cara… Por outro lado nem sei se os donos daquele cão ofereceram a alguma(s) criança(s) desprotegida(s) pares de sapatos muito mais dispendiosos do que tétradas de sapatos de cão. Nada sei. Além do mais, respeito os que se dedicam aos animais e lhes querem mais do que às pessoas. Este grupo é muito alargado, talvez universal, se pensarmos nos animais que são nossos e nas pessoas que estão longe e que não conhecemos. Somos assim. Porém, reflectir nisto causa-me impressão, que deve derivar das minhas múltiplas imperfeições. Imperfeições que incluem a impossibilidade de fuga ao consumismo na medida que suponho ideal.
Vivemos num mundo cão, diz-se, e eu tenho-o por verdade. Mas salientando que a culpa não é dos cachorros.
José Batista d’Ascenção