sábado, 8 de março de 2025

Trump e Putin e o receio da eliminação de Zelensky e da Ucrânia como país independente

Cruéis e temíveis, os líderes dos EUA e da Rússia empurram o mundo em direcção preocupante.

Trump e a sua equipa são capazes de tudo, nenhum escrúpulo ou dignidade parece fazerem parte do espírito com que cortam e costuram os seus negócios.

Putin tanto faz cair aviões com alguém que lhe seja indesejável (caso de Prigozhin), como envenena e tortura adversários que não tolera (como aconteceu com Navalny), como empurra de varandas meros intelectuais ou artistas que, em algum momento, expressem discordância das suas ideias e, principalmente, da sua prática política (como se verificou com o dançarino Vladimir Shklyarov).

A Ucrânia tem um duplo azar: situa-se na esfera de influência da Rússia e possui abundantes riquezas, muito cobiçadas. Enquanto povo, quis a independência, tem um líder muito corajoso, mas as condições sócio-políticas são-lhe extraordinariamente adversas. De um lado, Putin, para levar o que pode, e pode muito, pela ocupação de grande parte do território e pelo poderio das armas. Do outro o seu amigo Trump, para obrigar os ucranianos à rendição e empolgar os seus recursos.

A humilhação de Zelensky é apenas uma forma de remover um obstáculo.

Temo que consigam, usando os meios que forem necessários.

O (resto do) mundo assiste, impotente ou alheio.

As consequências podem ser terríveis para todos em todo o lado. 

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 4 de março de 2025

A aguda consciência da necessidade e da preciosidade da água, por Eça de Queiroz

A água limpa é um bem imprescindível, como sempre foi e será, cada vez com mais acuidade. Eça de Queiroz, em «Carta sobre a Inauguração do Canal de Suez», dá-nos conta disso, eloquentemente [in: fascículo «De Port Said a Suez». Ed. Centauro, Babel. 2010].

…«Ao lado do canal marítimo, o canal de água doce (…) é uma das maiores obras de Lesseps [engenheiro francês que liderou a construção do Canal de Suez] e um dos episódios mais notáveis da perfuração do istmo. Os operários do canal tinham de trabalhar no deserto. A primeira necessidade era a água; um exército de operários não podia subsistir durante muitos anos apenas com a água trazida pelas caravanas. (…) O Sr de Lesseps resolveu ir ao Nilo, a trinta e cinco léguas [1 légua = 5 km], buscar água doce e trazê-la ao deserto por um canal que seguisse uma linha quase paralela ao canal marítimo e fosse ter a Suez. (…) O canal seria, assim, para uso dos operários, para irrigação daqueles terrenos áridos, e para a navegação de pequenos barcos.» (p. 25-26).

(…)

«Suez tem tido, até há pouco tempo, um viver incompleto pela falta de água. Em Suez, a água era conservada em caixas de ferro, trazidas do Cairo. A água da fonte de Moisés, (…) a três léguas, só a podem beber os camelos. No tempo da chuva havia, além da do Cairo, alguma água potável a seis léguas de distância. No tempo de calma [calor do Sol] a sede era uma doença: havia mercados de água onde os preços eram fabulosos, horríveis. Os ricos bebiam uma água meio salubre. Os pobres bebiam a água dos camelos, ou morriam de sede. Em Suez não havia (…) uma árvore, uma flor, uma erva. Havia gente que, tendo sempre ali vivido, não fazia ideia da vegetação. Contava-se de árabes de Suez, que, vindos do Cairo pela primeira vez, fugiam das árvores como de monstros desconhecidos. O canal de água doce mudou esta face das coisas. (…) No dia em que a água chegou a Suez foi uma vertigem. Os pobres árabes não podiam crer; mergulhavam-se nela, bebiam até lhes fazer mal, (…) davam gritos loucos. Alguns estavam aterrados e pasmavam da perda de tanta riqueza.» (p. 30-31)

Hoje, em diferentes lugares da Terra, muitos sofrem a falta terrível de água. Opostamente, muitas pessoas desconhecem o perigo do desperdício ou da destruição «de tanta riqueza».

José Batista d’Ascenção

domingo, 2 de março de 2025

Consumidores, que nós somos (II)

«Muitas pessoas que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial (…) remendavam cada meia, reparavam cada aparelho, guardavam cada pedaço de tecido e nunca desperdiçavam um grama de comida» (p. 82).

Ao invés, «desde a ascensão da era do consumo, a simplicidade tem-se mantido como uma actividade marginal» (p. 74). Curiosamente, a generalidade das pessoas acreditam que é «importante haver mais regulamentos ambientais, mas quase metade (…) não [vê] verdadeira necessidade de alterar os seus hábitos pessoais» (idem).

Já se tomam medidas governamentais, em muitas áreas, em diferentes países, mas é imprescindível «fazer alguma coisa quanto ao crescimento da própria procura por parte dos consumidores» (p. 83).

Cada um de nós bem podia esforçar-se por: «acabar com a tralha (…); fazer férias locais; comer verde; vestir retro; viajar poluindo menos (…)» (p. 87); etc.

O livro tem muito interesse e sugere que, se tivermos em conta o que, historicamente, em diferentes tempos e lugares, sociedades humanas solidárias e ecológicas fizeram, podemos encontrar viabilidade para um mundo melhor e (mais) sustentável, como agora se diz.

Vejo fundamentalmente dois problemas: por um lado, com a escola em falência, sabemos cada vez menos de História e, por outro lado, a estupidez humana e a extraordinária facilidade de comunicação tendem a empurrar-nos “democraticamente” em sentido pouco positivo…

José Batista d’Ascenção

sábado, 1 de março de 2025

Consumidores, que nós somos (I)

Em “tempos de trump”, em que os poderosos do mundo são indivíduos nada recomendáveis e muito perigosos, e em que o governo do país se degrada em irresponsabilidade impensável, a mesquinhez sócio-política faz a alguns de nós ter vontade de fugir do mundo comunicacional. O que não podemos. Mas, havendo outros motivos igualmente importantes, que exigem o nosso sentido de justiça e mínimos de lucidez, de solidariedade e de coragem, refiro alguns aspectos procedimentais e ambientais que retirei da obra intitulada «História para amanhã», de Roman Krznaric, publicada pelas «Edições 70».

«Abandonar o hábito do consumo» é o tema do capítulo 3. Aqui se refere que «a cultura do “desejo ilimitado” surgiu na Europa do século XVIII» (p. 68) e que o «crescimento económico que se enraizou nas sociedades ocidentais no início do séc. XX necessitava de um consumismo insaciável…» (p. 69). Na década de 1920, Eduard Bernay (sobrinho de Sigmund Freud), guru de relações públicas, «convenceu as mulheres a começarem a fumar cigarros, por estes serem “tochas de liberdade” e (…) inventou o bacon com ovos como (…) pequeno-almoço americano, em prol da suinicultura». (…) «Hoje em dia, somos seduzidos pelos algoritmos dos empórios das compras online…»(p. 69). (…) «Compro, logo existo.» (p. 70). Acontece que, «para lá de um certo ponto, mais coisas não nos tornam muito mais felizes» (idem). E o problema maior são os impactos planetários.

Efectivamente, os «compradores abastados do hemisfério norte são a linha da frente de uma espoliação ecológica» (idem) inimaginável nos tempos pré-industriais: «Montanhas de lixo electrónico, iphones descartados e seus metais raros, microplásticos encontrados nos estômagos de golfinhos, de tartarugas e de crianças; químicos tóxicos na água que bebemos e no ar que respiramos; florestas devastadas por ranchos de gado, para pôr carne nos nossos pratos» (…) [significam que] «andamos a gastar anualmente os recursos de dois planetas Terra». (idem).

(Continua)

José Batista d'Ascenção