A água limpa é um bem imprescindível, como sempre foi e será, cada vez com mais acuidade. Eça de Queiroz, em «Carta sobre a Inauguração do Canal de Suez», dá-nos conta disso, eloquentemente [in: fascículo «De Port Said a Suez». Ed. Centauro, Babel. 2010].
…«Ao lado do canal marítimo, o canal de água doce (…) é uma das maiores obras de Lesseps [engenheiro francês que liderou a construção do Canal de Suez] e um dos episódios mais notáveis da perfuração do istmo. Os operários do canal tinham de trabalhar no deserto. A primeira necessidade era a água; um exército de operários não podia subsistir durante muitos anos apenas com a água trazida pelas caravanas. (…) O Sr de Lesseps resolveu ir ao Nilo, a trinta e cinco léguas [1 légua = 5 km], buscar água doce e trazê-la ao deserto por um canal que seguisse uma linha quase paralela ao canal marítimo e fosse ter a Suez. (…) O canal seria, assim, para uso dos operários, para irrigação daqueles terrenos áridos, e para a navegação de pequenos barcos.» (p. 25-26).
(…)
«Suez tem tido, até há pouco tempo, um viver incompleto pela falta de água. Em Suez, a água era conservada em caixas de ferro, trazidas do Cairo. A água da fonte de Moisés, (…) a três léguas, só a podem beber os camelos. No tempo da chuva havia, além da do Cairo, alguma água potável a seis léguas de distância. No tempo de calma [calor do Sol] a sede era uma doença: havia mercados de água onde os preços eram fabulosos, horríveis. Os ricos bebiam uma água meio salubre. Os pobres bebiam a água dos camelos, ou morriam de sede. Em Suez não havia (…) uma árvore, uma flor, uma erva. Havia gente que, tendo sempre ali vivido, não fazia ideia da vegetação. Contava-se de árabes de Suez, que, vindos do Cairo pela primeira vez, fugiam das árvores como de monstros desconhecidos. O canal de água doce mudou esta face das coisas. (…) No dia em que a água chegou a Suez foi uma vertigem. Os pobres árabes não podiam crer; mergulhavam-se nela, bebiam até lhes fazer mal, (…) davam gritos loucos. Alguns estavam aterrados e pasmavam da perda de tanta riqueza.» (p. 30-31)
Hoje, em diferentes lugares da Terra, muitos sofrem a falta terrível de água. Opostamente, muitas pessoas desconhecem o perigo do desperdício ou da destruição «de tanta riqueza».
José Batista d’Ascenção
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