sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Colonização cultural em tempos de identitarismos exacerbados

Há escassas décadas, o dia das bruxas não tinha expressão em Portugal. E nada se perdia por isso.

Hoje, entre as bugigangas dos hipermercados figura com destaque a parafernália indumentária do «halloween». A coisa pegou.

Nas escolas, alguns professores de línguas comemoram a “quadra” com injustificado entusiasmo. Muitos pais de criancinhas de tenra idade decoram entradas e janelas com grande diversidade de artefactos alusivos. E chegam a acompanhar os infantes nas “visitas” à porta das casas vizinhas, pela noitinha. Até a farmácia que habitualmente frequento se preparou a preceito.

Mas porque me pronuncio eu sobre isto?

Ora, porque para além do incómodo da campainha que toca (quase) ininterruptamente após o jantar de 31 de Outubro, desagrada-me a sujidade com que me decoram o portão, a caixa de correio e a entrada de casa e com que deparo na manhã de 01 de Novembro. Isto apesar de várias vezes ter de descer as escadas para ir dar uns rebuçados aos pequenos pedintes.

Pessoa amiga, o ano passado, tinha o carro imundo com ovos e farinha, quando tinha de iniciar uma viagem inadiável. Brincadeiras destas não são aceitáveis.

Fica muito bem uma abóbora transformada em «caraça» interiormente iluminada. O resto perturba e degrada a cultura social.

Disse. 

José Batista d’Ascenção

domingo, 19 de outubro de 2025

Riso, Troça e Aplauso

Terminei a leitura e a observação das caricaturas do livro «Riso, Troça e Aplauso» (Representações satíricas dos escritores portugueses – séc. XV a séc. XIX), de Maria Virgílio Cambraia Lopes, editado há poucos meses pela Imprensa Nacional Casa da Moeda. Volume grosso: 458 páginas em papel de qualidade. De qualidade são também as imagens, naturalmente, e a sua reprodução, bem como o texto. Maria Virgílio é sucinta mas clara, perspicaz e incisiva. Não se alonga e faz muito bem. O que ela não diz não precisa, porque, elucidando e estimulando, sabe remeter para as figuras, muito ricas de pormenores, ou não fossem os caricaturistas geniais, a maior parte deles.

Está de parabéns, a autora (que conheço de longa data, porque foi minha prezada colega de profissão na Escola Secundária D. Maria II, em Braga, onde ambos leccionámos, nos finais do milénio anterior).

Este livro fez-me voltar a outro que li há longos anos: «Tesouros da Caricatura Portuguesa, 1856-1928», de Paulo Madeira Rodrigues, editado pelo Círculo de Leitores, em 1979. Revisita-se nesse livro «a política portuguesa através da sátira ilustrada». A obra é servida de texto longo com imagens intercaladas que perdem porque a edição da altura tinha limitações que não se põem nos dias de hoje. Mas o livro era e é bom, desde logo pelo seu valor documental.

Portugal, um país que, tantas vezes, é uma caricatura pouco feliz de si próprio, tem, felizmente, em cada tempo, artistas de grande qualidade que muito bem o retratam, sob formas variadas.

Ao menos isso. Valorizássemo-los nós.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Comunicação emocional com objectivos pouco claros

Supostamente, os nossos dias são de comunicação intensa e permanente. Mas o conhecimento é, genericamente, superficial e enclausurado em “bolhas” onde as afinidades ou os algoritmos submergem cada alma.

É assim nas redes sociais, onde o íntimo violento e as pulsões malsãs se espraiam sem freio.

Os programas televisivos ditos de entretenimento alimentam-se do espalhafato e do grotesco em que até os mais sensatos e ponderados (entre os profissionais e o público) embarcam com facilidade.

No que deviam ser telejornais campeiam “especialistas” de toda a ordem, inferiorizando o (nobre) papel e a função dos jornalistas, mesmo de bons profissionais que a tal se prestam ou a que os obrigam. Os sabichões não acrescentam nada, na maioria dos casos, e pagam-lhes para que debitem as suas sabedorias, que poucos ouvem e em que quase ninguém crê. Parece ilógico, o procedimento, mas ele multiplica-se, pelo que deve ter algum propósito.

No desporto, sobretudo nas “análises” do futebol, os comentaristas inflamam-se, berram, esbugalham-se, “explicam-se” e insultam-se, como se o mundo (mesmo o deles…) dependesse das suas “verdades”. O fenómeno expande-se porque são muitos, e com o mesmo lastro instintivo e cultural, os que vêem tais programas.

Já os protagonistas da política, os próprios e os comentadores arregimentados, prestam-se a idênticos papéis, saltando de programa em programa e de canal em canal, de quantos lhes abrem as portas. Restam alguns com idoneidade e preparação, nas organizações e no meio jornalístico, mas tendem a perder-se na marabunta.

Há ainda os canais que se alimentam de sangue, violência, sexo. Que seria deles se a boa formação morigerasse a apetência dos humanos por impulsos primários?

Aumenta a necessidade de moderação, de esclarecimento, de atenção e de clima propício para dar exemplo e ensinar as crianças.

José Batista d’Ascenção

domingo, 12 de outubro de 2025

O candidato presidencial da minha preferência é António José Seguro

Diferentemente de muitos e grados companheiros de partido, António José Seguro não caucionou o modo de fazer política de José Sócrates.

Soube, com grande dignidade, afastar-se da política partidária quando António Costa o tombou democraticamente da liderança do partido socialista (PS).

É um moderado de convicções que não baixou nem cedeu à prática comum das piruetas políticas de caserna. Gosta de política, desde sempre, e serve-a com dignidade, qualidades que aprecio.

É um homem de atitude afável e humilde, próximo dos cidadãos e atento à realidade social do país.

Não teve privilégios prévios de usufruto de tempo para prédicas televisivas a solo: quis apresentar-se às eleições presidenciais e candidatou-se, como deve ser. 

Alguns elementos cimeiros do seu partido, caso de Santos Silva – que nunca deram pelas falcatruas socráticas – vota(ra)m-lhe um ódio que não esconde(ra)m. Eles lá sabem porquê. É pena que o PS e a sua direcção actual pareçam reféns dessas figuras que se supõem, elas mesmas, de subida (mas na realidade muito relativa) importância política e social.

Homenagem a cidadãos do PS, como Manuel Alegre, que logo viram o óbvio e se declararam apoiantes de António José Seguro, com a clareza de ideias que sempre os caracterizou.

Homenagem ao notável «capitão de Abril», Vasco Lourenço, lutador pela liberdade, que também já lhe manifestou o seu apoio.

Os detractores de António José Seguro acusam-no de personalidade baça e de fragilidade de liderança. A tentativa de depreciação carece de fundamento. Contra-argumentando, nem é preciso notar que personalidades de incomensurável sagacidade política, como Mário Soares, ou malabaristas políticos de cultura e raciocínio brilhantes, como Marcelo Rebelo de Sousa, não impediram o curso da democracia portuguesa em direcção à actual conjuntura partidária e à consequente, e miserável e confrangente, composição e ultrajante praxis da assembleia da república.

Antes aqueles que não se julgam iluminados pelos deuses.

Felicidades, António José Seguro.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A qualidade do pão que comemos

Compro pão diariamente numa grande superfície perto de casa.

Um tal «pão da padeira», que nem sempre foi mau, é agora um pão branquelas, que fatia mal no próprio dia e pior ainda no dia seguinte, com uma textura e sabor que não entusiasmam…

Um outro, “pão de Rio Maior”, é massudo, no dia não se come mal, mas torna-se mais denso depois disso, desconsola e nem a cortar se presta.

A variedade “pão alentejano”, de pão alentejano tradicional da região, que eu ainda saboreei, só tem o nome.

Faz tempo comecei a levar “pão de Mafra”, que um inspirado qualquer desenhou em formato fálico. No dia come-se benzinho e fatia bem, mas, preferia eu que, em vez de investirem no rigor da forma, os executores da receita se aplicassem na qualidade do produto, em que há margem de progressão.

De outro supermercado, paredes meias, levo um pão escurinho, a modos que rústico. Vesiculoso e macio, sabe bem no mesmo dia, mas tem vezes que se enrola ao partir, à frente do gume da faca, ainda que ela corte bem. No dia seguinte já se debulha em migalhos secos e duros, como se fora partido a martelo. Males destes e piores não devem ser só portugueses, porquanto familiar próximo, que vive em Amsterdão, aprecia esta última variedade de pão, por comparação implícita.

Deixo de lado vários tipos de broa do (super)mercado, para não me exceder em negativismo.

Mas não me conformo, reconhecendo embora a justeza daquele ditado antigo, com aplicação atual em demasiados sítios: “pão e fome que bem se come”. Quando há fartura, tornamo-nos mais esquisitos.

José Batista d’Ascenção