Eliseu Silva e Marian Pivka |
Nascido na cidade de Lucenec, na Eslováquia, a 21 de Junho de 1959, o professor Marian Pivka emigrou, há já longos anos, para Portugal, como tantas outras pessoas de Leste, na sequência do desabamento dos regimes políticos afectos à extinta União Soviética. Sobredotado e sobrequalificado em música erudita, especialmente como pianista, em que é exímio, e no ensino de piano, ele como outros na mesma altura, seus conhecidos porque provenientes da mesma origem, e com habilitações similares, como é o caso do professor Oleg Martirosov, magnífico violinista, director musical e também professor - o qual, certo dia, classificou Marian Pivka como um «génio do piano» -, fixaram-se no norte do nosso país, onde facilmente começaram a leccionar música. O professor Marian Pivka tem ensinado em várias cidades portuguesas, como Braga, Guimarães, Famalicão, Santo Tirso e no Porto. A sua devoção ao piano era tamanha que nunca se cansava de ensinar as crianças, sobretudo quando detectava nelas capacidades acima da média. Muito dedicado, paciente e persistente, com ouvido absoluto, repetia vezes sem conta os passos musicais em que os miúdos eram menos rigorosos e impressionava vê-lo ir ao piano repetir o som que o aluno tirava, às vezes uma dissonância pouco perceptível a ouvidos menos exigentes, e contrastá-la nitidamente com o som correcto que extraía maravilhosamente do instrumento. Quando, de pé ou sentado, escutava um aluno a tocar, era como se, para ele, todo o mundo estivesse concentrado na música, seguindo e assinalando qualquer passo menos conseguido. E quando o discípulo finalmente tocava a peça sem erros, de forma límpida e escorreita, dava gosto ouvi-lo dizer, na sua linguagem muito expressiva e cheia de graça, devido à pronúncia e concordância gramatical estrangeiradas: «foi bem!»
Sofrimento, para o professor Pivka, na sua amada profissão, era ter que ensinar pessoas que não reuniam condições para poderem tocar bem piano. Não que, na sua sensibilidade, o afirmasse com descortesia, mas foi o que sempre me pareceu que nele francamente transparecia. Ao invés, era com uma simplicidade tocante que perguntava às crianças, bem pequenas, algumas: «queres ser pianista?», e ficava imensamente satisfeito quando nos meninos despertava a paixão por aquele magnífico instrumento. Sei também que não o entusiasmavam as aulas que, por dever de ofício, tinha que dar a pessoas que, em escolas, ensinavam música e o procuravam para aperfeiçoarem a sua técnica em piano.
O professor Pivka seguia tão atentamente os seus alunos que era costume perguntar «quanto tempo treina em casa?» ou observava, relativamente a certo aluno, «se F. pudesse estudar quatro horas por dia…», sendo que esse aluno, em casa, autonomamente, nunca terá tocado mais de uma hora seguida, se tanto. E gostava muito que alunos seus participassem em concursos de piano, de quanta mais qualidade melhor. Por mais que uma vez acompanhei um desses alunos a S. Sebastian, no País Basco, onde, perante outras crianças de muitas nacionalidades diferentes, havia sempre alunos do professor Pivka classificados em lugares de destaque, incluindo o primeiro. Nessas alturas, no estrangeiro como em Portugal, impressionava o cuidado que punha em que os alunos tivessem sempre acesso a pianos onde pudessem ensaiar, bem como as recomendações de que era muito importante os meninos terem as mãos quentes, sugerindo, sempre que o entendia, o uso de luvas. Durante as audições, ficava horas a ouvir todos os concorrentes e adivinhava as classificações, nalguns casos discordando do júri e justificando admiravelmente o porquê da sua discordância.
Dispenso-me de referir o currículo do professor Marian Pivka, os prémios que ganhou em concursos ou a série de países onde já deu recitais de piano ou tocou com outros músicos, em concertos ou com orquestras, por não ser um crítico de música, dada a falta de habilitações… Limito-me a salientar a sua vontade firme de aprender, quando criança, a admiração pela sua principal professora de piano (B. Smetana), que terá tomado como exemplo, o cuidado e o rigor que põe em ensinar e a superior qualidade com que toca. Acrescento, a propósito, que, no passado dia 27 de Janeiro fui ouvir o “Duo Paris Deuxbut”, ao grande auditório da «Casa das Artes» de Famalicão e pude disfrutar de duas excelentes horas de música de Bach, Mozart, Beethoven, Granados, Liszt e Piazzolla, por dois virtuosos: Eliseu Silva no violino e Marian Pivka no piano. Com uma assistência razoável, completamente rendida, os aplausos foram muitos, e quando, no final das peças só para piano, as palmas ressoavam fortes, insistentes e prolongadas, tocava o coração o modo humilde como M. Pivka retornava ao palco, não passando além da cortina lateral, como se lhe custasse ouvir apoios que não se destinassem também ao seu par violinista, que, igualmente, os mereceu.
Pelo que antes disse, este apontamento tem apenas a intenção de, singelamente, homenagear o pianista, o professor de piano e a pessoa singularmente boa que é o Professor Marian Pivka, um ser humano especial que me parece que só pode ser feliz caso não permaneça muitas horas afastado de um bom piano. Seguramente, os seus alunos hoje pianistas (Pedro Emanuel Pereira, Pedro Gomes e André Silvestre, para referir os mais destacados) saberão honrar, por muitos e longos anos, os ensinamentos do «Mestre».
Ao Professor Marian Pivka, um muito OBRIGADO.
José Batista d’Ascenção