Aos domingos, a partir do meio da manhã, tenho encontro marcado no café com um grupo de amigos, todos professores. O assunto da conversa é variável e não programado, incidindo especialmente sobre o ensino (ou a falta dele), a situação política e o futebol, entre outros temas que venham à baila ou que estejam na berra no momento.
O Antão é o nosso especialista em finanças e impostos, esclarecendo e prevenindo todos e cada um, em momentos oportunos. É também um benfiquista fervoroso, fazendo análises sobre a equipa do seu clube e as restantes, empolgando-se, por vezes, na demonstração enfática dos seus pontos de vista.
O Armando é um sportinguista leve, agora a tender mais para o sporting de Braga, capaz de tiradas irónicas sobre qualquer clube, porventura mais dirigidas aos «encarnados», o que já levou o Antão a classificá-lo como “sportinguista com riscas azuis”. Assunto desportivo de que também sabe muito e gosta é o hóquei em patins.
O Bastos é um portista irrepreensível, pondo tanto gosto no seu clube quanta a isenção com que olha para árbitros e arbitragens e para as restantes equipas. É ele que habitualmente me dirige a pergunta: «olhe, e o ensino?», com que abrimos as hostilidades em matéria relativa às escolas, onde o ácido das minhas opiniões é, de longe, o mais corrosivo de todos. Aposentado há uma dúzia de anos, guarda memórias de ainda antes do 25 de Abril, quando começou a sua vida de distinto professor de português/francês. E sabe, como nenhum de nós, comparar o que tem sido a evolução da vida dos professores, desde há longas décadas, independentemente de quem está, mais ou menos inutilmente, à frente do ministério da educação. Um assunto que, por vezes, traz à colação, é o da guerra colonial, em que foi obrigado a participar, na Guiné-Bissau. Nunca me canso de o ouvir sobre esse ou outros assuntos. Aliás, é a única pessoa que conheço que fala serenamente da guerra em que foi protagonista. Tem, como eu e todos os que se formaram na Universidade de Coimbra, uma paixão pela “lusa Atenas”, onde já fomos, mais que uma vez, e havemos de voltar, em romagem sentida.
O David tem sido um “faltista” impenitente aos nossos encontros de domingo. Como castigo, não adianto nada sobre ele, por agora.
O Domingos aparece às vezes, conversa agradavelmente e sabe muito de filosofia e de carros, tanto que demora anos a trocar de automóvel, por via das muitas dúvidas que precisa esclarecer sobre os mais diversos pormenores dos veículos e respectivos preços. Este é o retrato sumário que faço dele, influenciado pelas apreciações do Antão.
O Luís, em parte por causa dos seus compromissos editoriais, chega sempre próximo da hora do almoço, com algum dito na manga. Natural de Paredes de Coura, traz-nos às vezes certos regionalismos daquela vila, que faz gosto em explicar. Graças a ele ficámos a saber, por exemplo, que «bocanho» (1) é o intervalo [de tempo] entre duas «treichas» (2) e que «treicha» é o tempo que decorre entre dois «bocanhos». É um benfiquista meticuloso, capaz de referir a ocorrência de pormenores tão completos e tão precisos que põe fora de combate portistas ou sportinguistas ferrenhos, particularmente se eles não têm grande memória dos jogos, esclarecendo depois, com divertimento, os menos radicais, sobre se tais pormenores eram reais ou fictícios…
O Toni é adepto do Guimarães, o clube que – assegura - é o melhor do mundo, só assim não sendo considerado por quem não comunga do sentimento dele. Habitualmente, chega às nossas sessões atrasado, mas tem sempre a delicadeza de lembrar que, sentindo-se importante na nossa companhia, ninguém precisa de se levantar só porque ele chegou…
E eu, que não sei falar de mim, convivo, divirto-me e aprendo com estes meus amigos, certo de que conversar é uma das melhores maneiras de sentir a amizade e de esconjurar a solidão.
Obrigado, Amigos. E até domingo.
José Batista d’Ascenção
Apostilas:
(1) Treicha ou treichada – bátega de água.
(2) Bocanho – aberta em dias chuvosos.
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