Extracto de um texto intitulado «As pedras e as palavras», gentilmente cedido pelo Professor Galopim de Carvalho, que muito se agradece. Por motivos de extensão, publica-se apenas a segunda parte, relativa «às palavras»
As palavras, usei-as à saciedade, faladas e escritas, como professor na Universidade de Lisboa, durante quarto décadas, iniciadas como assistente no Departamento de Mineralogia e Geologia, num tempo em que se lhe exigia habilitações em todas as matérias curriculares da licenciatura, da Cristalografia à Paleontologia, passando pelas Petrologias, Estratigrafia e Geo-história, Geodinâmica Interna, Geomorfologia e outras. Usei-as ainda, e muito, por todo o país e no estrangeiro, em Escolas, Bibliotecas, Museus, Centros Culturais, Associações Científicas, Sociedades Recreativas, como cidadão empenhado na divulgação científica, na defesa e valorização da Geologia e da profissão de geólogo, bem como na salvaguarda do nosso património geológico e paleontológico. Herméticas quando lhes desconhecemos o significado, as palavras abrem-se-nos de imediato à compreensão se lhes descodificarmos os elementos constituintes, sendo este um dos papéis do professor e do divulgador.
A palavra é uma característica exclusivamente humana, que nos distingue dos restantes animais a que, de um modo demasiado simplista, adjectivamos de irracionais. Sabemos hoje que este nosso dom reside nos escassos pontos percentuais que nos distanciam do código genético do chimpanzé. Porque não aproveitar, então, essa capacidade e fruir os bens que o saber nos oferece? Façamos, pois, o jogo das palavras e vejamos como ele nos abre a uma melhor compreensão do Mundo.
Enquanto falada, a palavra é um conjunto de sons que, salvo excepções, define um e por vezes mais objectos ou ideias. Os estudiosos destas matérias admitem que a postura erecta dos hominídeos, a libertação das mãos (especialmente adaptadas à vida arborícola pelos seus avoengos primatas) e a utilização destas no talhe e no uso de instrumentos conduziram ao aumento de volume do cérebro e ao seu desenvolvimento em termos de complexidade. Assim, a possibilidade física de emitir mensagens sonoras, aceites como rudimentos de palavras, pressupõe a aquisição de uma capacidade intelectual e de uma outra, físiológica, ao nível do aparelho fonador, susceptíveis de conceber símbolos expressivos transformáveis em emissões vocais. Uma tal possibilidade pode, ainda, ter surgido quando os nosso primitivos antepassados começaram cooperar entre si, adaptando formas de comunicação baseadas não só em expressões gestuais, mas também nas citadas emissões vocais. Impossíveis de confirmar, as opiniões sobre o início desta etapa da hominização variam entre as que a aceitam associada ao aparecimento do género humano, há cerca de 2.500.000 anos, até às que a apontam como uma conquista do homem moderno, há menos de 100.000 anos.
Usada com marco divisório entre a a Pré-história e a História, a palavra escrita é um conjunto de símbolos gráficos ou grafemas susceptíveis de exprimir uma e, por vezes, mais ideias, registados num suporte material (barro, pedra, tela, papel, meio electrónico, etc.). Na nossa cultura, em que a grafia é alfabética, a palavra escrita é convertível na articulação de sons ou grupos de sons que reproduzem a palavra falada. Surgida há cerca de 5000 anos, na Mesopotâmia, acredita-se que por engenho dos sumérios, a palavra escrita desenvolveu-se como uma outra via de comunicação que, embora de uso muitíssimo mais restrito, possibilitou ao homem divulgar os seus conhecimentos muito para além do seu espaço geográfico e do tempo. São múltiplos os factores envolvidos na criação deste passo importante na civilização, e um deles foi o surgimento das cidades, como exigência do progresso da economia e da sociedade.
A. M. Galopim de Carvalho.
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