No dia 07 deste mês, no jornal «Público», Frei Bento Domingues faz incidir o seu artigo habitual de domingo sobre a tragédia dos incêndios em Portugal. E fá-lo com muita clareza e pertinência, segundo julgo. Nesse artigo Frei Bento Domingues diz «voltarei ao assunto», motivo por que esperei pelo jornal de hoje, curioso sobre o tema. Mas aquele «voltarei» não indica quando, e o tema de que se ocupa nesta data é outro. Aguardarei.
Não deixo, no entanto, de registar o que, nesta matéria, propõe aquele membro do clero, tão sensível e preocupado quanto lúcido e prático. Depois de apelar a um envolvimento da igreja, de toda a igreja, a exemplo do Papa Francisco, nesse documento ecológico que é a encíclica Laudato Si (livro de leitura obrigatória para todos os professores de ciências naturais, em minha opinião), em que se acentua «a responsabilidade de todos no cuidado da Casa comum», Frei Bento Domingues pergunta, relativamente ao tema, que acções ou iniciativas desenvolve(ra)m os bispos nas suas dioceses, os párocos nas suas paróquias e que fizeram os responsáveis pela orientação ecológica da catequese e quais são os programas dos colégios católicos, da Universidade Católica, dos movimentos diocesanos, da Rádio Renascença e das congregações religiosas, finalizando do seguinte modo:
«Aqui vai uma sugestão que precisa de diferentes desenvolvimentos. Começaria por desenhar, com alertas bem visíveis, em cada lugar, um mapa que assinalasse o que é urgente e possível fazer já, ao nível da prevenção, pelas próprias populações, com a ajuda do poder local, regional ou nacional, se for o caso. Nesta sugestão, ao referir em cada local, é para se ter, de norte a sul do país, todo o território marcado de tal forma que não se continue com a conversa fiada sobre o nosso crónico défice democrático. Como fazer? Voltarei ao assunto, mas a prática para que este texto aponta não precisa de esperar.»
A meio da semana, quarta-feira, dia 10, no telejornal do Canal 1 da RTP, pude ver e ouvir, de fugida, vários autarcas queixando-se do que entendem ser a transferência de responsabilidades do governo para si próprios, quando lhes falta dinheiro (sempre a mesma ideia, a de atirar dinheiro para cima dos problemas, que não é mais nem diferente do que o que inutilmente se tem feito até agora) e tempo. Acontece que os autarcas têm precisamente nesta matéria uma enorme responsabilidade que nunca vi nenhum assumir. E têm-na na sua condição de autarcas e na de membros formais dos organismos da «protecção civil» que, nas zonas do interior florestal, têm sido praticamente inúteis. Por outro lado, gastam-se enormes quantias em rotundas, não raras vezes enfeitadas com «obras de arte» de gosto questionável e dispendiosas, em festas mais ou menos comicieiras e excursões (gratuitas!) com os mesmos objectivos, mas não se limpam os matos que quase cobrem as habitações de velhinhos solitários e desprotegidos ou fazem de estradas e caminhos túneis de vegetação meia seca meia verde, à espera de uma chispa de lume… O papel destes autarcas deve (também) incidir no envolvimento e responsabilização das pessoas, designadamente os proprietários de fracções florestais ou de terrenos incultos próximos de habitações, nas acções de limpeza e no ordenamento que é preciso executar.
Na sexta-feira, 12, à noite, ouvi palavras do ministro da administração, na rádio Antena 1, referindo a necessidade de tempo (creio que falou em dois anos) para se fazer toda a prevenção desejável.
Nesta matéria convém que as populações sejam chamadas à sua imprescindível participação e que os autarcas, a «protecção civil» e o governo não se especializem em empurrar responsabilidades uns para os outros e que todos façam(os) alguma coisa mais efectiva. E não vejo nada de mais necessário do que proceder, primeiro, a acções de limpeza nos sítios identificados como mais perigosos e prioritários, ao uso de fogo controlado (que os bombeiros devem estar capacitados e autorizados a realizar), nos casos necessários, e depois, à actualização dos cadastros dos terrenos e ao ordenamento florestal.
Desgraçadamente, no próximo Verão o que ardeu no Verão passado não oferece perigo. Mas não podemos viver irresponsavelmente como o temos feito nas últimas quatro décadas. Tudo o que gastámos a tentar combater incêndios creio que daria para termos as nossas aldeias e cidades protegidas e tínhamos ainda a riqueza dos produtos florestais e da qualidade do ar e da paisagem.
Ainda vamos a tempo de fazer muito antes do Verão. Há muito que devíamos ter começado, mas cada dia que passa é menos um dia que temos para cuidarmos de nós e dos que hão-de vir.
Não nos resta outro caminho.
José Batista d’Ascenção
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