Em Portugal, país com grandes áreas de floresta, que foi variando ao longo dos tempos, (mesmo considerando apenas o período após a sua fundação), temos na actualidade uma má relação com as árvores seja qual for o espaço em que crescem, desde os exemplares que escolhemos para os jardins das nossas casas às espécies que plantamos em meio urbano e muito especialmente à maneira como (não) olhamos (para) o coberto florestal. Creio que a origem do problema radica no facto de não conhecermos «A vida Secreta das Árvores». E esta dificuldade decorre em grande parte de outra, qual seja a pouca apetência e curiosidade pela leitura dos mais variados temas, se exceptuarmos os títulos relativos a questiúnculas do «pontapé na bola».
Pois a minha amiga Adelaide Abreu mostrava-me há dias o seu entusiasmo pela leitura de um livro escrito por um guarda-florestal alemão chamado Peter Wohlleben, com o título que se pode ler na figura ao lado. A edição é da «Pergaminho» e foi traduzida por João Henriques, com a chancela da Bertrand Editora, Lda, em 2016. Peter Wohlleben é o responsável por um «antigo e maravilhoso bosque» do município de Hümmel, no sudoeste da Alemanha. Claro que fiquei com água na boca, pelo que a minha amiga logo me fez chegar o livro, que não tardei a ler.
O conhecimento de Peter Wohlleben sobre árvores e sobre os ecossistemas de floresta, talvez seja apenas ultrapassado pelo amor e zelo que lhes devota e pelo respeito que julga (e bem) que merecem. O autor põe as árvores a «sentir dor», a ter algum tipo de «memória», a «aprender», a «ter medo», a «gritar», etc. Não se pense, no entanto, que é escrita fantasiosa, o próprio autor esclarece: «inteligência, capacidade de memória e emoções nas árvores é atualmente posta em causa pela maioria dos investigadores botânicos» (pág. 88). Mas percebe-se que há ali um conhecimento profundo da fisiologia vegetal, embora sem recurso aos pesados termos da ciência (excepto uma ou outra designação científica em latim de espécies de seres vivos), como convém a um livro que se destina ao grande público, mas deixando tudo bem explicadinho, em termos claros, simples, e… cativantes. Nada li neste livro que contrarie os conhecimentos científicos que adquiri na minha formação académica e que vou actualizando conforme posso.
Peter Wohlleben diz que «as árvores da floresta são seres sociais» (pág. 11), que comunicam entre si, pelo contacto das raízes, e, sendo da mesma espécie, alimentam as que estejam em estado de necessidade, assim como protegem e controlam as jovens descendentes sob a sua copa; e comunicam e actuam também pelo ar, libertando substâncias químicas com várias funções: alertar outras para a presença de pragas, eliminar micróbios indesejáveis, repelir insectos [o espaço debaixo da copa de uma nogueira é bom para instalar um banco de jardim, «pois é o local com menor probabilidade de se ser mordido por mosquitos» (pág. 162)], etc. As plantas são também capazes de estabelecer simbioses com outros seres como é o caso dos fungos, alguns dos quais, no solo florestal, «funcionam como a fibra óptica na internet» (pág. 19, ideia repetida na pág. 59), pois que «um único fungo é capaz de se expandir por vários quilómetros quadrados, interligando florestas inteiras» (pág. 19). Lição por demais sabida, mas nunca suficientemente enfatizada, é a da floresta como ecossistema complexo e denso de biomassa e de diversidade, acima e abaixo do solo. É no solo «que se encontra metade da biomassa de uma floresta. (…) Uma única colher de chá de um solo tem mais de um quilómetro de filamentos fúngicos» (pág. 91). … «A maior árvore do parque nacional da floresta bávara, com 600 anos, 52 metros de altura, 2 metros de diâmetro à altura do peito, tinha na sua copa 2041 animais de 257 espécies» (pág. 137).
Grandes captadoras de luz, fonte de energia para produzirem alimento e madeira, num processo conhecido por fotossíntese, é muito importante a possibilidade e o modo de exposição ao sol e o somatório da superfície das folhas, razão por que uma árvore caducifólia pode ter uma «enorme superfície folhosa de 1200 m2» (pág. 146). No processo fotossíntético liberta-se oxigénio molecular (O2), gás fundamental para a respiração dos animais (e das próprias plantas): «Num dia de Verão, as árvores libertam 10 000 kg de O2 por km2. Tendo em conta que cada pessoa utiliza 1 kg por dia, isso chega para abastecer 10 000 pessoas.» (pág. 223). Fundamentais para o sustento dos animais, de que são alimento por via directa ou indirecta (os carnívoros ou comem herbívoros ou comem carnívoros que comeram herbíboros…) e fonte de oxigénio, as árvores são também importantes factores de saúde [«O ar em jovens bosques de pinheiros é quase isento de germes, devido às fitoncidas libertadas pelas agulhas» (pág. 162); «há verificação científica de que a pressão arterial de quem passeia pela floresta sobe debaixo de coníferas e, pelo contrário, baixa em zonas de carvalhos» (pág. 222)]; as árvores são ainda e sempre factores de embelezamento e harmonia do ambiente e estímulo ou travão para a ocorrência de incêndios [«As (…) caducifólias não se deixam atear, pois a sua madeira não contém resina ou óleos essenciais. (…) Os sobreiros em Portugal ou em Espanha» (…) têm casca grossa que «protege do calor de fogos de superfície, permitindo que os rebentos que estão por baixo voltem mais tarde a brotar.» (pág. 208).
Muito rico, este livro, e com algumas surpresas: … «quanto mais velhas são as árvores, mais depressa elas crescem. (…) O lema de rejuvenescer as florestas para vitalizá-las deve ser no mínimo considerado falacioso», pelo que, «caso desejemos utilizar as florestas como meio de combate contra as alterações climáticas, então devemos deixá-las envelhecer». (pág. 103). Relacionado com factores do clima, é referido que «as florestas de coníferas do hemisfério norte libertam terpenos que originalmente funcionavam como defesa contra parasitas. Quando estas moléculas chegam à atmosfera, a humidade condensa-se nelas, o que faz com que se formem nuvens»… (págs 112-113).
Lá mais para o fim, um exemplo a seguir para não deixar morrer a esperança: «Existe entre os partidos alemães o consenso de que pelo menos 5% dos bosques devem ser deixados em paz, para que deles possam surgir as florestas ancestrais do futuro» (pág. 233). Tenho dúvidas se cá por Portugal alguma vez se terá falado em tal matéria nas conversações entre partidos ou no parlamento.
E a terminar, nos agradecimentos, a chave de muitos problemas, em frase que adapto: «Só quem conhece bem os segredos das árvores será capaz de as proteger» (pág. 245).
Ah, se houvesse em Portugal guardas das florestas como este!
Mas nem serviços florestais temos. E, curiosamente, já tivemos…
José Batista d’Ascenção
Adenda: O que fica escrito é apenas um pequeno conjunto de impressões subjectivas sobre um livro que (me) agradou. Os motivos de interesse e de curiosidade são muitos e muito interessantes. A riqueza profunda da obra só é apreendida por quem a ler na íntegra.