Imagem do rio Cávado. Foto de José António Barbosa. Novembro de 2017 |
Dias como o de hoje, pela sua luz e amenidade, vencido que está o meio de Fevereiro, e depois de uns dias cinzentos e húmidos, aqui na cidade onde moro, fazem pensar na Primavera que se aproxima e são um estímulo a apreciar a Natureza, sentindo-nos parte dela, e, ao mesmo tempo, a pensar em nós, na nossa vida, nos que trazemos no peito, no que nos é próximo e na nossa maior ou menor comunhão com o mundo.
Esta manhã, a margem do Cávado, onde fiz o meu humilde exercício, estava tão luminosa e bela e serena, que nem a música dos pássaros, que ali ainda há muitos, além de outros bichos, mas esses silenciosos e discretos, desafinava da placidez de todo o ambiente e da paz de espírito que proporcionava. Por quanto tempo aquele lugar e aquela paisagem vão ser mantidos e cuidados assim, hoje não me assustou particularmente, como se a desmesura de harmonia e beleza do sítio, sob um manto de luz benfazeja do sol, fosse indestrutível e intemporal só por existir assim e assim poder ser maravilhosamente contemplada. Como se a fugacidade do tempo e a alterabilidade do espírito não afectassem a importância subjectivamente vivida daqueles momentos, naquelas circunstâncias e naquele local.
Fiquei assim, hoje. Os filhos vão bem, como (me) dizem sempre? Os netos, quando vierem (eu espero, expectante) hão-de ser cheios de energia e de esperança e de condições de viver (como gostaria)? Os familiares próximos, especialmente os de mais idade, em quem os cancros lavram e obrigam à luta, nalguns casos já muito desigual, vão curar-se (como me é tão necessário) ou resistir por quanto tempo? E aquelas pessoas de idade avançada a quem muito quero e que me são tão imprescindíveis, e que tomo como referência e exemplo, quanto tempo ainda vão poder continuar a inspirar e ajudar (efectivamente) pessoas como eu? A minha importância comparada com a delas é quase nenhuma. Elas fazem muita falta. Eu só faço falta a umas quantas pessoas, entre familiares e amigos, que me têm no peito (e como eu me sinto bem lá, dentro do peito delas), mas muitas pessoas (até sem emprego) podiam fazer o trabalho que eu faço (e melhor do que eu), e nada faço a ninguém nem por ninguém de verdadeiramente imprescindível que outros não pudessem fazer. Certo que aquelas pessoas deixam aos vindouros uma obra que continuará a ser útil e bela, mas se partirem antes de mim, fico como que perdido e desprotegido e, de algum modo, órfão. Isto normalmente perturba-me, mas hoje consigo escrevê-lo sem dificuldade.
O mundo das coisas e das pessoas é belo (muito belo) com reversos (quase permanentes) incrivelmente assustadores e feios. É injusto quase sempre, mas, de quando em vez, recto e imparcial. As pessoas são a consciência (humana) do mundo (tanto quanto podemos saber, por enquanto…) e o problema (sentido) do mundo (na realidade são apenas o problema de si próprias e/ou dos seus semelhantes). Progredimos? Temos progredido e muito. Mas o progresso não tem aproveitado a todos nem (muitas vezes) à maioria. E até onde vamos? Ou para onde vamos? Nem sequer sabemos bem como vamos… Como não sabemos racionalmente de onde viemos nem sabemos exactamente o que somos.
Mas hoje, estas e outras perguntas, tendo-me ocorrido, não me atormentaram (até agora). Creio que por ter sido um dia de sol.
Às vezes é intensamente grato e bom e belo viver. Cabe-nos pugnar por isso até ao limite e partilhá-lo, por prazer e por dever ético.
José Batista d’Ascenção
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