A vista do Castelo de Montemor-o-Velho, na aproximação pelo Poente (estrada nacional 111), sempre me maravilhou. Desta vez fiz-lhe um retrato, com as limitações do meu talento fotográfico somadas às do humilde telemóvel que tenho há vários anos. O produto está ao lado. Da estrada vi, demoradamente visto, o monumento. Do seu interior tentei captar a extensão e a beleza dos campos de arroz, que sempre tocou a minha sensibilidade, de onde quer que os olhasse, ali ou noutro lugar qualquer.
Do concelho de Montemor-o-Velho, carregado de História, guardo outras memórias boas. Na primeira metade da década de oitenta do século XX, tive o privilégio, eu e os meus colegas do curso de Biologia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, de ir em visita de estudo ao Paul de Arzila, sob a orientação conjunta do Professor de Ecologia Animal – o Professor Ferrand Almeida e do Professor de Plantas Vasculares, de Anatomia Vegetal e, sobretudo, de outros saberes informais não menos importantes, como ambientalismo (fundamentado), cidadania, camaradagem e cultura geral – o Professor Jorge Paiva. Lá voltaríamos mais do que uma vez, a esse e a outros pontos de interesse. Essas visitas de estudo com o Doutor Paiva, frequentes e diversificadas (que incluíram o Jardim Botânico, os Campos do Mondego, o Choupal, a Mata da Margaraça, o Piódão, o Buçaco, o Gerês…), eram verdadeiramente formativas.
Os pastéis de Tentúgal, doces tradicionais muito conhecidos, como a generalidade dos doces, não são para mim nenhuma perdição. Já a broa de milho branco (branca também, e macia) de Montemor é (para o meu gosto) uma delícia de que abusei dias seguidos este Verão.
Quando, em 2001, as cheias do Mondego submergiram grande área do concelho doeu-me a arrogância do “Homem que sabe” perante as forças na Natureza que ou não haviam sido calculadas com o rigor devido ou a execução das obras de regularização do caudal do rio não cumpriu todos os requisitos desejáveis. Admito que este meu sentimento se devesse, em parte, ao meu gosto antigo por Montemor-o-Velho, de que faço (este ligeiro) registo.
Por fidelidade, registo também um pormenor desconfortante que me persegue nas deambulações pelo meu país: À entrada do Castelo, à ombreira direita, plantava-se uma figura feminina, de meia-idade, que, pela atitude e indumentária, se me afigurou como alguém com défice cognitivo. Pedia. A um olhar que troquei com a Lurdes (a minha mulher) recebi o sinal habitual: devia dar-lhe alguma coisa. Ia levar a mão à carteira quando surge um funcionário a invectivar a mendiga, que não podia permanecer ali, naquela actividade… De olhar vivo, ela lera-me a intenção, mas afastou-se dois metros para o lado de fora. O homem, cumprido o seu dever sem muita convicção, virou costas e perdeu-se no interior. À saída, no mesmo local, surgia a mulher, expedita, ao meu lado, de mão estendida, num rosário de justificações: «só dá quem quer, que mal faço eu aqui?», etc. Em silêncio, mecanicamente, e sem parar, depositei a moeda de euro na palma aberta. Tão desconsolado por tê-lo feito como ficaria se o não fizesse. Em tempos pensei que a democracia no meu país, e a escola, em que depositei grandes esperanças, resolveriam isto. Agora, procuro alento na ideia de que, no tempo dos meus filhos e netos, se possam desvanecer as razões destes sentimentos que permanecem no meu modo de olhar o meu país e os meus concidadãos.
José Batista d’Ascenção
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