terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Nós como instrumento e produto das redes sociais

Leitura perturbadora, a do livro «Dez argumentos para apagar já as contas nas redes sociais», de Jaron Lanier («Ideias de Ler»). Escrita crua, directa, frontal. Argumentos de quem conhece o âmago das redes digitais, porque esteve na sua origem, pertence ao meio e acompanha o seu desenvolvimento e os seus resultados (produtos).

As plataformas digitais destinadas a dar lucros (colossais), não obstante o seu carácter (aparentemente) gratuito, assentam em algoritmos que recolhem, ao segundo, os dados, as preferências, os gostos ou as aversões de cada utilizador. E o que mostram a cada um de nós (o «feed») é seleccionado, direccionado e ajustado a partir dessa informação (monumental) estatisticamente dirigida. Ninguém vê nem sabe (exactamente) o que cada um dos outros vê. Os algoritmos trabalham permanentemente com infinita «paciência», zero cansaço e extraordinária eficácia.

Como os instintos e impulsos negativos vêm à tona muito facilmente, esses algoritmos usam-nos, mais do que às qualidades, para manipular e tornar legiões de utilizadores (reais ou virtuais) sujeitos activos (muito diligentes) dessa manipulação. Ou seja, os dispositivos subjacentes às redes sociais puxam globalmente os seres humanos para baixo. A sociedade, em geral, perde. As influências negativas afectam todos os aspectos das relações humanas, da intimidade à política (como terá acontecido nas votações que elegeram Trump, Bolsonaro e outros).

E, diz o autor, as pessoas dependentes das redes sociais tornam-se, ironicamente, mais solitárias e menos felizes.

Crente nas possibilidades da tecnologia para melhorar as condições de dignidade e liberdade humana, Jaron Lanier defende que, para já, a melhor medida contra o aprisionamento pelas plataformas digitais deste tipo é cada um de nós abandoná-las (a este propósito, refira-se que muitos dos filhos dos «gurus» de «Silicon Valley frequentam escolas Waldorf, as quais, de uma forma geral, proíbem equipamentos electrónicos». (p. 22).

O livro desconcerta, mas alerta.

José Batista d’Ascenção

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