sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Idosos e a dor que dói e se sente

Em Portugal a esperança média de vida é tão longa como nos países com a maior qualidade de vida. Mas há (nisto) uma enorme diferença: enquanto um nórdico vive saudavelmente até poucos meses antes de morrer (em média), um português enfrenta um calvário de dores e desconforto décadas antes de a morte o levar.

Falta-nos qualidade de vida, dependente de variadíssimos factores.

Sobreleva as mazelas que se somam nas terceira e quarta idades, em casos cada vez mais numerosos, a dor da solidão e do desamparo. Muitos idosos vivem sós e contam com… ninguém.

Os lares, os que merecem o nome, quase sempre deixam a desejar. Os que ali entram lúcidos sabem-se na antecâmara física da morte, sentimento reavivado pelos «utentes» que, todas as semanas ou meses, desaparecem do convívio dos residentes.

É a lei da morte, podemos dizer, em condições de suposta inevitabilidade.

As angústias da fase final da vida devem ser insuportáveis para aqueles que, tendo filhos, sentem que lhes pesam, e que os que são carne da sua carne desejam, nem sempre disfarçadamente, alijar esse peso.

As condições da actualidade concorrem para a triste situação dos muitos que atingem a velhice. Entre elas, a educação e o exemplo que (não) estamos a dar às crianças e aos jovens.

O futuro, que é já amanhã, nos trará a conta, que quase todos saldaremos, sem remissão.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Sonhos, seiva, saúde e sociedade

Sonha cada ser humano, a dormir e acordado. Morre cada pessoa, ainda que viva, se não sonha. Sonham as famílias. Sonham as comunidades. Dos sonhos de alguns animais, se existem, pouco ou nada sabemos.

Da comunhão e partilha de sonhos nascem e concretizam-se projectos. Ou não. O balanço subjectivo entre sonhos e realidade, sendo favorável, alimenta a esperança e potencia novos sonhos. Perspectivas e percepções de felicidade ou falta dela podem depender de muito pouco, em pessoas diferentes e na mesma pessoa.

Hoje, quais são, onde andam e como estão os sonhos básicos comuns da humanidade: das crianças, dos jovens e dos adultos?

As qualidades e virtudes dos humanos hão-de redimi-los ou serão submergidos pelos instintos egoístas, pela ignorância e pela estupidez?

A extraordinária tecnologia vai ajudar-nos, globalmente, ou só a alguns, poucos, ou nem mesmo a esses?

Saberá a humanidade lidar positiva e generosamente com os fantásticos poder e capacidades que alcançou?

Porque não nos sentimos mais felizes na actualidade do que no passado de algumas décadas, em que tanto (nos) faltava?

A vida, que estudamos cientificamente, é repleta de perguntas, para as quais não temos respostas. E talvez nunca tenhamos.

Mistérios.

José Batista d’Ascenção

domingo, 22 de setembro de 2024

Políticos distintos para murar

Murar: espreitar ratos para os caçar (capacidade/habilidade dos gatos). “Ratos”, neste caso, são os lugares/funções apetecíveis, em que o escrutínio é difícil ou escasso ou muito diferido e os proventos são tão tentadores quanto imerecidos.

Tais capacidades/habilidades e apetência respeitam aos políticos para elas vocacionados e beneficiam familiares seus, certos amigos e colaboradores. Não são poucos os casos em que filhos jovens desses políticos aparecem em cargos/funções que deviam ser de grande exigência de currículo e competência, nada havendo que os recomende para o seu desempenho, até por falta de experiência. Em contraponto, auferem fartos vencimentos, a que acrescem benesses e compensações, só ao alcance de privilegiados, sem justificação aceitável.

Dir-se-á que a expressão de opiniões e registos como este corresponde a má vontade e populismo contra os políticos, de que se querem os melhores, os quais, por isso, é preciso compensar bem.

Tretas. Na governança do (nosso) país os problemas nunca são resolvidos, os pobres mantêm-se em número e não melhoram a sua condição (excepto alguns dos que emigram…), ao passo que a elite injusta e imerecidamente privilegiada sobrevoa garbosamente a indigência de quase todos.

Estes parece-me serem dos maiores crimes com que os sistemas político e de justiça em Portugal se deviam (pre)ocupar. E o governo, que agora também quer dar caça aos criminosos – disse-o o primeiro-ministro um dia destes -, apesar de a função não caber ao executivo, podia e devia dedicar-se às tarefas da sua obrigação. Isso sim, mas tarda.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Eucaliptugal, meu país para queimar

Quem viaja pelas estradas do centro e norte do país está habituado a não divisar nos horizontes arborizados muito mais que fustes e ramadas esguias em extensões enormes pintadas do verde fusco dos eucaliptos, para além de áreas consideráveis de plantações de árvores jovens da mesma espécie, de cor azulada.

Há poucas décadas não era assim. Depois dos incêndios tenebrosos de 2017 e 2020, a multiplicação espontânea, a partir das sementes infinitas das árvores ardidas, tomou os espaços de uma forma avassaladora.

Entretanto, o país continua desertificado a escassas dezenas de quilómetros do mar, o mato cresce, não há limpeza nem gestão do espaço que devia ser florestal - a monocultura não é propriamente floresta – e, por isso, quando as temperaturas ultrapassam os 35 ºC e a humidade é muito baixa, desencadeiam-se incêndios que, no estado actual do conhecimento e da técnica, não são controláveis.

As zonas rurais, onde eucaliptos e alguns pinheiros com muito mato por baixo, tudo a crescer e a fazer acumular matéria morta combustível no solo, são paióis prontos a deflagrar à mais leve ignição, o que acontece inevitavelmente, por acidente natural ou humano ou por acção intencional.

O estado das coisas é, em bom rigor, criminoso. Os criminosos somos nós, os políticos, do topo à base e vice-versa, e os outros, os que, errada ou hipocritamente, não se julgam ou não se reconhecem nessa condição. Temos os políticos que merecemos.

Nas televisões, vejo frequentemente casas envolvidas por chamas ou em perigo disso, sendo que, nas mesmas envolvências lá estão os sempre presentes eucaliptos e, nalguns casos, pinheiros (bravos). Estas espécies são muito propícias a arder.

Custava alguma coisa estipular na legislação que a sementeira, plantação ou crescimento aleatório de plantas das espécies Eucalyptus globulus e Pinus pinaster não são permitidas a distância mínima (50 m?) das habitações, responsabilizando os donos dos terrenos e as autarquias e permitindo que os habitantes dessas casas possam abatê-las e removê-las?

José Batista d’Ascenção

domingo, 15 de setembro de 2024

A placidez de Setembro

 

Saboreando a quentura da manhã, da mesa da esplanada olho o magnífico carvalho americano à minha frente, e contemplo o verde intenso da folhagem que, dentro de dias, há-de (começar a) matizar-se em tonalidades de vermelho, castanho e amarelo, que muito aprecio.

Esta é a altura do ano em que, no exterior das paredes, mais me dou a olhar ao longe, para, em paz de espírito, afagar sentimentos íntimos.

Como vão filhos e netos, lá longe? Como retomaram o quotidiano da casa, do trabalho e da escolinha? Como vou receber os (meus) alunos, amanhã, e como lhes vou fazer sentir que eles são tão importantes para mim como o vencimento que recebo todos os meses?

Escrevinho isto meia hora antes de os amigos de tertúlia chegarem. Também eles fazem parte do recomeço. Também eles fazem parte da minha normalidade.

O Outono é o meu reinício. Com expectativa e algum receio tomo caminho.

Com ternura, também.

José Batista d’Ascenção