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Faz tempo, depois de muita insistência em casa, lá me dispus ao sempre penoso sacrifício de ir comprar (alguma) roupa. Lembro-me que fiquei algo perplexo quando uma jovem lojista me explicava que certo par de calças de ganga, bastante coçadas e delidas - ela chamava-lhe «pré-lavadas» - para, propositadamente, parecerem velhas, eram mais caras. Porém – insistia a rapariga – atendendo ao meu «estilo», talvez fossem da minha preferência… Ora eu, quando compro roupa, prefiro-a nova, deixando que o tempo e o uso se encarreguem, o mais demoradamente possível, de a fazer velha. Vai daí, com toda a paciência de que fui capaz, esclareci que pretendia comprar roupa nova, com aspecto de nova, precisamente porque a minha era velha. Pareceu-me que deixei a menina baralhada. Para não lhe causar (mais) incómodo, cedi afavelmente à pessoa que me acompanhava, ao sentir que, de modo suave, me pegava no braço, e fomos embora.
A roupa esfarrapada não me causa impressão desfavorável, se me parecer limpa. Talvez isso se deva a ter crescido na presença de e com pessoas que, de tão humildes, e por se ocuparem de trabalhos esforçados, muito mais vezes do que gostariam, andavam rotas.
Hoje, pessoas jovens e menos jovens usam roupas, sobretudo calças de ganga, que foram intencionalmente rasgadas. É moda, dizem-me. Repito, isso não me impressiona. Já me impressiona e desagrada que alguém se espante por eu gostar desse mesmo tipo de calças intactas, bem lavadas e passadas a ferro (o que não significa que as use sempre tal como gostaria).
Em certo sentido, a moda da roupa rota parece-me em harmonia com a condição socio-económica e até mesmo psico-afectiva de grande parte das pessoas do país, que às vezes vejo como um país de esfarrapados (para além de desdentados, uma miséria triste, cuja resolução, por motivos de decência e de saúde não devia ficar muito cara). Com receio, aliás, de que a tendência se possa agravar, em vez de atenuar-se. Medos que eu tenho, e que gostaria que fossem infundados...
Nas nossas comunidades há também quem caracterize certos oferecimentos ilusórios e hipocritamente generosos como «oferecimentos esfarrapados», traduzidos, não raro, pela curiosa formulação: «não queres, pois não?», sem esperar resposta. Também são mais comuns do que o desejável aquelas desculpas que o não são nem poderiam ser e a que apropriadamente se chama «desculpas esfarrapadas».
Procurando não passar da condição de mal amanhado para a de esfarrapado, dou comigo a pensar: será que ainda vou andar (involuntariamente) na moda?
José Batista d’Ascenção
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