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Diferentemente da generalidade das pessoas, sempre associei o termo «velho», quando aplicado a pessoas, à ideia de sabedoria, experiência, maturidade, compreensão, generosidade, ternura e, nalguns casos, beatitude. Assim me ensinaram em criança e cedo o interiorizei. Por isso, mais que os conselhos, avisos, ordens ou repreensões dos meus pais, eram as palavras dos meus avós que eu ouvia, senão com mais respeito, pelo menos com maior reverência. São as considerações (normalmente curtas) do meu avô, ou os ditos da minha avó (os maternos, que o avô paterno morreu bastante mais cedo e a avó, que foi a sua mulher, já não a conheci) que sempre me acompanharam e que, amiúde, evoco nas mais variadas situações.
O que viria a encontrar depois, ao longo da vida, foi um certo horror à palavra «velha(o)», como se a mesma fosse um insulto, a contrario da minha escala de valores. Lá na aldeia onde nasci e fiz a escola primária, não eram só as pessoas que, sendo velhas, eram especialmente estimáveis. Também beneficiavam dessa condição os animais a quem a idade pesava, os quais requeriam atenção e cuidados específicos (certo que a beleza e a graça das crias jovens e a sua capacidade de brincar eram um deleite, mas até isso – aprendíamos nós – dependia da presença próxima dos progenitores, mais velhos), as coisas ou objectos (vinho velho e novo ou o queijo podiam ser bons por motivos opostos em questão de idade; os sapatos mais usados, sem serem demasiado velhos, eram preferíveis ao novos que, frequentemente, «mordiam» os pés; havia também quem se afeiçoasse a roupas com algum uso por oposição aos fatos novos, ditos «domingueiros», até pelo receio e preocupação de os não sujar excessivamente ou danificar… Que tempos!) e até às plantas se podia aplicar critério parecido: só as mais crescidas (mais velhas) podiam dar-nos a beleza abundante das flores e o prazer e o proveito dos frutos, assim como a sombra no Verão e a harmonia da paisagem. Nas relações familiares e sociais (e na tropa!) havia mesmo um ditado, bastante discutível, mas com um certo fundo verdadeiro, que afirmava que «a velhice é um posto».
Hoje, com a idade de várias décadas, percebo a falta de energia, as falhas de visão ou de memória, o desconforto físico e as dores, assim como a consciência da fragilidade e da morte mais próxima no tempo; e olho mais vezes para o que passou por comparação com o que eventualmente surgirá no futuro, que perspectivo com alguns receios. Porém, vivo a progressão na ou para a decrepitude com a angústia da degradação do corpo e do espírito, mais que a da finitude da vida. E julgo perceber bem o modo como Jorge Amado um dia classificou a velhice… Creio, de resto, que, uma vez que, em média, vamos vivendo cada vez mais, maior pode ser, por várias razões, a tendência para haver autodescontentamento das pessoas com o estado de idade avançada.
No entanto, sentindo-me já velho, em muitos aspectos (de mais a mais, sinto-me bem na companhia de pessoas mais velhas, prefiro as suas conversas às de muita gente mais nova, aprecio o à-vontade e franqueza de quem já viveu muito e comungo facilmente das suas perspectivas de vida, ou da falta delas...), isso não me perturba nem me desgosta. É em mim muito forte a convicção de que as pessoas muito interessantes, normalmente, tornam-se mais interessantes ainda com os anos, à medida que envelhecem, e parece-me que não o seriam tanto sem o avançar da idade, que dá têmpera, capacidade de reflexão e serenidade: estou a lembrar-me das conversas de Agostinho da Silva, de certos escritos diários de Miguel Esteves Cardoso ou dos abraços de Marcelo Rebelo de Sousa. Na minha maneira de sentir, sem querer chamar-lhes velhos, só pode falar, escrever ou abraçar assim quem tem uma compreensão profunda da vida e do mundo, o que – a meu ver – equivale a ter vivido muito, e daí o meu carinho pelos velhos.
Ao contrário, há crianças e jovens que me parecem «velhos» naquele sentido pejorativo que não partilho, e pessoas de idade que são «velhas» no bom sentido que dou ao termo, e perante as quais me curvo reconhecido. A esses chamo afectuosamente «os meus velhos». Isto não obsta a que goste muito de crianças e jovens, em si mesmos e na esperança de que cheguem a «velhos», compensando o mundo pelo que o mundo lhes deu.
Também na literatura, um dos livros cuja leitura mais me marcou foi «O Velho e o Mar» de Ernest Hemingway, pela obra que é e pelas razões que referi.
Obrigado, «meus velhos».
José Batista d’Ascenção
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