domingo, 26 de janeiro de 2025

Inteligência artificial e (boa?...) literatura

Acabei de ler o livro «As Filhas do Capitão», de María Dueñas, editado pela «Porto Editora» (2019). É um livro grande (574 pgs), que se lê com interesse, embora não seja uma obra-prima. Abrange 105 capítulos que, em minha opinião, podiam, sem prejuízo, reduzir-se a metade. Durante a leitura, notei a ocorrência de frases algo abstrusas ou de construção inabitual («o único que viu foi a mãe e as duas irmãs», p 95; «o único que eu quero», [com o significado de «a única coisa que eu quero»], p 117; «falavam como leitos desbocados», p120; «bigode historiado», p 135; «aspeto que ambas transpareciam», p 140; «largue-se daqui!» [no sentido de «saia!» ou «desapareça!»), p. 167; «um peitoril de desculpas serviu para se escapulir», p 305; «a caída de um pano», p 392; etc). Fui verificar quem seria o(a) tradutor(a). Não é indicado(a). Admito que a tradução tenha sido feita com recurso a algum programa informático. Esta suposição reforça em mim a ideia de que as ferramentas digitais deste e doutros tipos ainda têm um caminho mais ou menos longo a percorrer.

A leitura desta obra, de cuja honestidade não duvido, fez-me saltar (é o termo) para a importância que (me parece que) a inteligência artificial generativa tem em tudo o que hodiernamente se vai fazendo, a literatura incluída, naturalmente. Não são precisos muitos dados e especificações para que, quase instantaneamente, um programa de inteligência artificial faça o esquisso de um romance sobre qualquer tema, mais ou menos imbricado e de «ossatura» preenchida pelo enredo, de modo original, a gosto do suposto autor. Depois de pronto e posto à venda, grande parte do público-alvo efectivo não dará por nada. E pode até gostar muito e recomendar.

Isto é bom? Isto é mau? Provavelmente passará a ser (ou já é) tão comum que nem precisa de ser assumido, o que, de qualquer modo, muitos não fariam. 

Seja como for, por mim prefiro os clássicos, cujas obras nasceram exclusivamente do talento dos seus autores, por meio de intenso labor.

Pena que, agora, até esses sejam sujeitos à poda que censores modernos lhes aplicam, a pretexto de os expurgar dos conteúdos e ideias que julgam inaceitáveis, como se os leitores interessados fossem menos inteligentes do que são.

José Batista d’Ascenção

Sem comentários :

Enviar um comentário