Pisco-de-peito-ruivo - a ave injustamente tratada no texto. Imagem da Wikipédia |
Conta-se que, em dia de calmaria, certo pisco, com precisão de comer, conseguiu capturar duas moscas de uma vez só, porque, em acto de acasalamento, uma se encavalitava na outra dificultando a fuga de ambas. Para o pisco foi um golpe de sorte: juntara-se a fome com a vontade de comer com a disponibilidade de uma refeição substancial.
Saciada, a ave procurou de beber e a seguir quedou-se em saborosa modorra, refastelada em solo fofo, sob uma sombra frondosa. Deitada, primeiro sobre um lado, depois sobre o outro, encontraria a posição mais confortável de costas, com as patas viradas ao ar. Antes de ser tomada por sonolência profunda, espreguiçara-se ainda, esticando longamente uma perna, depois a outra e a seguir as duas; e, lobrigando uma nesga de azul por entre as folhas, blasonou: - Ah, Cristo!, se o céu agora caísse segurava-o nas patas.
A moleza e o sono venceram, quase imediatamente. Entretanto, a atmosfera ia adquirindo a cor do chumbo, cada vez mais densa. Até ao momento em que um raio iluminou vivamente o espaço logo seguido de um violento estampido que atroou os ares.
Petrificado, e encolhido até à insignificância, o pisco olhou vagamente o infinito e suplicou:
- Ó Cristo, não te atenhas ao pisco, que não tem pernas para isso!
José Batista d’Ascenção
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