Aquando da gravidez de que nasceria o meu primeiro filho, à medida que o termo se aproximava, dava comigo apreensivo e mesmo aflito. Por um lado sentia uma sensação de engrandecimento como não havia outra. Dava um sentido especial à (minha) vida. Era reconfortante. Era desafiante. Era qualquer coisa que não se traduz por palavras. Mas, por outro lado, sentia preocupação. Ou medo. Creio que era medo. Perguntava-me: Que pai vou eu ser? Vou estar à altura? Como é que um homem se prepara para ser pai? Há alguma preparação? As sugestões e conselhos de livros e afins pareciam-me mecânicas, longe das minhas dúvidas mais profundas. Disto mesmo dei conhecimento numa carta a amigos do peito, de Sto António dos Olivais, em Coimbra, pessoas com quem sou capaz de pensar em voz alta. A resposta que dava a mim próprio e que mais me sossegava era, basicamente, a seguinte: - se fizeres tudo o que podes sempre com a melhor intenção, por mais que erres (e errarás!), não afectas o essencial. Pensava assim, mas nunca completamente tranquilo. Nos últimos meses pude, em diversas alturas, pôr a mão sobre o ventre dilatado da mãe e sentir os movimentos, bem bruscos, por sinal, do rapaz. E sentia-me algo assombrado. Pensava até que, antes de nascer, uma criança é mais da mãe do que do pai, porque ela o sente por dentro, intimamente, e continuamente, lá, nas brumas de que há-de emergir. Um homem, durante esse tempo apenas vê, olha, supõe, imagina e pensa, mas está algo por fora, expectante.
No dia do nascimento foi uma agitação dentro do peito. O acto ocorreu em Viana do Castelo, no hospital público, e foi-me permitido assistir ao parto. Tudo preparado, haviam-me vestido uma bata, o momento estava prestes, mas na hora, iniciados os trabalhos, conduziram-me para a salinha ao lado. Foi muito difícil. Se me mandavam sair é porque algo ia correr mal. Com a mãe? Com o filho? Com ambos? Eu ia ter um filho? Ou não chegava a ter? E a mãe, continuaria a tê-la? E estive assim uma eternidade (que depois me disseram que foram apenas uns minutos), até que ouvi choro. Pelo menos havia nascido. Pouco depois vieram chamar-me. Podia ir. E tinha filho. E tinha a mãe. E tudo parecia estar bem. Então porque me haviam posto fora? Ora, porque era o meu aspecto que não inspirava segurança. O meu aspecto, fiquei a saber…
Depois foi a infância que acompanhei de perto, todos os dias. E o sábado reservei-o quase exclusivamente para esse fim durante uma dúzia de anos. Observei e vi e vivi tudo o que os meus olhos permitiram e a minha sensibilidade captou. Muitas vezes com espanto, outras com divertimento ou com preocupação, e todas com uma gratidão profunda pelos filhos que a sorte me destinou. Com eles, por eles ou a pensar neles encontrei o sentido mais profundo da (minha) vida: um contínuo entre os testemunhos que se herdam, os que se presenciam ou se protagonizam e os que se transmitem aos que hão-de vir, num papel em que contará tanto o involuntário e informal quanto o que se tem por objectivo consciente.
E o tempo passou. Hoje, adultos, (bem-)formados, capazes, definem e realizam os seus percursos, consoante podem. São cada vez mais remotos os tempos em que os acompanhei nas idas e vindas à escola, nas consultas médicas, nas ocupações lúdicas dos fins-de-semana, nos tempos de férias e nas múltiplas vivências do dia-a-dia, sempre partilhadas e mais ou menos bem resolvidas. Chegou o tempo a que então chamava de «amanhã e depois disso».
No sentido positivo que gosto de atribuir ao termo, estou e sinto-me velho (e no sentido menos positivo também). Já posso ser avô. O meu amigo José Coimbra anda que nem um cuco, a transbordar contentamento, porque a sua filha Inês vai ter um bebé. Também a minha querida amiga e colega Cândida anda exultante porque o seu filho, Luís, em tempos meu aluno, como o seu irmão mais velho, Daniel, antes dele, sendo ambos muito bons (o Daniel, então, era portentoso), vai ser pai. A Cândida, que não cabe em si, um dia destes há-de mostrar-nos algum poema sobre a neta como só ela é capaz: toda sensibilidade e expressão irradiando do fundo da alma e do coração para encantar quem a lê. Ou então escreve em suposta prosa que não será mais que um poema disfarçado a ocupar toda a largura das linhas. Tenho estado à espera desse texto da minha amiga, na incerteza sobre se não o terá escrito já, sob várias formas, até. Um texto assim, que imagino sem imaginar, para além do prazer que me proporcionaria, havia de iluminar a minha preparação para um futuro papel de avô.
Ficam de alma cheia, as pessoas que vão ser avós. E é bonito. Eu partilho dos sentimentos delas.
E espero, com a serenidade de que sou capaz.
José Batista d’Ascenção