sábado, 23 de fevereiro de 2019

Recursos por água abaixo

No bonito local que a foto documenta ocorreram até meio do Verão passado as obras que resultaram na instalação de um corredor de madeira inclinado sobre as águas do rio, ao longo da margem esquerda, em suave inclinação, dando passagem da área relvada até uma plataforma em círculo, pouco acima da água, de onde os veraneantes poderiam lançar-se ao banho.
Provavelmente a construção deveria ter sido concluída mais cedo, para servir todo o tempo estival, mas tardava, o que deu motivo a críticas e ironias dos frequentadores, alguns dos quais se interrogavam sobre a demora dos trabalhos e outros se lhe referiam como havendo de estar prontos antes… do Natal.
Enfim, a obra fez-se e ainda teve serventia a partir de meados do Estio.
Mas, quando chegou o Inverno e as águas subiram, por uma questão de diferença de densidades (sendo a da madeira menor do que a da água), a estrutura elevou-se, por efeito de bóia. Talvez para evitar que se desconjuntasse, alguém teve a ideia de encher grandes sacos de seixos rolados e colocá-los sobre a plataforma para a obrigar a manter-se na posição, apesar de submersa.
Não sei se aquela madeira resiste bem à imersão na água, mas percebe-se que a base que suporta os sacões de pedras está torta e dificilmente ficará na posição devida quando o nível da água descer, sem novas intervenções que implicam provavelmente mais despesas.
Suponho que aquelas beneficiações terão sido feitas pela junta de freguesia, para oferecer mais qualidade de vida aos locais. Acontece que a ideia não resultou bem e devia ter sido mais bem pensada antes de ser executada. É desta maneira que se desperdiçam muitos recursos que deviam ser mais bem geridos pelas autarquias de menor dimensão e mais próximas das pessoas. E aquele local até é bem cuidado pela junta de freguesia (cujos membros desconheço), mas algo correu mal, naquele pormenor…
Mas será um pormenor? É que erros como este multiplicam-se pelo país, ao nível das freguesias, mas também no que depende das câmaras municipais, em aumento de escala, e atingem os órgãos máximos do poder político e executivo, como os governos regionais e nacional, assumindo, por vezes, dimensão catastrófica, mas não escandalosa, porque os portugueses apenas se interessam por escândalos íntimos ou desastres ou crimes violentos. Ora, seria conveniente responsabilizar, civilmente e também criminalmente, todos os que lesam os interesses públicos ou de terceiros, independentemente do prejuízo, muito especialmente quando resultam de actos de corrupção (prevendo eu e desejando que não seja o caso na situação descrita).
O articulista Paulo Morais, propõe, em artigo do jornal «Público» de 19 de Fevereiro (página 9 da versão impressa), que se exija de todas as pessoas que prejudicaram os contribuintes do país, através de procedimento político ou governativo corruptor ou corrompido ou de negócios ou de outras práticas ilícitas, como as que envolveram actividade bancária fraudulenta, o ressarcimento devido à comunidade, aplicando a «Lei de Recuperação de Ativos», com penhora dos bens que possuam. E não se exime a referir a «corrupção generalizada» em Portugal, apontando várias situações gravemente lesivas do interesse comum que aconteceram e nomeando alguns dos prevaricadores - figuras públicas de relevo - que as praticaram.
Concordo com ele.
Mas (não tenho dúvidas de que) a lei é letra morta e nada acontecerá. 

José Batista d’Ascenção

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Que respeito pelo ambiente?

Em local aprazível, na margem esquerda do rio Cávado, a meio caminho entre a velha ponte de Prado e a hídrica de Ruães, jaz, há várias semanas, meio encalhado meio a boiar, um frigorífico com a maior das portas escancarada, estendida sobre a água.
Faz-me impressão, aquilo. Não quis registar o facto porque pensei que alguém havia de providenciar a sua remoção sem grande demora, porquanto o espaço merece o cuidado da Junta de Freguesia, e é frequentado por pessoas diversas, da localidade e das proximidades (nem todas com o conveniente grau de educação ambiental, como se comprova) e a toalha líquida é percorrida, num e noutro sentido, por velozes canoístas, alguns de nível internacional, que conseguem progredir a maior velocidade pela linha mediana da albufeira do que a maioria dos que tentam correr pela beira-rio, na margem esquerda; na margem oposta, é frequente a realização de concursos de pesca em que participam numerosos concorrentes de cana em punho, demoradamente.
Além do mais, já testemunhei acções de limpeza dos escuteiros do Agrupamento 30 - S. Paio de Merelim naquele mesmo local, facto por que merecidamente os elogiei, pessoalmente, na hora, e depois, por escrito.
Uma das coisas com que me tentei animar, durante longos anos, quando via a escola a falhar em tantos domínios, foi com a consciência ecológica dos jovens alunos, que supus resultante da acção pedagógica dos professores e que, a meu ver, havia de generalizar-se naturalmente, donde a minha esperança de que os espaços públicos que usamos haveriam de ficar cada vez mais limpos e bem cuidados.
Hoje, estou menos optimista. O que significa que preciso lutar mais ainda: a respeito dos factos e contra os riscos do meu agravado cepticismo.
Por isso, em vez de falar de avalanches de greves, segundo modos e em condições que me causam dúvida, e ressalvadas as legítimas razões e motivos de queixa dos que são “convidados” a fazê-las, ou dos estafados «rankings» de escolas, que (eu suspeito que) procuraram essencialmente vender notícias e estimular (acautelar ou proteger) negócios privados, preferi falar destas falhas que tardamos em prevenir e resolver.
Esperando eu que não se atinja o ponto de ser tarde de mais.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Ideias vagas numa tarde de sol


Anúncio da Primavera.
Foto de Manuela Lima
Ainda frio, brilha o sol e os dias alongam-se. Despontam os primeiros rebentos nos jardins e, não tarda, hão-de as temperaturas obrigar-nos a deixar agasalhos e a aligeirar as roupas. Está quase aí, a Primavera. E a Natureza vai alindar-se e maravilhar-nos, como todos os anos acontece.
Façamos nós, portugueses, por renascer com o aproximar da nova estação, como as plantinhas e a bicharada. Com a chegada dos dias luminosos, um acréscimo de ânimo e esperança se renova nos corações e há mais estímulo e vontade de vivermos e de sermos felizes.
Para o conseguir não é salutar associarmo-nos a guerrilhas desportivas ou submergirmos em novelas ou concursos ou programas televisivos espalhafatosos e culturalmente indigentes ou isolarmo-nos nas «bolhas» das redes sociais em que (activamente) nos fechamos e que confundimos com a vastidão do mundo.
Este ano vai haver eleições. Convencermo-nos de que todos os políticos são iguais e não prestam é, à partida, reduzirmo-nos ao cepticismo e à indiferença e demitirmo-nos das nossas responsabilidades cívicas. Aplicarmo-nos o melhor possível no cumprimento dos nossos deveres de cidadania e nas nossas profissões é uma boa maneira de criar um clima adverso à mediocridade, à inveja, à intriga e à corrupção. Exigir, serena, responsável e firmemente, os nossos direitos é um excelente contributo para um melhor viver, individualmente e em sociedade.
E investir na educação das crianças e jovens (em casa, primeiro, e na escola) é a melhor garantia de que tratamos bem (d)a «primavera da vida» dos cidadãos, a mais importante de todas as «sementeiras», da qual temos vindo a cuidar deficientemente desde há décadas.
Por que esperamos?

José Batista d’Ascenção

PS: Este texto não pretende ser um credo. É apenas uma oração que rezei por escrito.

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Árvores nas cidades

As árvores deviam ser um elemento fundamental dos arruamentos, das avenidas e das praças das cidades. Mas os portugueses, em geral, não gostam de árvores. E os bracarenses também não. Nem vou referir agora o magnífico e centenário pinheiro manso de Guadalupe (em Braga), recentemente abatido, para não avivar mágoas, nem a preocupação que um dia destes senti ao passar frente à «Casa do Passadiço», na mesma cidade, ao ver que podaram alguns dos grossos ramos da maior Ginkgo biloba que conheço na região, que faz dupla com um colossal tulipeiro (Liriodendrum tulipifera), no pátio daquele edifício, árvores estas que deviam ser declaradas monumentos, a fim de que não pudessem ser molestadas sob qualquer pretexto.
As árvores consomem dióxido de carbono (CO2) e produzem oxigénio (O2), tudo no mesmo passo, sempre que têm as suas folhas expostas à luz, no processo já muito estudado da fotossíntese. Os benefícios deste processo são os que imediatamente se percebem e outros tão importantes como esses, como é o caso da produção de matéria orgânica que está na base da alimentação de todos os seres vivos.
Mas as plantas também libertam vapor de água para a atmosfera, no processo chamado de «transpiração», o que faz com que, humedecendo o ar, desempenhem um papel muito importante na amenização das temperaturas nos meses de canícula. É por isso que a sombra sob as árvores é normalmente mais agradável, ainda que não tape o sol completamente, do que a sombra de uma parede, que impede na totalidade a passagem da luz solar.
E depois há a harmonia e embelezamento, que as plantas, em si e com as suas flores, podem conferir aos espaços urbanos.
Não esgotando os «bons serviços» que nos prestam, as árvores podem ainda ter um papel útil em matérias tão inusitadas como seja a disciplina no estacionamento automóvel. Na imagem acima, por debaixo do carro que se vê estacionado sobre o passeio, foi há pouco tempo cortada uma árvore que, após uma poda radical, foi morrendo lentamente (como se referiu aqui). Já morta, ali se ergueu o seu triste cadáver por longos meses (como aqui se deu conta). E agora já não há árvore nem, praticamente, sinais dela. Nem no seu lugar foi plantada outra, como logo devia ter sido. E eu espero que não demore a vir a ser.
Entretanto, os condutores de automóveis aproveitam. Poucos minutos antes daquele veículo, era outro que ocupava o mesmo lugar.
E o espaço público desarborizado de Braga é cada vez mais assolado por um calor insuportável no Verão. Que o diga quem o frequenta, especialmente os que não têm alternativa.

José Batista d’Ascenção

domingo, 3 de fevereiro de 2019

A vi(d)a sinuosa das palavras

Por via das conversas que vou travando com o meu amigo António Bastos, teve ele a bondade de me emprestar dois pequenos livros para ler. Um deles, o de um professor de português de uma escola de Pombal, há anos aposentado, reúne e corrige, em cerca de cem páginas, um conjunto de erros (cada vez mais) comuns do português que falamos e escrevemos («Tento na Língua», de António Marques, Plátano Editora, edição sem data). Achei este livrinho uma pequena maravilha, sobretudo tendo em atenção os pontapés na ortografia e na gramática que aterradoramente vamos cometendo, nós, o vulgo, mas também, e mais dolorosamente ainda, os apresentadores de televisão e os que escrevem nos jornais e nas redes digitais. Quanto às crianças e jovens, é uma dor de alma! O bem que o Ministério da Educação fazia, se tornasse o estudo deste livro obrigatório no ensino básico/secundário, seria inestimável, mas não é seguro que por lá se saiba que existe um livro assim…
O outro é um volume de bolso intitulado «Elucidário de Conhecimentos (quase) Inúteis», da autoria de Roby Amorim («edições Salamandra», 2ª edição, sem data), e fala tão elegantemente da raiz etimológica ou da origem e da evolução sofrida por certos termos e expressões, até se chegar às formulações actuais, que é um gosto lê-lo. Ali se fica a saber, por exemplo, que o termo «gaforina» se deve a uma cantora de ópera que veio a Portugal há cerca de cem anos – a «signora Gafforini» - explicando-se que, devido à sua farta e original cabeleira, logo o seu nome passou a aplicar-se à fartura capilar de muitos (des)penteados, desde então até aos dias de hoje; ou que nem sempre o termo «casado» significou que alguém tivesse passado pela igreja ou pelo registo civil, pois que a palavra se aplicava, no século XV, ao homem que tivesse casa própria; ou que «hecatombe» começou por significar a morte de cem bois numa grande cerimónia religiosa, por motivo de vitória em guerra, por exemplo, sendo a carne distribuída «pela populaça»: só que nesses tempos já era como agora: tinham mais barriga uns que outros e por isso cabia quase tudo aos poderosos, sempre poucos, tendo os desvalidos, sempre muitos, que contentar-se com a «parte exacta que lhes cabia na boca», ou seja, um «bocado». E nos dias que correm se diz ainda que “está o bocado guardado para quem o há-de comer”.
É muito interessante a evolução da língua e é útil conhecer as suas origens.
Entre nós, com o malfadado “acordo ortográfico” em vigor, não há dúvida que a ortografia, primeiro, e a fonética, depois, sofrem significativas alterações. Um destes dias ouvi uma jovem falar entusiasmadamente dos seus «ôbjtivos» profissionais. E um aluno, lendo um texto, articulava de forma «original» o «erre» da palavra «sub-reptício», que antes se escrevia assim mesmo, com hífen, e só podia ler-se como deve ser, e agora aparece grafada sem o dito hífen («subreptício), permitindo (natural e logicamente) uma pronúncia inusitada a quem (ainda) não conheça o termo, como pode acontecer com muitas crianças e jovens. Além disso, no futuro (dentro de algumas décadas), será muito mais difícil saber das origens do português, ler textos antigos e perceber as similaridades e relações da nossa com outras línguas, assim como aumentou a discrepância entre as variantes linguísticas da escrita dos países lusófonos, alguns dos quais nem sequer aceitaram o famigerado «acordo». E muito bem fizeram eles. Ao menos isso.

José Batista d’Ascenção