Imagem recortada daqui. |
Meia hora antes da hora marcada cheguei. Feitos os registos do momento e as perguntas prévias (cirurgias anteriores, alergias, se era fumador, se bebia regularmente, se tinha diabetes, a que se seguiu a típica picada no dedo), marcado com caneta o lado da cara onde havia de ocorrer a intervenção, colocada a pulseira plástica, com nome e número, no pulso desse lado, e a agulha em veia da mão do lado oposto, voltei para o espaço onde havia de aguardar.
Neste entretempo, assisti à dor funda de alguém que recebeu notícias que não desejava (ou que temia?) e começou a doer-me aquela dor. Levantei-me, aproximei-me e, por detrás da máscara, desajeitado, ofereci-me para ir buscar água à máquina ali perto. Uma das meninas do guichê veio prontamente substituir-me naquele papel, e com mais eficácia do que eu. Corriam lentos, os minutos. Pedi à Lurdes, minha mulher e solícita acompanhante, que me deixasse, por me parecer que não adiantava continuar ali. Para ocupar o vazio do pensamento, li umas páginas de «o doente inglês».
Cerca das catorze horas fui chamado para me equipar com cuecas de rede, bata azul sintética, fina e leve, e uma espécie de meias algo ásperas. Levado o saco com os pertences, foi assim que me deitei na cama que seguiu por corredores refrigerados. Parei e esperei. Esperei bastante. Puxada a coberta, sentia-me confortável. Pessoas circulavam, perguntavam, pediam, um paciente, empurrado numa cama, gemia alto e em contínuo: «maria-ó-maria-maria-mariiiia», e seguiu para onde o levaram. Dei comigo a pensar na “seta do tempo” que, ou tinha parado, ou tinha um destino tão longínquo que parecia não mais o alcançar. A certa altura alguém chegou e poisou a cabeça no ombro de outra pessoa que permanecia ao meu lado. Trocaram um abraço. Como os meus olhos estavam abertos, e nada incomodados, cruzaram-se com os da pessoa que tomara a iniciativa daquele enlace afectivo e breve, que me disse: «a si não posso abraçá-lo». Julgo que terei sorrido e saiu-me, sem pensar: «e eu que tanto agradecia». Num ápice, aquela excelente pessoa baixou a guarda da cama do meu lado esquerdo e depositou sobre o meu peito um abraço de carinho, que senti no coração. Não sei se aquele abraço quebrou alguma regra ou não, mas se quebrou, ainda bem. Também não sei quem mo deu, mas isso não impede que esteja grato a quem mo ofertou. O corredor ficou menos frio. Quando entrei no bloco e fiquei debaixo dos projectores, olhei aquelas jovens médicas e apenas perguntei as horas. Eram quinze e vinte. Colaborei o melhor que pude nas inspirações fundas, sob a máscara da anestesia no extremo do tubo flexível e não me lembro de ter adormecido.
Durante o recobro senti-me incorpóreo, sem indisposições.
Agora, em casa, vou recuperando, com o enorme desejo de que o mundo não se torne excessivamente silencioso para mim.
José Batista d’Ascenção
Um abraço solidário. Logo, logo estarás novo.
ResponderEliminarObrigado, Manuel. Grande abraço.
EliminarBoa recuperação amigo! E um belo texto que me delicia como sempre. Beijinhos
ResponderEliminarMuito obrigado. Não sei quem fez este comentário tão generoso para mim. Retribuo com mil beijinhos.
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