sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Quando um bebé vem a caminho

Aquando da gravidez de que nasceria o meu primeiro filho, à medida que o termo se aproximava, dava comigo apreensivo e mesmo aflito. Por um lado sentia uma sensação de engrandecimento como não havia outra. Dava um sentido especial à (minha) vida. Era reconfortante. Era desafiante. Era qualquer coisa que não se traduz por palavras. Mas, por outro lado, sentia preocupação. Ou medo. Creio que era medo. Perguntava-me: Que pai vou eu ser? Vou estar à altura? Como é que um homem se prepara para ser pai? Há alguma preparação? As sugestões e conselhos de livros e afins pareciam-me mecânicas, longe das minhas dúvidas mais profundas. Disto mesmo dei conhecimento numa carta a amigos do peito, de Sto António dos Olivais, em Coimbra, pessoas com quem sou capaz de pensar em voz alta. A resposta que dava a mim próprio e que mais me sossegava era, basicamente, a seguinte: - se fizeres tudo o que podes sempre com a melhor intenção, por mais que erres (e errarás!), não afectas o essencial. Pensava assim, mas nunca completamente tranquilo. Nos últimos meses pude, em diversas alturas, pôr a mão sobre o ventre dilatado da mãe e sentir os movimentos, bem bruscos, por sinal, do rapaz. E sentia-me algo assombrado. Pensava até que, antes de nascer, uma criança é mais da mãe do que do pai, porque ela o sente por dentro, intimamente, e continuamente, lá, nas brumas de que há-de emergir. Um homem, durante esse tempo apenas vê, olha, supõe, imagina e pensa, mas está algo por fora, expectante.
No dia do nascimento foi uma agitação dentro do peito. O acto ocorreu em Viana do Castelo, no hospital público, e foi-me permitido assistir ao parto. Tudo preparado, haviam-me vestido uma bata, o momento estava prestes, mas na hora, iniciados os trabalhos, conduziram-me para a salinha ao lado. Foi muito difícil. Se me mandavam sair é porque algo ia correr mal. Com a mãe? Com o filho? Com ambos? Eu ia ter um filho? Ou não chegava a ter? E a mãe, continuaria a tê-la? E estive assim uma eternidade (que depois me disseram que foram apenas uns minutos), até que ouvi choro. Pelo menos havia nascido. Pouco depois vieram chamar-me. Podia ir. E tinha filho. E tinha a mãe. E tudo parecia estar bem. Então porque me haviam posto fora? Ora, porque era o meu aspecto que não inspirava segurança. O meu aspecto, fiquei a saber…
Depois foi a infância que acompanhei de perto, todos os dias. E o sábado reservei-o quase exclusivamente para esse fim durante uma dúzia de anos. Observei e vi e vivi tudo o que os meus olhos permitiram e a minha sensibilidade captou. Muitas vezes com espanto, outras com divertimento ou com preocupação, e todas com uma gratidão profunda pelos filhos que a sorte me destinou. Com eles, por eles ou a pensar neles encontrei o sentido mais profundo da (minha) vida: um contínuo entre os testemunhos que se herdam, os que se presenciam ou se protagonizam e os que se transmitem aos que hão-de vir, num papel em que contará tanto o involuntário e informal quanto o que se tem por objectivo consciente.
E o tempo passou. Hoje, adultos, (bem-)formados, capazes, definem e realizam os seus percursos, consoante podem. São cada vez mais remotos os tempos em que os acompanhei nas idas e vindas à escola, nas consultas médicas, nas ocupações lúdicas dos fins-de-semana, nos tempos de férias e nas múltiplas vivências do dia-a-dia, sempre partilhadas e mais ou menos bem resolvidas. Chegou o tempo a que então chamava de «amanhã e depois disso».
No sentido positivo que gosto de atribuir ao termo, estou e sinto-me velho (e no sentido menos positivo também). Já posso ser avô. O meu amigo José Coimbra anda que nem um cuco, a transbordar contentamento, porque a sua filha Inês vai ter um bebé. Também a minha querida amiga e colega Cândida anda exultante porque o seu filho, Luís, em tempos meu aluno, como o seu irmão mais velho, Daniel, antes dele, sendo ambos muito bons (o Daniel, então, era portentoso), vai ser pai. A Cândida, que não cabe em si, um dia destes há-de mostrar-nos algum poema sobre a neta como só ela é capaz: toda sensibilidade e expressão irradiando do fundo da alma e do coração para encantar quem a lê. Ou então escreve em suposta prosa que não será mais que um poema disfarçado a ocupar toda a largura das linhas. Tenho estado à espera desse texto da minha amiga, na incerteza sobre se não o terá escrito já, sob várias formas, até. Um texto assim, que imagino sem imaginar, para além do prazer que me proporcionaria, havia de iluminar a minha preparação para um futuro papel de avô.
Ficam de alma cheia, as pessoas que vão ser avós. E é bonito. Eu partilho dos sentimentos delas.
E espero, com a serenidade de que sou capaz.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Direito a serviços públicos de qualidade, mormente os que pagamos caro

Finda a tarde de ontem, já noite, antes de jantar, no bairro onde moro, a energia eléctrica faltou uns bons 40 minutos. Foi um tempo longo de espera, só com duas luzes de presença em casa, sem saber o que fazer… Depois de reposta, a corrente voltaria a falhar por alguns minutos, mais do que uma vez, uma hora depois. Ora isto é em Braga, uma cidade com pergaminhos. E acontece mais vezes do que o desejável, motivo por que, já em tempos, apelei, sem resultado, a que a junta de freguesia fizesse seguir reclamação para a empresa fornecedora. Noutra altura, antes dessa, tinha reclamado eu, enquanto consumidor, junto da EDP, de quem obtive uma resposta insatisfatória…
Na condição de contribuinte sem quaisquer falhas nos descontos, feitos à cabeça, e pelo limite superior, e com os pagamentos de serviços como o da energia feitos atempadamente, sinto-me prejudicado e mal servido. E também não me sinto protegido nem pelo Estado nem perante o Estado, mediante o que devia ser a vigilância e acção consequente de entidades específicas, em situações diversas, de que são exemplo:
- o fornecimento de energia pela EDP e a facturação (preço - acabo de receber «mail» a informar de actualização para 2018 - e taxas associadas);
- a disponibilidade de certas consultas de especialidades em hospitais públicos: a lista de espera para otorrino, no hospital público de Braga, mediante solicitação do médico de família é de mais de duzentos e sessenta dias;
- a cobrança de comissões diversas em quantias exageradas e com aumentos escandalosos pelos bancos, sem diferenciação positiva de um banco público como é a Caixa Geral de Depósitos;
- a exorbitância de preços nas portagens de auto-estradas e vias rápidas (em comparação com vários países da Europa, agravada pelo nível do rendimento médio dos cidadãos portugueses);
- os valores do imposto municipal sobre imóveis: a injustiça na heterogeneidade da sua aplicação, o escândalo de certos aumentos e a indecência de, pelo menos o índice de vetustez (velhice das casas), não ser de aplicação automática pelo sistema informático das finanças, sendo preciso requerê-lo para fins de actualização (se for para subir, não é preciso requerimento nenhum…);
- o papel ridículo e certos ares a que se dá a «protecção civil», recomendando cuidados dispensáveis (os habitantes das zonas frias já sabem que precisam de agasalhar-se no inverno, assim eles tivessem dinheiro para comprar boa roupa…) ou alarmando as pessoas inutilmente com avisos a fazerem temer o pior, mas com carência de definição geográfica (mais) precisa, limitando-os às pessoas a quem interessam, e sem descredibilizar as previsões junto das restantes. Sobre acções concretas de prevenção de incêndios florestais, a avaliação é inaplicável, por ausência de matéria susceptível…
- as falhas num serviço que sempre mereceu as minhas simpatias como era o dos CTT, antes de serem privatizados.
O nosso exercício da cidadania é muito fraquinho. Falha o desempenho das instituições e das empresas públicas e a superintendência/supervisão do Estado, que não cumpre nem faz cumprir. Falham os cidadãos funcionários públicos que, mais vezes que o desejável, se desleixam no seu trabalho, porque o patrão não está ali. Falham os cidadãos que não exigem o tratamento que lhes devem, e que, quando protestam, o fazem mal ou sem razão, e, sobretudo, falham quando eles próprios são relapsos ou gananciosos ou usam de artimanhas para não cumprirem os deveres (leia-se, obrigações). E falham criminosa e impunemente as empresas parasitas do Estado.
Não fôssemos assim e os serviços públicos eram um brinquinho. Éramos mais bem servidos, o país poupava, e as empresas privadas só eram viáveis com gente de espírito realizador e cumpridora de leis, contribuindo para aumentar a oferta de emprego, sem, também elas, sugarem o Estado e o bem comum e, tal como ele, irem, por todos os meios, ao bolso dos que trabalham e produzem riqueza.
No balanço que faço, defendo serviços públicos prestados por bons servidores, preferencialmente pelo Estado no que respeita aos ditos essenciais, como água, energia eléctrica, saneamento e recolha de lixos, telecomunicações e serviços postais, bem como outros como a saúde e a educação, reservando um papel supletivo para os privados, com todos os prestadores sujeitos ao controlo rigoroso e transparente de instituições formais e à exigência esclarecida e responsável do público que devem servir.
Isto não deve ser impossível, mesmo em Portugal. Pois não?

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Reordenamento da floresta. Reordenamento?

Imagem obtida aqui
Ontem, na sua mensagem de Natal, o senhor primeiro-ministro falou em reordenamento da floresta?
Reordenamento? Se os dicionários não estão enganados, reordenar é ordenar outra vez. E nós tínhamos ou temos, por acção dos cidadãos, das autarquias, do governo, ou de qualquer outra instituição (deixo de lado o plantio de eucaliptais, estimulado pelas celuloses) algum ordenamento florestal, digno do nome, até agora?
A dificuldade com o sentido das palavras afecta-nos em grande medida. Não andaríamos mal se nos tornássemos mais amigos dos (velhinhos) dicionários. Digo eu, que também sinto necessidade disso…

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Para os que hoje não têm Natal. Nem ontem. Nem amanhã.

Refugiados da guerra na Síria. Foto: ACNUR / Guardacosteira italiana / Massimo Sestini.
Hoje quase poderia dizer que nada me falta: não tenho dores, os filhos estão connosco, abundam as provisões de comida, a casa é confortável, a saúde dos membros da família e amigos é globalmente razoável (os que mais padecem compõem nesta quadra um ar mais terno e mais doce), vão-se gerindo com mais ou menos dificuldade as carências materiais de um ou outro mais próximo, de modo que até é legítimo pensar: antes assim que pior.
Mas há os muitos que passam fome e sofrem os rigores do frio e da solidão gelada da alma; os que perderam familiares e haveres por via de catástrofes, nem sempre inevitáveis, como os incêndios que não curamos de prevenir; os que perderam o emprego e desesperam por um modo de vida minimamente digno, para si e para os seus filhos; aqueles a quem a doença retira o prazer da vida, pelo sofrimento excruciante ou pela perspectiva da morte próxima; os que, emigrados, estão longe da família e dos amigos, em consequência das voltas da vida e, na maior parte dos casos, com o fim de resolver situações de precariedade ou penúria; os pais que fogem em desespero com crianças pequeninas, porque os sanguinários do poder e da guerra não dão tréguas nem têm contemplações; as crianças que, perdidas dos pais, fogem sozinhas ou com outras crianças, de que procuram tomar conta; e também aqueles que, sem culpa própria, caíram nas garras da (in)justiça, ou que se vêm em situação prisional por actos de revolta ou de loucura humanamente compreensíveis (em Portugal nem tanto…); e os que, nas sociedades da abundância e mesmo do luxo, são explorados ou escravizados e desprezados por gente de egoísmo transbordante e barriga farta, mas pobre de princípios e de sentimentos.
E, entre todos, há aquelas (muitas) crianças a quem (re)tiramos a possibilidade de serem adultos com futuro e cidadãos de pleno direito, agrilhoados que vão ficar ao analfabetismo e à ignorância.
A todos esses dedico estas linhas, como se fora uma prece, inspirado na figura do Menino Jesus, primeiro do presépio e depois do evangelho, que me marcou desde pequenino.
Esforço-me por alimentar a esperança de que a humanidade evolua no sentido do respeito por por cada pessoa em si mesma, pelos outros seres vivos e pelo lugar a que pertencemos - o planeta que tanto maltratamos - num tempo que não sei quando chegará. E homenageio os que não desistem de pensar e desejar que não pode deixar de ser assim e procedem com essa intenção.
Por isso, a todos os (que se sentem) desprotegidos (que somos quase todos em diferentes momentos da vida) ofereço o meu abraço humilde e fraterno.

José Batista d’Ascenção

sábado, 16 de dezembro de 2017

O Natal que não é Natal e o Natal que (ainda) não há

Imagem obtida aqui.
Por esta altura, quem pode esfalfa-se numa correria a vasculhar quanto lhe é possível para comprar as prendas de Natal. É uma tarefa a que as mulheres se aplicam com particular denodo. Não fosse assim e provavelmente os homens e particularmente as crianças passariam uma quadra menos emotiva e, porventura, sem a chama a que nos habituámos. E, contudo, há algo que falha: os meninos (das famílias que podem) desembrulham freneticamente cada presente para se desinteressarem dele no minuto seguinte, se não mostrarem imediatamente a sua decepção com o que receberam. Os homens consolam-se com o que lhes é ofertado, esquecendo então a preocupação com que pensaram nos gastos uns dias antes. Muitas vezes, uns e outros chegam a não reparar que aquela que tudo providenciou, que deu voltas e fez contas e mais contas, quase nem recebeu nada, ela mesma. Bem entendido, estamos a falar dos que sempre vão podendo dar-se a estes luxos. Somos, os que pertencem a este grupo, uns privilegiados, que podem deleitar-se na noite da consoada, que bem podia chamar-se noite da consolação, sobretudo se não há doenças, mortes ou outras desgraças que a ensombrem, tantas vezes definitivamente.
Mas há também os que nada podem, velhinhos ou mais novos, aqueles a quem a vida «trucidou» ou que nunca acertaram no trilho do remedeio quanto mais no do sucesso que a sociedade de consumo farta e enganosamente anuncia. Neste grupo, as crianças, que vêem, desejam e sonham (se ainda estão em condições disso) são as vítimas mais pungentes. E são-no tanto que, não raro, queremos, no fundo, nem pensar nelas, para não nos confrontarmos com a injustiça do munto nem com a nossa impotência nem, sobretudo, com o nosso egoísmo.
Quando eu era menino, na humildade da nossa casa, quem trazia as prendas era o Menino Jesus. Eram coisas simples que não nos atrevíamos a pedir. Mas sonhávamos com elas silenciosamente, parece-me que com receio de que alguém ouvisse. Sabíamos que o Menino Jesus também tinha nascido pobre e que dava o que entendia com o mesmo contentamento do necessitado que recebe, ainda que seja algo pequenino. Por isso aceitávamos o que quer que fosse com uma alegria imensa, como imenso era o cuidado para que não se estragasse e durasse muito, muito tempo.
Nas últimas décadas, o consumismo passou a comandar a vida de muitas pessoas: doces, roupas, calçado, artefactos analógicos e digitais fazem engordar, atafulham armários e colam miúdos e graúdos frente aos mais diversos mostradores tecnológicos. Em anos sucessivos, impressionava-me ver, pendurado de varandas e fachadas, um boneco vermelho com uma trouxa às cosas, qual bombeiro escalador, enfatizando até à náusea o papel dessa invenção a que chamaram «pai-natal». Era o império da obrigatoriedade da prenda, impingida pelo comércio. O Menino Jesus estava desactualizado.
Nos lares em que havia prendas, finda a festa de distribuição, sobravam papéis, fitas e plásticos, muitos plásticos. No dia seguinte seguiam para a lixeira e, anos mais tarde, para os ecopontos que os despejavam nos aterros sanitários. Por sua vez, nos dias que se seguiam ao Natal, supermercados e outras lojas eram novamente invadidos pelos muitos que ou vinham reclamar de tantas traquitanas já avariadas ou recusadas pela criançada destinatária ou para trocar peças de roupa ou outras que não serviam ou tinham defeito. Um «stress», até porque os «stocks», muitas vezes, haviam sido levados à rotura e por isso era preciso aguardar ou… conformar-se.
E, desde então, no fim da cadeia de consumo, está sempre a Terra-Mãe a albergar o entulho, que há-de demorar centenas ou milhares de anos a reciclar. Os plásticos, quer os que vemos em fragmentos, e matam albatrozes, tartarugas e golfinhos, quer os que estão reduzidos a partículas microscópicas e contaminam todo o volume das águas oceânicas, com consequências que ainda não sabemos prever, crescem no planeta e «afogam-nos» sem que consigamos parar a engrenagem da sua produção, uso e rejeição. E o problema não se resume aos polímeros…
Entretanto, há aqueles – e são tantos! - que, inocentemente, sofrem a fome e a miséria e as consequências da guerra, da xenofobia e do racismo, do ódio e da intolerância religiosa, do comércio da droga ou do tráfico de seres humanos, como se, para eles, não pudesse haver Menino Jesus.
Os optimistas sabem que o Mundo nunca teve tantas possibilidades para dar pão e um módico de conforto a todos os deserdados da sorte, e acreditam que isso é possível. Os pessimistas sabem-no também, mas julgam-se suficientemente conhecedores da natureza humana, para admitirem que alguma vez a humanidade possa abdicar da exploração e da submissão de uma parte de si própria para conforto, mesmo que excessivo e escandaloso, da outra.
Que caminho seguir? Com humildade e despojamento, o papa Francisco esforça-se por sensibilizar o coração dos que têm e podem em favor dos que precisam, com ganho na felicidade de todos. Fez o mais difícil, anunciando que devemos escolher com justiça o lado dos desprotegidos. E dá o exemplo.
Como o Menino Jesus.
Boas Festas: Natal Feliz e Próspero Ano Novo.
  
José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

«D. Afonso VI – O Indesejado», livro de Nuno Galopim, da editora «a esfera dos livros»

Terminei há dias a leitura do romance de Nuno Galopim publicado em Setembro último. É um livro escrito «a régua e esquadro», numa linguagem muito precisa e clara [contrariando, e bem, a tendência de muitos escritores para a complexificação do discurso e das ideias, como se – suprema ilusão, deles e dos leitores, em perspectivas múltiplas e diversas – não quisessem ser entendidos. Uma tal complexidade impõe-se(-me) em obras com a envergadura de um «Ulisses» de J. Joyce, mas não consigo sofrê-la em genialidades da escrita que - ideia minha – não resistirão à passagem do tempo], sem perda de fluência, de coerência, de criatividade e da curiosidade que desperta no leitor, o qual progride com gosto e se surpreende até às derradeiras páginas.
Muito estudou o autor: sobre os assuntos da História sócio-política, entendida nas linhas e nas entrelinhas da intriga que lhe subjaz; sobre a linguagem e os modos de vida da época e das figuras históricas que tomou como protagonistas (veja-se a referência ao …«hábito antigo de [o rei] comer apenas uma refeição por dia. Uma refeição interminável»…, páginas 161 e 162); sobre a caracterização de ambientes e de espaços exteriores e interiores, onde a narrativa faz decorrer as acções, assim como sobre os locais, as paisagens e a geografia em que os humanos se inscrevem, de modo característico, realística e consistentemente documentado. Pelo livro perpassa e transparece o estado de conhecimentos científicos da época, assim como a mentalidade dos tempos, manifesta, por exemplo, nas multidões que assistem gulosamente aos autos-de-fé. A personagem principal, em toda a sua desventura, resultante da sua psicologia e do seu desinteresse mais que da sua incapacidade de governação, é bem vincada. Assim, o infeliz D. Afonso VI, libertino e irresponsável, mas cheio de humanidade, nos defeitos e no sentir profundo de algumas prerrogativas e coordenadas próprias da função que devia desempenhar, acaba, mercê da mestria do autor, por cativar a simpatia do leitor.
Lê-se o livro e parece que assistimos ao desenrolar da História real – não da História que é a versão dos ganhadores («O vencedor escreve habitualmente a História a seu gosto», página 231, ideia que já havia sido referida antes e que volta a sê-lo depois) – feita das grandezas e misérias do género humano, em que se sucedem as cenas impressivas e dinâmicas no interior de palácios, igrejas ou tabernas, nas praças ou nas ruas, nas viagens por terra ou por mar, nos diálogos entre as personagem e na tessitura fisionómica e caracterológica de cada uma delas, de modo que em todo o entretetecer dos fios do enredo se revela, sobretudo, o fundo inescapável da natureza e da alma humana e das condicionantes que as podem afectar.
Os títulos de cada capítulo limitam-se invariavelmente a indicar o ano e o local, situando o leitor no tempo e no espaço. Os diferentes capítulos e a sequência em que se organizam poderiam funcionar como o guião preciso de um filme baseado na obra, que bem o merece. Afirmo-o sem autoridade na matéria, que parca é a minha cultura cinéfila, mas porque foi o que senti, e por me aborrecerem filmes de que adivinho o fim às primeiras imagens. Além disso, justifico o meu atrevimento com a convicção de que o livro e um filme que se fizesse sobre ele poderiam, considerada a aversão dos portugueses pela leitura, complementar-se no que respeita ao estímulo do prazer de ler e de conhecer e gostar da História de Portugal.
O motivo da história romanceada neste livro é a investigação sobre se o rei D. Afonso VI, que ficou para a História como impotente, que nem sequer consumou o seu casamento, e viu a rainha sua mulher desfazer a união [fazendo uso desse argumento, tornado acusação, dirimida num tribunal «constituído para discutir o corpo de um rei» (página 108)], para casar com o próprio cunhado, irmão mais novo de D. Afonso VI – o infante D. Pedro –, teria, afinal, deixado descendência fora do casamento. D. Pedro prendeu e desterrou o rei seu irmão, tempo durante o qual foi regente, até ele morrer e lhe herdar a coroa. A razão de uma investigação sobre a possível descendência de D. Afonso VI relacionava-se com a importância vital de aumentar as possibilidades legítimas de sucessão ao trono num quadro político (ainda) sequente à restauração da independência de Portugal, enquanto não fosse seguro que viessem a nascer e chegassem à idade de poder reinar filhos varões de D. Pedro II.
Os meandros da narrativa, na sua riqueza e precisão, exigem naturalmente a leitura do livro, de que não é possível alguém vir a arrepender-se. Como «prova» não deixo de referir a que me pareceu a sua frase mais bela, personificando a ilha Terceira e o Monte Brasil: «Um imponente monte (…) que saía da ilha como um braço com uma mão aberta se lança de um corpo quando acena a alguém.» (página 146) Quem tem sensibilidade e recursos para escrever algo assim, tem seguramente possibilidades de escrever muito mais com igual valia literária.
Boas leituras.

José Batista d’Ascenção

domingo, 10 de dezembro de 2017

Resumo da história promissora de um menino a quem não podia faltar nada

Os membros daquele casal eram de origens humildes. Com grande esforço, depois de uma escolaridade que não lhes foi fácil, onde venceram como puderam as dificuldades de percurso, e se conheceram no muito que tinham em comum, começando a namorar, conseguiram uns empregos modestos, pelo que, feitas contas à vida, decidiram casar-se. O governo da casa e as contas a pagar em cada mês obrigavam a gestão apertada dos fracos proventos, que geriam com racionalidade. Como não havia folga, decidiram-se por terem apenas um filho. Era importante ter um filho e dar-lhe as condições de que eles próprios e tantos como eles não haviam beneficiado. Passaria a ser o seu objectivo maior.
Nascida a criança não haviam de faltar-lhe amor e cuidados. Sempre tinham ouvido dizer, a pais e avós, que as pessoas se fazem desde pequeninas e que dificilmente alguém não seria bom tendo uma infância afectivamente rica e protegida.
Gostavam um do outro, felizmente, e não viam mais nada que o seu menino. Que mais e melhor podiam fazer? Estava escolhido o caminho.
Aquele menino foi crescendo com tudo o que os pais lhe podiam dar: da alimentação ao conforto, dos brinquedos às vontades que expressava ou que simplesmente adivinhavam. Desde o jardim infantil e dos primeiros anos da escola, a que em tempos se chamou «primária», procuraram que ao seu menino não faltasse o que os outros tinham, mesmo aqueles que tinham posses que não eram as suas. E o menino cresceu, manifestando e pedindo cada desejo, primeiro, e exigindo-o caprichosamente com o passar do tempo, cada vez com mais veemência, fosse na comida, no calçado e na roupa, no computador e artefactos associados ou no modelo caro de telemóvel. Os pais esforçavam-se por compreender: os tempos eram outros, todos os meninos tinham, como podia o seu não ter também? E passaram a poupar ainda mais nos gastos para si próprios ou em aquisições para a casa, agora que também já ganhavam mais um bocadinho, em favor das facilidades para o seu jovem em crescimento.
Na escola, o rapaz, que não era falho de inteligência, no dizer dos professores, era pouco atreito ao trabalho, tendia para a batota, especialmente copianços, que via como um direito e executava exemplarmente, e valia-se do seu franco desenvolvimento físico para mandar nos colegas, que receavam a capacidade de manipulação de que sabia revestir as suas exigências. Quando havia trabalho de grupo, uma técnica que alguns professores usavam, arranjava maneira de não colaborar muito mais do que apor o nome e reclamar mais na classificação final. Capaz de argumentos frontais, tanto mais afirmativos quanto menos verdadeiros, passou a ser visto como dotado de recursos particulares e chegou mesmo a ser proposto como líder de equipas escolares que debatiam nos «parlamentos dos jovens» e na propaganda para as listas das associações de estudantes, à maneira dos políticos adultos com traquejo. E aqueles, mais discretos, que não deixaram de referir certas falhas de legitimidade de algumas posições foram ignorados pelos restantes, quais fracos, com falta de garra e de vontade imperturbável. O rapaz era visto como um líder. E só não aceitava ser eleito delegado de turma, porque não estava para esse trabalho, porquanto, aliás, qualquer que desempenhasse o cargo fazia o que ele queria.
Cada vez mais desenvolto, o jovem ganhava protagonismo, dentro e fora da escola, pelo que foi com gosto que se inscreveu na claque de apoio ao clube de futebol da sua cidade. Em breve se destacou e era com vivo prazer que desfilava com dezenas de outros, que lhe reconheciam a bravura, no meio de centenas de polícias, muito cuidadosos, não fosse acontecer alguma coisa àqueles jovens, por alturas dos desafios. Dentro e fora dos recintos dos jogos, sentia-se bem ante a perspectiva de poder aplicar murros e pontapés, debaixo de insultos, se não fosse possível o uso de objectos contundentes, contra aqueles insossos que se permitiam ir ver futebol sem qualquer adrenalina…
E porque a escola age sempre com muito cuidado em não perturbar o crescimento livre dos meninos, compensando qualquer vestígio de hipotética capacidade, o rapaz fez o ensino secundário e conseguiu entrar na universidade. Foi um orgulho para os seus pais, que nunca, eles mesmo, ali se haviam podido imaginar. Tinham valido a pena os seus sacrifícios.
Na universidade, o nosso jovem, depressa se impôs nas manifestações da «praxe». Enquanto caloiro, aquilo a que o sujeitaram eram brincadeiras de criança. Quase se ria de tais infantilidades. Pelo que, nos anos seguintes, passou a mostrar como se fazia. Os que tinham iguais instintos apreciaram-no ainda mais e os que a ele se sujeitavam tomavam os insultos e as tiranias como o rigor de uma praxe a valer. Pois se é assim, nas nossas universidades…
Com o decorrer dos anos, cadeira agora e outra depois, aproximava-se o fim do curso. Não eram grandes as notas, mas quantos foram os grandes homens que fizeram cursos com mediania? - Pensaram os pais e pensava, principalmente, o filho.
Como, desde os tempos da escola, naquela altura em que se se treinara na argumentação «filosófico-política», entrara numa juventude partidária, onde fizera furor, por motivos óbvios, era objectivo dele, curso feito, chegar a secretário de estado. Também era essa a convicção de correligionários e colegas. E a partir daí logo se veria.
Havia de ser o cúmulo do orgulho para os seus pais, aquele (sempre) jovem cidadão com formação tão completa.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Ainda em matéria de incêndios: quais são os planos de acção das direcções dos bombeiros, antes do próximo Verão?

Sinto um enorme apreço pelas mulheres e homens que se dedicam, muitos deles voluntariamente, ao combate a incêndios, em tantos casos com a perda da própria vida (o que me faz duvidar se têm a preparação necessária e a exacta noção do perigo que correm), mas tenho as maiores reservas relativamente ao modo como têm sido dirigidos desde sempre, e muito especialmente nas últimas quatro décadas.
E pergunto às direcções de todas as corporações:
O que estão a preparar agora com vista à prevenção de incêndios no próximo Verão? Não podem colaborar com o governo e as autarquias na limpeza das zonas laterais das vias de trânsito terrestre, incluindo vias férreas? Será que não poderiam ser desenhados mapas das zonas mais sensíveis relativamente à deflagração de incêndios em tempo seco? E porque não utilizar o fogo preventivo, nas zonas onde outras acções não sejam mais eficazes, talvez em colaboração e com a presença das forças de segurança, como a GNR ou os guardas florestais?
Aflige-me ver tantos bombeiros dedicados a correr riscos inutilmente, com perigo de vida dos próprios e das outras pessoas, para além do montante colossal dos prejuízos materiais e ambientais, com repercussões no presente e duradoiramente no futuro.
É preciso dizer claramente que o «modelo» de ataque aos incêndios nos moldes em que tem funcionado é não só estupidamente ineficaz como irresponsavelmente perigoso.
Por que haveríamos de insistir em erros de tal monta?

José Batista d’Ascenção

Em matéria de incêndios: que pretendem fazer as autarquias, enquanto não chega o Verão?

Era importante sabermos o que pretendem fazer em concreto as juntas de freguesia e as câmaras municipais no mesmo sentido.
Lembro-me de que, no Verão passado, alguns autarcas reclamaram do governo quer por falta de medidas preventivas quer pela demora na aplicação de medidas de compensação ou remediação. Não me pareceu que tivessem razão no que respeita ao primeiro aspecto. É a eles que cabe a limpeza das bermas das vias de trânsito municipais e locais e, sobretudo, a criação de zonas de contenção à volta das casas e na envolvência das povoações. As leis existem, mas não são cumpridas, e a protecção civil, de que juntas de freguesia e câmaras municipais fazem parte, tem sido ausente, em matéria de prevenção eficaz dos incêndios, em toda a vastidão do «deserto» interior do país, e  não só. Incompreensivelmente e inaceitavelmente.
Pela minha parte, gostaria que pusessem de lado tantos eventos desnecessários ou mesmo inúteis e dispendiosos (jantaradas e passeios inteiramente gratuitos, subsídios para festivais diversos, acções de campanha, etc.) e se dedicassem um pouco mais à protecção das pessoas e do ambiente em que vivem, estabelecendo uma ordem de prioridades que o permita.
E talvez até houvesse, finalmente, boas razões para que as pessoas que trabalham precariamente para as autarquias passassem a quadros efectivos no desempenho de uma função imprescindível, a que não podemos eximir-nos. Seria muito mais barato pagar a essas pessoas do que fazer a despesa que temos feito mais os prejuízos que temos tido, a que é preciso somar a destruição do património ambiental e as perdas de vidas que já sofremos e que, inevitavelmente, continuaremos a sofrer, se permanecermos de costas viradas para o problema.
Exige-se que façamos alguma coisa. E já ontem era tarde.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Incêndios. Governo diz que vai limpar faixa de 10 metros em 3 mil quilómetros de estradas

«07 dez, 2017 - 19:39
Incêndios. Governo limpa faixa de 10 metros em 3 mil quilómetros de estradas.

A promessa foi deixada por Pedro Marques [ministro do Planeamento e das Infraestruturas] e estende-se também à rede ferroviária. A operação deve estar terminada até ao Verão.»


E eu que desesperava... Gosto da intenção. Espero que se cumpra. Por isso fiz o registo.

José Batista d'Ascenção

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

«Boas-Festas», por Jorge Paiva

Recebi hoje, com atraso, via CTT, o postal de «Boas-Festas» do meu querido Professor e Amigo o Doutor Jorge Paiva. Os cartões de Natal do Professor Jorge Paiva são lições de pedagogia, de civismo, de cidadania e de ecologia, com vista à preservação do futuro da humanidade num planeta – a nossa «gaiola» Terra – em que a biodiversidade decresce vertiginosamente pondo em perigo a espécie humana, devido à acção dos indivíduos da... espécie humana.
De modo sucinto e claro, rigoroso, firme e persistente, o texto, com versões em duas línguas (português e inglês), reza o seguinte:


«UMA ÁRVORE DE NATAL ESPECIAL

Vivemos hoje numa sociedade cuja preocupação predominante é produzir cada vez mais e com maior rapidez, de modo a conseguir-se o máximo lucro, no mais curto espaço de tempo. Por isso é que a plantação do eucalipto foi e é tão incentivada, pois o eucalipto é de crescimento muito rápido, o que levou à sua profusa e desordenada expansão, assim como a do pinheirobravo, tendo-se coberto a maior parte de Portugal com formações florestais mono-específicas (eucaliptais e pinhais), contínuas, adjacentes e facilmente inflamáveis pela elevada concentração de produtos aromáticos dos eucaliptos e resina dos pinheiros. Assim, em vez da floresta nativa, os carvalhais, fagosilva (do grego phagós = carvalho e silva = floresta), passámos a ter uma ignisilva (do latim ignis = fogo, ardente e silva = floresta).
Há séculos que temos florestas de produção mono-específicas com árvores nativas, como são os azinhais e os sobreirais. Sabemos como são altamente rendíveis e não inflamáveis os montados de azinho e de sobro. Não é por acaso que o sobreiro (Quercus suber L.) é a nossa “Árvore Nacional” [Resolução da Assembleia da República n.º 15/2012, publicada no Diário da República (artigo 28.º), 1ª série, n.º 30, de 10.01.2012] e não o eucalipto, embora um ministro tenha considerado o eucalipto como o “petróleo verde” de Portugal. Realmente, arde tão bem ou melhor do que o petróleo. Mas um sobreiro e uma azinheira, que são carvalhos (Quercus), crescem muito mais lentamente do que o eucalipto e isso não interessa, pois numa sociedade de mercado, só é relevante o máximo lucro, no mais curto espaço de tempo.
Além disso, devido ao actual “Aquecimento Global”, Portugal está a ter verões mais quentes, mais secos e de maior amplitude. Ora, as únicas árvores que temos, capazes de suportarem estas novas condições, são, precisamente, os sobreiros e as azinheiras.
É, pois, necessário repensar a floresta de produção e ordenar o país. Mas isto levará muitos anos, pois sobreiros e azinheiras são árvores de crescimento lento e o ordenamento do território é muito trabalhoso e demorado. Porém, isso já foi feito no Ribatejo e Alentejo. Os montados de sobro e de azinho demoraram dezenas de anos a formar-se, mas hoje são rendíveis e sempre com o mesmo número de árvores pois, conforme vão morrendo, vão sendo substituídas por outras.
Façamos votos para que a época festiva do final do ano ilumine a consciência dos governantes e políticos de Portugal de modo a não continuarmos a ter “piroverões.”

Feliz Natal e Próspero Ano Novo

Jorge Paiva, 2017»

Um grande obrigado.

Afixado por: José Batista d’Ascenção

domingo, 3 de dezembro de 2017

O que pode a força de vontdade


Esta imagem publicada no jornal «Público» de hoje (página 29), impressiona-me sobremaneira.
Há pessoas que são uma lição de força, de coragem, de perseverança, de dignidade e de exemplo.
Não resisti a trazê-la para o meu cantinho e mostro-a como minha, em que a tornei.
É bom apreciá-la e, sobretudo, merecê-la.
Obrigado a quem a realizou e publicou.

José Batista d'Ascenção

sábado, 2 de dezembro de 2017

O sol que não aquece e a chuva que não vem

Valores da precipitação média anual entre 1961-1990, em Portugal Continental.
Imagem obtida aqui.
Nesta altura, e por se prolongar tanto, o bom tempo não é um tempo bom. Falta água, no céu, nos solos, nos lençóis freáticos, nos rios e nas suas barragens. Em certas zonas do país chegámos ao ponto de transferir água em camiões de umas albufeiras para outras. «Nuestros hermanos» captam e transferem a água dos grandes rios, como é o caso do Tejo, reduzindo os caudais que chegam até nós, a tal ponto que põem de sobreaviso o governo e as entidades responsáveis no que respeita ao cumprimento das regras internacionais de gestão dos cursos de água que atravessam mais do que um país.
Por enquanto, a água continua a chegar às nossas casas em condições de boa potabilidade e em quantidade suficiente, mas cabe às autarquias e aos cidadãos o cuidado de reduzir todo e qualquer gasto supérfluo. Cabe-nos também a enorme responsabilidade de sujar e poluir o mínimo possível a água de que dispomos, seja em casa, seja no ambiente: uma gota de óleo alimentar usado polui um litro de água, o que significa que devemos ter a máxima atenção à recolha doméstica e reciclagem dos óleos usados, assim como devemos ser responsáveis evitando deixar quaisquer resíduos, dos plásticos a outras embalagens ou produtos, nos solos e nos cursos de água. Quanto mais cuidado tivermos mais preservamos a qualidade da água, agora e no futuro, e menos gastos serão necessários para a tornar adequada ao consumo humano e agrícola, amenizando o agravamento do preço a que te(re)mos que a pagar.
As crianças são muito sensíveis aos ensinamentos deste tipo e por isso, em casa e na escola, devemos insistir nos cuidados da poupança de água, nos gestos simples da actividade doméstica (tempo de lavagem dos dentes com a torneira aberta, descargas dos autoclismos, duração e tipo dos banhos, etc), mas também no rigor da gestão hídrica que cabe às entidades específicas responsáveis, assim como num criterioso uso agro-industrial da água. Matéria que exige muita atenção e mudança de hábitos é a cada vez mais necessária contenção na produção e eliminação de resíduos que degradam o ambiente e poluem o precioso líquido.
Portugal continental, repetidamente queimado no Verão e com a falta de água que se acentua de ano para ano, caminha para a desertificação que pode fazer do Algarve e do Alentejo um prolongamento do Saara (1) e do Minho uma província cada vez mais castanha e menos verde…
E como é bonito e diverso, o nosso país! Imagine-se como seria se os portugueses cuidassem dele como deviam.
Mais vale tarde do que nunca. Em favor dos nossos filhos e netos. E dos netos deles…

José Batista d’Ascenção

(1) De acordo com o Professor Galopim de Carvalho, esta afirmação não é correcta, pelo que a suponho desaconselhável mesmo em termos figurados.  Diz ele:
«Estas condições climáticas não prenunciam que, nos próximos milhões de anos, o Sul do País se transforme num deserto de areia, como o Sara, ou rochoso, como o Negueve, em Israel, ou outro, entre os muitos conhecidos. 
Ao falarmos em desertificação nesta parcela do território, estamos a voltar à raiz latina da palavra, isto é, focando o abandono das terras pelos seus naturais. Saímos, pois, do domínio da Geologia, cabendo aos sociólogos e aos políticos a tarefa de a explicarem.»
Aqui.
Fala quem sabe. Não há mais que agradecer-lhe.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Bons livros e vinho do Porto

Os livros bons são nossos amigos. Trago sempre algum comigo, e vou lendo quando (e quanto) posso. O último foi a obra «O Fator Humano» de Graham Greene, da «coleção Essencial», editado pela «Leya» e pela «RTP» (10 euros).
É um livro (escrito em 1978) sobre espionagem e contra-espionagem, tema que não é da minha preferência, mas não há temas maus para escritores de talento. De tal modo que Greene «desenha» um protagonista – Maurice Castle – muito interessante, pela sua serenidade e reflexão, pela vontade inquebrantável de ajudar o povo da mulher (negra) por quem se apaixonou (ele é branco, de Inglaterra), mas sobretudo pelo amor incondicional que lhe devota, e em que é correspondido, e que é imorredouro, mesmo quando, por fim, tem que fugir para Moscovo. Chegado a Moscovo, Castle, que não tem quaisquer ilusões sobre o comunismo, desespera pelo reencontro com Sarah, que tem dificuldade em ir ter com ele, uma vez que não o fará sem levar o filho, Sam, a criança que aquela mulher trazia no ventre quando se apaixonaram um pelo outro, um menino (negro) de quem ele cuida com extremoso zelo de pai. Quando Castle, cheio de dúvidas sobre se Sarah o pode considerar um traidor, no momento em que lhe revela a sua actividade dupla, recebe dela o prémio de considerar que o «país» deles são ela, ele e Sam, e que ele nunca traiu esse «país», nem, subentendo eu, o amor que os une e os valores que partilham.
Espiões e detectives aparecem em muitos livros e filmes como consumidores de álcool. Neste livro são uísque e vinho do Porto. O autor do livro talvez gostasse de um e do outro. No caso do nosso vinho mais famoso, ele aparece citado 18 vezes (se não me enganei). Achei curiosa uma tão grande «publicidade» e dei-me ao trabalho de contar as referências, coisa em que este texto há-de ser, por certo, original. Ora veja-se:
- Davis (um jovem colega de Castle, pessoa de ideais e bondade, muito apreciado por Sam), «era viciado em vinho do Porto», pg. 22;
- «Sir John Hargreaves fez circular o porto.», pg. 47; nessa mesma página quatro linhas depois: «Beberam rapidamente o porto»…;
- Davis «gosta do porto vintage.», pg. 52;
- Quando a própria organização planeia matar Davis, para saber se é ele o agente duplo de que suspeitam, entre os superiores, pergunta-se: «Alguém sabe se ele bebe muito? - Falou em porto, não falou?»…, pg. 55;
- «um cálice de porto a mais», admite Castle, em pensamento, quando Davis estava aborrecido. Pg. 66;
- Davis sempre sonhou ser enviado para Lourenço Marques (actual Maputo, Moçambique), onde, pergunta ele a Castle, «O porto deve ser bom, não achas? Presumo que até os revolucionários bebem porto.», pg. 69. Três linhas à frente, outro pormenor de interesse, ainda por Davis: «Gosto da comida portuguesa»;
- «Não estou preocupado com o preço da comida, é o preço do porto de qualidade que me deprime», outra vez Davis, em diálogo com Castle, pg.71;
- «O Davis gasta muito em porto,» refere-se em diálogo de superiores da organização, na pg. 110;
- …«perigo do excesso de porto.» alvitrado como razão da morte para camuflar o assassínio projectado de Davis. Pg. 112;
- «No fim do jantar… Muller [um superior, agente racista da organização, inimigo frio e cruel que, em tempos, ofendera a relação de Castle e Sarah, e veio com suspeição dissimulada jantar a casa deles] aceitou um cálice de porto.», pg. 141. Mais adiante na mesma página «- Não gosta de porto? – perguntou Muller. – Costumávamos arranjar um porto excelente em Lourenço Marques»;
- Davis em diálogo com Castle: …«disse-lhe [a Percival, médico, agente da organização que planeou e executou o seu assassínio] que ia deixar de beber porto.» pg 170;
- Castle diz que «Davis não se importava com dinheiro. Só precisava de ter o suficiente para apostar em cavalos e servir-se de um bom porto.», pg 269;
- «-Não bebo porto – disse Sarah», em encontro num restaurante com Percival, que a convocara para a pressionar sobre o fugitivo Castel, pg311;
- Na sequência, Percival, responde a Sarah : … «a que propósito vem isso? Decidiremos qual o porto quando chegarmos ao queijo.», pg 312.
Para além da sua qualidade e do seu interesse, este livro tem outros motivos curiosos, que deixo de lado, para não aumentar a extensão do texto.
Só uma última nota para referir que o vinho do Porto é referido em muitas obras literárias de vulto, obras que, em Portugal, nunca terão funcionado como publicidade porque os portugueses lêem pouco. Lêem pouco, mas bebem muito, infelizmente.
Mas há quem leia muito noutras sociedades, que não a portuguesa. E ainda bem.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Morreu Pedro Rolo Duarte

Ouvia-o com grande apreço no seu programa de rádio das manhãs de sábado, chamado «Hotel Babilónia», onde fazia par (e que par!) com João Gobern. Um programa cheio de qualidade, realizado por dois Homens sérios e muito competentes.
Deixou-nos um Homem Bom, com muito talento. Tinha apenas 53 anos.
Obrigado Pedro Rolo Duarte.
Felicidades para João Gobern, a quem também agradeço, na continuação do programa.
Hoje é um dia triste.

José Batista d'Ascenção

sábado, 18 de novembro de 2017

Fazer bem sem olhar a quem

Ontem participei num jantar comemorativo dos 30 anos da «Associação Famílias» de Braga, presidida pelo Dr Carlos Aguiar Gomes, que há três décadas a fundou, com o apoio da sua esposa, a Dra Luísa Aguiar Gomes, a voluntária mais antiga da instituição, instituição que presta apoio em diversas áreas a quaisquer famílias que a procurem, «independentemente da situação em que vivam».
Carinhosamente convidado a participar, encontrei com muito gosto o Carlos e a Luisinha (gosto de os tratar assim e é assim que os trato), meus queridos amigos e colegas de profissão (aposentados), pois que fomos professores durante vários anos na mesma escola em que há quase duas décadas nos conhecemos e em que continuo a trabalhar. Foi um ambiente bonito, muito fraterno e acolhedor. Uma muito jovem e talentosa violinista encantou-nos, no início, a meio e depois da refeição, com a beleza, a harmonia e a qualidade da sua música. Os participantes estavam animados de boa vontade e de franca convivialidade. O Carlos e a Luisinha quase não se sentaram, foram a cada mesa, junto dos comensais, em manifestação de amena proximidade, abraçando ou tocando suavemente cada um enquanto todos comiam. Numa mesa mais afastada da sua, não vi que qualquer deles comesse. Mas a todos alimentaram com a sua amizade e franca bonomia. E, ali mesmo, durante o repasto, que soube particularmente bem, porque era bom e porque reunia as condicionantes afectivas propícias, não foi esquecido e pudemos pôr em prática um módico de solidariedade com quem precisa.
Além disso, ainda me calhou ficar ao lado de colegas conhecidos e prezados que há muito não via e com quem pude pôr «a conversa em dia». Tinha ainda como companheiros de mesa pessoas de mais e menos idade, alguns muitos jovens, e todos foram uma companhia simpática, agradável e sincera.
Não pude ficar até ao fim e tive pena porque me estava a sentir muito bem. À despedida, comovi-me e, ao atravessar a porta, duas grossas lágrimas, que momentos antes conseguira reter, despenharam-se dos meus olhos. Não eram de tristeza.
De caminho, o tribunal da minha consciência alertava-me para o quanto sou devedor de atenção e de partilha com os que têm menos do que eu.
Obrigado, queridos amigos.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

As alterações climáticas, os incêndios e a necessidade estrita de reflorestar o país

Estamos a cerca de um mês e uma semana do Natal. A macieira do meu quintal (foto ao lado), que em anos anteriores há muito devia ter deixado cair as folhas, está ainda frondosa como se fora Verão, após a colheita das maçãs. Está enganada com o tempo, esta macieira. E não é a única planta nestas condições, nesta altura do ano, longe disso.
A causa de tais factos está na luminosidade deste Outono, nas temperaturas médias demasiado altas para a época e, também, na falta de chuva. Há algumas décadas, o tempo estava por agora cinzento, molhado e frio, dando razão aos que não gostam do Outono nem do Inverno. Mas estes rigores do tempo são necessários à repetição dos ciclos de vida e ao funcionamento geral da Mãe Natureza, traduzidos, por exemplo, na recarga abundante dos aquíferos, por acção da chuva. E, se repararmos, os dias curtos, escuros e gelados das estações chuvosas, se bem que algo depressivos, tinham o condão de nos fazer apreciar sobremaneira a chegada luminosa, florida e cheia de vida da Primavera e o prazer de desfrutar dos dias longos de Verão, pelo menos para quem tinha a possibilidade de gozar algum período de férias.
O tempo está alterado. Alguns indicadores da ciência parecem mostrar que o Homo (pouco...) sapiens [designação científica da espécie humana, em latim, significando o homem que sabe] tem responsabilidades no que se passa em matéria de alteração do clima e são manifestos e indiscutíveis os efeitos negativos da poluição que nós, os seres humanos, provocamos no planeta, uma espécie de «gaiola» de onde não poderemos fugir, caso o tornemos globalmente inabitável, como já fizemos e continuamos a fazer em muitos lugares da superfície do globo…
Com as temperaturas médias demasiado altas – e cuja tendência é para subirem! - e com estios muito secos, aumentam enormemente as possibilidades de incêndios, causadores de prejuízos incalculáveis, quer no plano económico (casas, animais domésticos e culturas agro-florestais, por exemplo), quer em termos ambientais e ecológicos (destruição do coberto arbóreo, perda de espécies animais, poluição das águas circulantes, etc.) e - pior do que isso - é mais provável a perda de vidas humanas em números alarmantes.
Que podemos/devemos nós fazer? – Muito, com certeza. Por esta altura, depois do socorro às vítimas dos fogos, já devíamos estar a pensar e a executar as acções preventivas possíveis, como limpar os matos nas envolvências das habitações e das povoações do interior do país e em faixas de largura adequada contíguas às bermas das estradas. Uma acção fundamental que devemos às gerações dos nossos filhos e netos é a da reflorestação das superfícies ardidas com espécies autóctones mais resistentes e resilientes aos fogos e, além disso, muito mais bonitas na paisagem, se bem que com produtividades económicas (que não as ecológicas) demoradas, mas compensadoras no tempo futuro. E tal acção não pode traduzir-se em actos pontuais e simbólicos ou diletantes, a que somos atreitos, tem antes que ser efectiva, alargada à maior superfície possível, e continuada e repetida até fazermos do nosso país uma mancha florestal tão bela como era a Mata da Margaraça, na serra do Açor (agora ardida...), nas proximidades de Arganil, e como o são alguns trechos de vegetação na serra do Gerês, entre outros exemplos.
Aliás, se considerarmos o que se gasta inutilmente no combate (ineficaz) aos grandes incêndios, em cada Verão, a opção por florestar com racionalidade, rigor, paciência e persistência, é seguramente, muito compensadora a médio e longo prazo, isto sem referir bens maiores como evitar a dor de perdas humanas e o pânico e o horror em horas de aflição, assim como a desolação da paisagem e a perda de biodiversidade.
E seria irresponsável e criminoso não pôr em prática uma tal opção o mais rapidamente possível. É (o) tempo.
À atenção de cada um de nós, cidadãos, das autarquias e do governo, por esta ordem, ou seja: os cidadãos têm que envolver-se e exigir dos seus eleitos que assim seja, começando pelos mais próximos até todos os outros, em patamares políticos superiores, sob pena de não lhes confiarem o seu voto…
Parece-me que só assim podemos passar a ter uma «protecção civil» digna do nome… fazendo parte e beneficiando merecidamente dela.

José Batista d’Ascenção

sábado, 4 de novembro de 2017

A maldade que há em nós

A fisiologia humana depende directamente dos genes e das hormonas. Mas cada um de nós é, desde a concepção, o produto não só daqueles agentes como também da influência do ambiente que o rodeia, sejam as condições físico-químicas (o conforto, a alimentação, os factores naturais…) sejam as condicionantes educacionais, afectivas e sociais. Nenhum ser humano pode prescindir do amparo da família, sobretudo nos primeiros tempos de vida, nem da integração na sociedade, nem de desempenhar alguma função, motivo por que carece de um tempo de aprendizagem básica que tem lugar ao longo do primeiro quarto da sua vida (e às vezes durante mais tempo ainda). Daí a importância da educação, com destaque para os papéis da família, primeiro, e da escola, depois.
Não foram poucos os que, sobretudo depois de Jean-Jacques Rosseau (1712-1778), se agarraram à ideia, de que o ser humano nasce bom e que a sociedade é que o corrompe - a teoria do «bom selvagem». Nada comprova tal conjectura e quem lida com crianças e jovens sabe quanta agressividade e instintos egoístas e de posse é preciso ir burilando, pela persuasão, pelo acompanhamento e pela correcção, sempre que necessário, mas, principalmente, pelo exemplo. Isto não obsta a que o contexto seja um factor de peso nos comportamentos, que a minha avó traduzia numa recomendação simples: «junta-te aos bons serás um deles, associa-te aos maus serás pior do que eles».
Quem ler livros como «O Deus das Moscas» de Wiliam Golden (1911-1993) ou «O Jovem Törless» de Robert Musil (1880-1942) fica arrepiado com a crueldade de que as crianças são capazes. E quem tiver dedicado alguns anos da sua vida à profissão de educador infantil ou de professor dos mais novos sabe que aquelas obras não são apenas peças literárias fruto da imaginação dos seus autores. A realidade é mesmo assim e é melhor não a iludir.
Não é fácil educar. E é muito difícil (saber) educar bem (quem disser o contrário é porque conhece a «fórmula» ou se convenceu disso…). Uma regra de ouro, suponho, é não tolerar que as más práticas de outros e os maus exemplos justifiquem procedimentos condenáveis. Também do lado de quem aprende, a tarefa não é sempre fácil, nem simples, nem gostosa e, frequentemente, é trabalhosa (as excepções, que as haverá, confirmam a validade da regra).
Em consequência, é nossa obrigação, no respeito pela individualidade única e irrepetível de cada criança (exceptuando o caso dos gémeos chamados verdadeiros, em todo o espaço e por todo o tempo, ou a possibilidade monstruosa da clonagem humana) e pela sua personalidade, definir os valores por que nos pautamos e que devemos incutir nos mais pequeninos, assim como as regras básicas de comportamento individual e de relacionamento social, bem como o conjunto de saberes que permitam a cada um conhecer-se e conhecer o mundo em que se integra, interagir dentro de parâmetros conviviais aceitáveis, respeitar a natureza e os bens próprios e alheios e desempenhar alguma função útil para o próprio, para quem tiver (ou vier a ter) à sua responsabilidade e para a comunidade.
Não é coisa pouca. Mas não podemos fugir a essa responsabilidade. Tal como não podemos evitar todos os erros e falhas no cumprimento dela. É inaceitável a demissão. A ausência. A indiferença. E a cobardia. E de tudo isso vamos tendo que sobre.
Não que resulte daqui a pretensão, objecto de certas teorias políticas, de se poder criar o «homem novo», peça de uma engrenagem totalitária onde a liberdade e autonomia pessoal desaparecem, dando lugar a sociedades de horror, que a História bastamente demonstra. Cada ser humano deve ser tão intrinsecamente livre, quanto responsável e responsailizável pelas suas atitudes e acções. E isto implica, em cada pessoa, a humildade de aprender e a capacidade de se corrigir durante toda a vida. A educação de cada um nunca está completa, circunstância que está longe de ser um mal, pelas possibilidades de evolução e de enriquecimento pessoal que proporciona.
Mas é de pequenino que se começa a caminhada, necessariamente pelas mãos de quem já viveu mais e tem o mais genuíno amor pela progénie, como os pais, ou a devoção ao ensino e formação, como os professores.
Por consequência, é difícil o caminho, mas não nos resta senão caminhá-lo, e saborear os momentos bons e felizes que também tem. Sempre com a esperança de que à mágoa de cada queda sucedam o ânimo e a energia renovada para retomar o percurso.
Os vindouros saberão se o fizemos bem ou mal, quando forem eles a sentir o peso das dificuldades que hoje nos sobrecarregam.
Até lá, procedamos como nos compete. Que a mais não estamos obrigados, creio.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Este ano a floresta ardeu como nunca

Em matéria de incêndios, «a responsabilidade dos municípios é grande e é indesmentível.
Quem faz o planeamento da ocupação territorial são os municípios no seu plano diretor municipal, incluindo a localização de zonas industriais rodeadas de matas (algumas das quais arderam), sendo também os municípios que irresponsavelmente licenciam edificações isoladas no meio de pinhais e eucaliptais, que foram vitimas dos incêndios.
Grande parte das estradas sem bermas limpas são estradas municipais. São os municípios que têm a obrigação legal de fazer cumprir a distância legal de segurança das matas em relação a habitações, obrigação que em geral não cumprem.
Os bombeiros são quase todos municipais, pelo que as suas insuficiências reveladas no terreno são, em última instância, uma responsabilidade municipal.
Por último, os municípios estão legalmente obrigados a preparar e a operacionalizar planos antifogo, o que a maior parte deles não fez, o que é uma falha gravíssima.»

Extracto de um texto publicado por Vital Moreira, In: https://causa-nossa.blogspot.pt/2017/10/responsabilidades-partilhadas.html

terça-feira, 31 de outubro de 2017

A minha roupa parece velha porque… é velha

Imagem obtida aqui
Faz tempo, depois de muita insistência em casa, lá me dispus ao sempre penoso sacrifício de ir comprar (alguma) roupa. Lembro-me que fiquei algo perplexo quando uma jovem lojista me explicava que certo par de calças de ganga, bastante coçadas e delidas - ela chamava-lhe «pré-lavadas» - para, propositadamente, parecerem velhas, eram mais caras. Porém – insistia a rapariga – atendendo ao meu «estilo», talvez fossem da minha preferência… Ora eu, quando compro roupa, prefiro-a nova, deixando que o tempo e o uso se encarreguem, o mais demoradamente possível, de a fazer velha. Vai daí, com toda a paciência de que fui capaz, esclareci que pretendia comprar roupa nova, com aspecto de nova, precisamente porque a minha era velha. Pareceu-me que deixei a menina baralhada. Para não lhe causar (mais) incómodo, cedi afavelmente à pessoa que me acompanhava, ao sentir que, de modo suave, me pegava no braço, e fomos embora.
A roupa esfarrapada não me causa impressão desfavorável, se me parecer limpa. Talvez isso se deva a ter crescido na presença de e com pessoas que, de tão humildes, e por se ocuparem de trabalhos esforçados, muito mais vezes do que gostariam, andavam rotas.
Hoje, pessoas jovens e menos jovens usam roupas, sobretudo calças de ganga, que foram intencionalmente rasgadas. É moda, dizem-me. Repito, isso não me impressiona. Já me impressiona e desagrada que alguém se espante por eu gostar desse mesmo tipo de calças intactas, bem lavadas e passadas a ferro (o que não significa que as use sempre tal como gostaria).
Em certo sentido, a moda da roupa rota parece-me em harmonia com a condição socio-económica e até mesmo psico-afectiva de grande parte das pessoas do país, que às vezes vejo como um país de esfarrapados (para além de desdentados, uma miséria triste, cuja resolução, por motivos de decência e de saúde não devia ficar muito cara). Com receio, aliás, de que a tendência se possa agravar, em vez de atenuar-se. Medos que eu tenho, e que gostaria que fossem infundados...
Nas nossas comunidades há também quem caracterize certos oferecimentos ilusórios e hipocritamente generosos como «oferecimentos esfarrapados», traduzidos, não raro, pela curiosa formulação: «não queres, pois não?», sem esperar resposta. Também são mais comuns do que o desejável aquelas desculpas que o não são nem poderiam ser e a que apropriadamente se chama «desculpas esfarrapadas».
Procurando não passar da condição de mal amanhado para a de esfarrapado, dou comigo a pensar: será que ainda vou andar (involuntariamente) na moda?

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Eu, «depois que envelheci»

Imagem obtida aqui
Diferentemente da generalidade das pessoas, sempre associei o termo «velho», quando aplicado a pessoas, à ideia de sabedoria, experiência, maturidade, compreensão, generosidade, ternura e, nalguns casos, beatitude. Assim me ensinaram em criança e cedo o interiorizei. Por isso, mais que os conselhos, avisos, ordens ou repreensões dos meus pais, eram as palavras dos meus avós que eu ouvia, senão com mais respeito, pelo menos com maior reverência. São as considerações (normalmente curtas) do meu avô, ou os ditos da minha avó (os maternos, que o avô paterno morreu bastante mais cedo e a avó, que foi a sua mulher, já não a conheci) que sempre me acompanharam e que, amiúde, evoco nas mais variadas situações.
O que viria a encontrar depois, ao longo da vida, foi um certo horror à palavra «velha(o)», como se a mesma fosse um insulto, a contrario da minha escala de valores. Lá na aldeia onde nasci e fiz a escola primária, não eram só as pessoas que, sendo velhas, eram especialmente estimáveis. Também beneficiavam dessa condição os animais a quem a idade pesava, os quais requeriam atenção e cuidados específicos (certo que a beleza e a graça das crias jovens e a sua capacidade de brincar eram um deleite, mas até isso – aprendíamos nós – dependia da presença próxima dos progenitores, mais velhos), as coisas ou objectos (vinho velho e novo ou o queijo podiam ser bons por motivos opostos em questão de idade; os sapatos mais usados, sem serem demasiado velhos, eram preferíveis ao novos que, frequentemente, «mordiam» os pés; havia também quem se afeiçoasse a roupas com algum uso por oposição aos fatos novos, ditos «domingueiros», até pelo receio e preocupação de os não sujar excessivamente ou danificar… Que tempos!) e até às plantas se podia aplicar critério parecido: só as mais crescidas (mais velhas) podiam dar-nos a beleza abundante das flores e o prazer e o proveito dos frutos, assim como a sombra no Verão e a harmonia da paisagem. Nas relações familiares e sociais (e na tropa!) havia mesmo um ditado, bastante discutível, mas com um certo fundo verdadeiro, que afirmava que «a velhice é um posto». 
Hoje, com a idade de várias décadas, percebo a falta de energia, as falhas de visão ou de memória, o desconforto físico e as dores, assim como a consciência da fragilidade e da morte mais próxima no tempo; e olho mais vezes para o que passou por comparação com o que eventualmente surgirá no futuro, que perspectivo com alguns receios. Porém, vivo a progressão na ou para a decrepitude com a angústia da degradação do corpo e do espírito, mais que a da finitude da vida. E julgo perceber bem o modo como Jorge Amado um dia classificou a velhice… Creio, de resto, que, uma vez que, em média, vamos vivendo cada vez mais, maior pode ser, por várias razões, a tendência para haver autodescontentamento das pessoas com o estado de idade avançada.
No entanto, sentindo-me já velho, em muitos aspectos (de mais a mais, sinto-me bem na companhia de pessoas mais velhas, prefiro as suas conversas às de muita gente mais nova, aprecio o à-vontade e franqueza de quem já viveu muito e comungo facilmente das suas perspectivas de vida, ou da falta delas...), isso não me perturba nem me desgosta. É em mim muito forte a convicção de que as pessoas muito interessantes, normalmente, tornam-se mais interessantes ainda com os anos, à medida que envelhecem, e parece-me que não o seriam tanto sem o avançar da idade, que dá têmpera, capacidade de reflexão e serenidade: estou a lembrar-me das conversas de Agostinho da Silva, de certos escritos diários de Miguel Esteves Cardoso ou dos abraços de Marcelo Rebelo de Sousa. Na minha maneira de sentir, sem querer chamar-lhes velhos, só pode falar, escrever ou abraçar assim quem tem uma compreensão profunda da vida e do mundo, o que – a meu ver – equivale a ter vivido muito, e daí o meu carinho pelos velhos.
Ao contrário, há crianças e jovens que me parecem «velhos» naquele sentido pejorativo que não partilho, e pessoas de idade que são «velhas» no bom sentido que dou ao termo, e perante as quais me curvo reconhecido. A esses chamo afectuosamente «os meus velhos». Isto não obsta a que goste muito de crianças e jovens, em si mesmos e na esperança de que cheguem a «velhos», compensando o mundo pelo que o mundo lhes deu.
Também na literatura, um dos livros cuja leitura mais me marcou foi «O Velho e o Mar» de Ernest Hemingway, pela obra que é e pelas razões que referi.
Obrigado, «meus velhos».

José Batista d’Ascenção

domingo, 22 de outubro de 2017

MANIFESTO, por Jorge Paiva

Galopim de Carvalho e Jorge Paiva:
dois estrénuos defesores do ambiente e da pedagogia
em Portugal. Imagem obtida aqui.
Se acabassem os Serviços Hospitalares e os hospitais fossem abandonados, aumentaria extraordinariamente o número de mortes e os hospitais degradar-se-iam, acabando por ruir.
Se acabassem os Serviços Prisionais e as prisões fossem abandonadas, aumentaria extraordinariamente o número crimes e as prisões degradar-se-iam, acabando por ruir.
Como acabaram com os Serviços Florestais aumentaram extraordinariamente os incêndios florestais e as casas dos guardas florestais degradaram-se, acabando muitas por ruir.

ESTE FOI UM DOS ERROS DE SUCESSIVOS GOVERNOS
MAS HÁ MUITOS MAIS, QUE LEVARAM AOS PIROVERÕES QUE TEMOS

Todos os Partidos Políticos são culpados da hecatombe florestal portuguesa.
Em vez de os políticos se entreterem a vociferar uns contra os outros no Parlamento, nos debates televisivos e durante as campanhas eleitorais, devem unir esforços para conseguirem programar e solucionar o mais grave desastre humano, económico e ambiental que temos.
Por ser uma solução temporalmente longa e que terá que abranger várias legislaturas é que os políticos, vociferadores compulsivos, nunca se reuniram para conseguirem um acordo global.

TRATA-SE DE PURA INCOMPETÊNCIA POLÍTICA

BASTA!!!
   
Jorge Paiva, Outubro de 2017

Afixado por: José Batista d'Ascenção