Artigo do Professor Doutor Jorge Paiva, publicado no Diário de Notícias em 17 de Setembro de 2018 (versão online)
Não há dúvidas nenhumas que as alterações climáticas são evidentes (R. Trigo, Climatólogo, Univ. Lisboa; D. Notícias, 29.07.2018). No entanto, os governantes (mundiais, nacionais e regionais) não só ignoram o fenómeno, como até o favorecem com decisões economicistas. Aliás, já Eça de Queiroz referia, nos finais do século XIX, a promiscuidade político-financeira, por exemplo nos Maias ("E como Carlos lembrava a Política, ocupação dos inúteis, Ega trovejou. A política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros por traz lhes puxavam pelos cordéis..."). Talvez por ser uma obra politicamente tão inconveniente, foi, praticamente, retirada do Ensino Secundário.
Exemplo do obscurantismo e falta de ética dos políticos mundiais para com o Ambiente são os sucessivos falhanços das Cimeiras Internacionais sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente que se iniciaram há cerca de meio século.
Tudo começou em 1972 com a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, onde estiveram representantes de 113 países, que finalizou sem qualquer acordo global e unânime. Seguiu-se, em 1975, o Colóquio sobre Educação Ambiental, em Belgrado. Desta Cimeira resultou a designada "Carta de Belgrado" sobre educação ambiental. Em 1977, foi a Conferência de Tbilisi, que teve por base a Carta de Belgrado, com o propósito de contribuir decisivamente para o Programa Internacional de Educação Ambiental. Em 1979, realizou-se a "Primeira Cimeira Mundial do Clima", em Genebra, onde, pela primeira vez as alterações climáticas foram reconhecidas como um problema grave para o planeta. A cimeira lançou o Programa Mundial do Clima, mas com eficácia praticamente nula. Em 1985, na cidade austríaca de Villach, realizou-se uma Conferência Internacional sobre a concentração crescente de gases com efeito de estufa, tendo sido aprovada a primeira declaração prevendo aumentos da temperatura global no século XXI maiores do que em toda a história da Humanidade. Em 1988, é criado o "Intergovernmental Panel on Climate Change" (IPCC), um organismo sob a alçada da ONU, que recolhe estudos publicados e produz relatórios a partir do consenso científico existente. Este painel é aceite como a maior autoridade científica no que respeita às alterações climáticas. Em 1990, realizou-se a Segunda Conferência Mundial do Clima, em Genebra. Para além de avaliar a primeira década do Programa Mundial do Clima, produziu recomendações e um apelo para a acção global sobre alterações climáticas. Em 1992, teve lugar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, a ECO-92. Desta Cimeira resultaram, entre outras, a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Declaração do Rio, a Declaração sobre Florestas e a Agenda XXI. Em 1995, realizou-se em Berlim a designada COP-1, "Primeira Conferência das Partes", que reconheceu que os mecanismos aprovados no Rio (ECO-92) não serviam o objectivo estabelecido e aprovaram o "Mandato de Berlim", que permitia às partes estabelecerem compromissos específicos. Seguiram-se-lhe, anualmente, sucessivas COPs. Em 1996, foi a COP-2, em Genebra; 1997 a COP-3, em Quioto, na qual foi efectuada a primeira revisão do documento do Rio, aprovada, por consenso, entre os 150 governos representados. Na COP-4 de Buenos Aires, em 1998, foi aprovado um documento a permitir um período transitório de dois anos para a implementação dos mecanismos aprovados em Quioto. Em 1999, na COP-5, em Bona, reforça o que fora estabelecido no Plano de Acção de Buenos Aires. Em 2000, depois do falhanço da COP-6, em Haia, as negociações prosseguiram em Bona, onde todos os países à excepção dos EUA (presente com estatuto de observador) acordaram os mecanismos para a implementação do Protocolo de Quioto. Segue-se-lhe, em 2001, a COP-7 de Marraquexe, onde foram aprovadas as regras estabelecidas no Protocolo de Quioto (Acordo de Marraquexe).. Em 2002, na COP-8, em Deli, onde foi aprovada uma declaração que apelava a prosseguir o trabalho feito e reforçava o apelo aos países desenvolvidos para transferirem tecnologia para os menos desenvolvidos. Entretanto, em 2002, realizou-se a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio-10), em Joanesburgo, que teve como objectivo reavaliar e implementar as conclusões e directrizes acordadas na conferência Rio-92 e aprovar directrizes relacionadas com as mudanças climáticas e o crescimento da pobreza, de forma a alcançar um desenvolvimento sustentável. Em 2003, seguiu-se a COP-9, em Milão, onde foram aprovadas algumas recomendações e alterações aos dois fundos financeiros criados na COP-7 em Marraquexe. Em 2004, a COP-10, tal como aconteceu com a COP-4, decorre em Buenos Aires e serviu para concretizar o estabelecido no Acordo de Marraquexe (2001). A COP-11, que decorreu em Montreal, em 2005, foi a primeira conferência após a entrada em vigor do Protocolo de Quioto (1997) e constitui o arranque do processo para considerar medidas adicionais de combate às alterações climáticas a partir de 2012. Em Nairobi, decorreu a COP-12, em 2006, que apenas serviu para estabelecer normas de adaptação aos impactos das alterações climáticas. Em 2007, a COP-13 realizou-se em Bali, onde foi aprovado o designado "Roteiro de Bali", para se estabelecer, no prazo de dois anos, um novo acordo sobre alterações climáticas. Na COP-14 (Poznan, 2008) foram aprovadas as regras do Fundo de Adaptação e apoio aos países menos desenvolvidos na adaptação às alterações climáticas. A COP-15, realizada em Copenhaga (2009), teve grande relevância política, por terem estado presentes vários chefes de Estado e de Governo. Mas a Conferência constitui um enorme fracasso por não se ter conseguido estabelecer normas vinculativas após ter expirado o prazo do Protocolo de Quioto (1997). Em 2010, em Cancun, realizou-se a COP-16 que confirmou o limite máximo de elevação da temperatura média global (2ºC) estabelecido na COP-15 (Copenhaga). Na COP-17 (Durban, 2011), estudaram-se processos para estabelecer um novo acordo climático global em 2015 e foram estabelecidas novas regras para a comunicação das reduções de emissões em todos os países, a vigorar após 2020. Ao contrário da Rússia, Japão e Canadá, a UE decidiu prolongar até 2017 os seus compromissos com o Protocolo de Quioto (1997), cujo prazo expirava em 2012. Em Doha, realizou-se a COP-18 (2012), onde, mais uma vez, se prolongou o prazo de cumprimento dos compromissos de Quioto até 2020 e foi declarado o fracasso na meta anual dos 100 mil milhões de dólares, acordada em Copenhaga (2009). Os países desenvolvidos comprometeram-se a compensar os menos desenvolvidos pelos estragos provocados pelas alterações climáticas. Neste mesmo ano (2012), realizou-se a extraordinariamente propagandeada Rio-20, ou Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), no Rio de Janeiro e que teve como objectivo a renovação do compromisso político sobre desenvolvimento sustentável. No entretanto as COPs anuais continuam. Assim, em 2013, realizou-se em Varsóvia a COP-19, que terminou sem o estabelecimento de normas vinculativas sobre a compensação aos países menos desenvolvidos pelos estragos provocados pelas alterações climáticas, e sobre as emissões de gases com efeito de estufa, que deveriam ser incluídas no acordo a assinar em 2015 em Paris. Em 2014, foi a vez da COP-20, (Lima), destinada a preparar as normas para se estabelecer um novo acordo no ano seguinte, em Paris, mas, infelizmente, mais uma vez, não foi conseguida a unanimidade. Porém, na COP-21, em 2015, foi firmado o "Acordo de Paris", que estabeleceu a meta de 2ºC para o aumento da temperatura média global. Infelizmente o cumprimento da meta é voluntário e não prevê penalizações para os prevaricadores. Em Novembro de 2016, realizou-se, novamente em Marraquexe, a COP-22, onde foi estabelecido um "Livro de Regras". A COP-23 realizou-se em Novembro de 2017, na cidade de Bonn (Alemanha), onde a delegação dos Estados Unidos da América teve um comportamento inqualificável. A próxima COP-24, terá lugar em Dezembro deste ano (3-14), na cidade industrial de Katowice (Polónia).
Como facilmente se verifica, após tantos anos de Conferências Internacionais, a falta de escrúpulos de grande parte dos governantes mundiais faz com que continuem a ignorar estes Acordos, ao mesmo tempo que afirmam descaradamente que as Alterações Climáticas são uma invenção dos cientistas e que o desenvolvimento (desenfreado e altamente poluente) dos países desenvolvidos é um desenvolvimento sustentável.
Em Portugal passa-se o mesmo. São disso exemplos o que se passa com os designados Planos Directores Municipais (PDM), que são constantemente alterados, consoante as conveniências; o que se passou com o caso "Free Port", na Reserva Natural do Estuário do Tejo, em Alcochete; a poluição do leito do Tejo, que, apesar de se saber qual a empresa industrial responsável, não só é o Estado (isto é, todos nós, contribuintes) a arcar com a despesa da remoção das lamas, como também não foram aplicadas as devidas coimas; uma unidade industrial do mesmo grupo despeja, impunemente, os efluentes, sem qualquer tratamento, para o mar em frente à Leirosa (Figueira da Foz); em vez de alterar o tipo de arborização do país e adaptá-lo ao aquecimento global já presente, o Ministério da Agricultura, através do Programa de Desenvolvimento Rural, apoiou este ano, com cerca de 233 mil euros a replantação de eucaliptos (R.J.Rodrigues, Diário de Notícias, 29.07.2018) e, depois dos incêndios de 2017, esgotaram-se os eucaliptos nos viveiros do país. Também já Eça de Queiroz refere a catástrofe eucalipteira que atingiu o nosso país (Cidade e as Serras: "--Oh Zé Fernandes; quais são as árvores que crescem mais depressa? --Eh, meu Jacinto... A árvore que cresce mais depressa é o eucalipto, o feiíssimo e ridículo eucalipto. Em seis anos tens aí Tormes coberta de eucaliptos... --"). Aliás, Eça de Queiroz se tivesse vivido na época salazarista, teria sido preso pela PIDE, como aconteceu em 1958 a Aquilino Ribeiro, por criticar a plantação contínua e mono-específica dos baldios com pinheiro-bravo (Quando os Lobos Uivam: "A serra era de nossos pais e avós, dos nossos rebanhos, dos lobos que no-los comiam, do vento galego que afiava lá pelos descampados as suas navalhas de barba (...) Quem vier para no-la tirar, connosco se há-de haver!"
E ficamos por aqui, que é quanto basta para se entenderem as incongruências dos políticos na preservação da vida humana nesta gaiola, que é o Globo Terrestre, onde vivemos e que temos vindo a poluir desmesuradamente a partir da "Revolução Industrial". Se assim continuarmos a poluir e a aquecer o Planeta, muito em breve, tornar-se-á inabitável para a nossa espécie.
Biólogo
Afixado por: José Batista d'Ascenção