quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Natal, comércio e poluição luminosa

Perdeu-se o tempo ou a ideia de associar o Natal a uma quadra de paz, doçura e amenidade. Afectivamente, eu senti-a assim. Agora, as imagens constantes da violência e do terror são tão presentes que não deixam espaço para a conveniente ilusão da bonomia geral do mundo.

Por isso, tenho cada vez mais a nostalgia do Natal como tempo imprescindível para as crianças e como necessidade afectiva e idiossincrática dos adultos.

Esclareça-se: não é de ontem que tenho saudades, é de hoje e de amanhã.

Veio o plástico e enchemos a criançada de brinquedos. Afogámo-la em quinquilharia e no vazio do tempo que não lhe dedicamos, porque muito atarefados para, entre outras coisas, comprar mais plástico, de cores variegadas, tantas vezes em jogos que haviam de tornar cada criança mais inteligente e desembaraçada.

Mas só as cores não chegavam. Então, adicionámos o ruído, o matraquear, o estralejar e as sequências de notas musicais estridentes e repetitivas. O que também não chegava.

Por isso, juntámos o catrapiscar do acende-e-apaga súbito ou lento ou tudo intercalado e multiplamente colorido.

A cada Natal, meio atordoado, eu olho e (não) aprecio. Os meus vizinhos, do lado oposto da rua, procedem muito bem: à noite, ligam tarde os seus sistemas luminosos expostos em paredes, varandas e janelas e desligam-nos bem cedo, à hora crepuscular, quando, na cozinha, preparo os pequenos-almoços.

Um dia destes pus-me a seguinte questão: que fariam os pirilampos se pudessem afectar de forma drástica o ciclo de reprodução dos humanos?

Festas felizes para todos.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

(A)normalização da indisciplina

Há poucas décadas, (supostos) especialistas de educação passaram a insistir na distinção entre indisciplina e violência, em vez de rejeitarem ambas, começando pela primeira como medida preventiva da segunda. Foi assim nas escolas, antes de não poucos professores começarem a ser fisicamente agredidos, dentro e fora das salas de aulas, por alunos e também por encarregados de educação (!), quase sempre com total impunidade.

Radicando aí ou não, os próprios professores (alunos de “ontem”…) passaram a manifestar-se publicamente de forma indisciplinada e inconveniente, o que provocou desconforto em muitas pessoas (e fez com que eu me retirasse antes do fim na última manifestação em que participei). Materialmente houve ganhos. Pedagogicamente acentuou as perdas progressivas no ambiente desejável na instituição escolar, pelo menos da forma como eu o vivo e sinto.

Também as polícias passaram a manifestar-se de forma ruidosa e pouco respeitosa, até da legalidade, como aconteceu na última campanha eleitoral para as legislativas, tendo então, o actual primeiro-ministro, ignorado tibiamente o facto, como não lhe competia, preparando a cama onde veio a deitar-se.

Esta semana foram os bombeiros. Vestidos com a farda e de capacete (equipamento de protecção que todos pagamos), fazendo explodir artefactos pirotécnicos proibidos (como os bandoleiros das claques futebolísticas) e (auto)intitulando-se «heróis do povo», assumiram atitudes de protesto que só podem prejudicar a imagem e os legítimos interesses dos próprios bombeiros.

Comum neste tipo de manifestações é a opção por entoar a letra – bélica e fanfarrona, a meu ver, e por isso escolhida - do hino nacional, grotescamente cantado.

Os direitos das pessoas – de todas as pessoas – são (ou deviam ser) inalienáveis, mas isso não legitima manifestações corporativas intimidatórias em que os extremistas se infiltram e que aproveitam. Eles bem sabem para quê.

José Batista d’Ascenção

domingo, 1 de dezembro de 2024

A importância das boas traduções

Tenho entre mãos um livro de uma boa editora que não estou a gostar de ler. Salvo outros factores, ou é de mim ou é do autor ou é do tradutor, ou de dois de nós ou mesmo dos três.

O que me interessa aqui é a qualidade das traduções.

Oiço dizer que muitos bons poemas de quaisquer línguas são intraduzíveis. Concordo e não concordo. Deixando de lado o que é boa poesia, questão cada vez mais pertinente, conheço casos em que a tradução de um poema ou obra poética é de valia igual à do original. Dou um exemplo inquestionável: a tradução de «A Divina Comédia» de Dante Alighieri por Vasco Graça Moura. Facilmente se aceita que, se Graça Moura tivesse traduzido um bom poema de um autor razoável, essa tradução facilmente suplantaria em qualidade o poema primitivo.

O mesmo vale para a prosa. Não sei por que para tal lhe deu, Eça de Queirós traduziu para português um livro de um autor inglês que intitulou «As minas de Salomão». Refere-se comummente que a obra traduzida vale menos do que a tradução. Conhecendo razoavelmente a obra de Eça, mesmo sem poder fazer a comparação – dado que o meu inglês não chega a sofrível – nada me custa aceitar que assim seja. E, contudo, na tradução desse livro, o nosso prosador maior ignorou um erro objectivo relativo à descrição de um eclipse, que o autor (mais ou menos desconhecido) havia cometido. Séculos antes, Camões, que tinha uma memória prodigiosa e uma cultura profunda e vastíssima, dificilmente cometeria um erro «científico», por assim dizer.

Mas, o caso que me fez despertar para a importância das traduções foi a leitura repetida de «Dom Quixote de la Mancha», uma não sei de quem (desfiz-me dos volumes dessa edição…) e outra posteriormente, de Aquilino Ribeiro Machado. Nessa altura, apercebi-me de trechos saborosíssimos que antes não me tinham impressionado tanto. Duvidoso, fui comparar as duas versões em diferentes passagens, para ver se a diferença estava no sujeito leitor. Não estava, uma vez e outra e outra, a riqueza do conteúdo não tinha comparação. Foi então que a minha admiração pelo autor do «Romance da Raposa» cresceu desmesuradamente.

Quem faz uma boa tradução de um bom livro, realiza uma (nova) obra muito meritória.

José Batista d’Ascenção

domingo, 24 de novembro de 2024

Biografia do «príncipe dos poetas portugueses»

«Fortuna, Caso, Tempo e Sorte», Biografia de Luís Vaz de Camões, de Isabel Rio Novo. Um livro portentoso, comovente e muito bem escrito. O nosso Poeta maior merecia uma obra assim, quinhentos anos depois (digo-o eu, que poucos livros li sobre ele).

De Camões ressalta, como é óbvio, o ser humano, nas suas múltiplas características: o modo de ser e de viver, um carácter forte e digno, um grande humanismo, uma cultura profunda e um conhecimento vasto, pelo estudo e pela sua extraordinária experiência de vida: contacto com pessoas de todas as extracções sociais, participação na guerra, viagens marítimas, contacto com diferentes povos e culturas... Tudo isto servido por uma memória prodigiosa e um incomparável génio poético. São igualmente cristalinas as suas humanas fragilidades, como a atracção irresistível pelo belo sexo - feminino, esclareça-se - e a pouca habilidade para gerir os seus parcos recursos materiais.

Para apreender profundamente este livro no que respeita a viagens marítimas no século XVI, há um outro livro, sobre as viagens da «carreira da Índia», que muito o facilita: «Entre o Céu e o Inferno», de Marco Oliveira Borges, que referi aqui.

Uma extraordinária biografia de Camões que se estende por setecentas páginas fáceis de ler e que valem muito a pena.

Quem duvidar que tire a prova.

José Batista d’Ascenção

sábado, 16 de novembro de 2024

Um simpático cogumelo da minha infância

Macrolepiota procera. Vários nomes vulgares, em diferentes regiões do país: frades, gasalhos, roques, centieiros, "tartulhos", "crecemêlos", etc.

Assados, com duas pedrinhas de sal, são muito saborosos. Dizem que salteados também. Esta manhã encontrei três, no meu percurso habitual das manhãs de Sábado. Com o chapéu bem aberto, suponho que os esporos já se libertaram, na maior parte, pelo que não faz mal colhê-los, dado que a sua função está cumprida. A partir de agora, serviriam apenas de alimento a uma data de bichinhos. De tal destino posso eu tratar, em colaboração com a Lurdes. Vou experimentar cozinhá-los eu mesmo. A minha falta de jeito na cozinha é conhecida de todos os que me conhecem, pelo que estão dispensados (esses e outros) de perguntar como é que me saí.

Bom fim-de-semana.

José Batista d'Ascenção

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Tempos de trump

Nunca foi, não é, nem será perfeito, o ser humano. Por isso, em todos os tempos, em todos os lugares, muitos se preocuparam em definir princípios e regras que pudessem harmonizar a vida em comum.

Em termos sociopolíticos, a instituição da democracia moderna, em que mulheres e homens têm os mesmos direitos, constitui, de todos, o sistema político mais avançado, permitindo a realização dos seres humanos em clima de liberdade e de responsabilidade, que implica respeito de todos por cada um e de cada um por si e pelos restantes. O maior desenvolvimento intelectual e económico atingiu-se em regimes democráticos, com sistemas de justiça isentos e independentes do poder político.

Porém, a marcha da humanidade é imprevisível, o que significa que o bem afectivo, social e material alcançado não se pode dar por garantido se não se zelar quotidianamente por ele. Assim também para as democracias dignas do nome.

Por outro lado, os sistemas políticos ditatoriais ou autocráticos foram sempre maioritários no mundo. E os seus líderes não olham a meios para se manterem no poder, neutralizando (tantas vezes por eliminação) os seus opositores. As novas tecnologias e as redes sociais depressa foram apropriadas por esses chefes para veicularem propaganda e conteúdos falsos, boicotando as democracias, denegrindo-as e tentando conduzi-las ao caos. Tudo por poder, mais poder e dinheiro.

Tal tem sido a evolução que as distinções clássicas de ideologia se tornaram irrelevantes para quaisquer ditadores ou aspirantes à condição. Putin, Maduro, Bolsonaro, Trump, Lukashenko, Kim Jong-un , Xi Jinping, Mnangagwa, trabalham conjugados para atingirem fins idênticos: poder e dinheiro. Os donos das redes comunicacionais também, e dão-se bem com ou associam-se aos autocratas; quanto a nós, somos instrumentos deles.

Temos assim as democracias cada vez mais fracas e periclitantes. Os EUA deslizaram para o "trumpismo". A Alemanha talvez tombe para a ultradireita em eleições próximas. Isto nem Anne Applebaum previu no seu livro «Os ditadores que querem governar o mundo», publicado entre nós há escassos dois meses.

Parece demasiado mau para ser verdade. Seria bom que ficasse apenas pelo parecer, mas isso só acontecerá se os que amam a liberdade e a democracia não permitirem que se abdique delas.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Uf! – gostaria de dizer amanhã

Se pudesse pediria desculpa a Kamala Harris. A perspectiva de uma vitória tangencial sua não me exalta nem me sossega, preocupa-me, por isso mesmo. O menos mau é que essa vitória evitaria, ainda que por margem mínima, a eleição de um presidente americano, a meu ver, monstruosamente indesejável. Fico perplexo não pela maldade, crueza, indecência e falta de escrúpulos de alguém muito poderoso, mas pelo elevadíssimo número dos que voluntaria e cegamente o apoiam.

Onde falha(ra)m o esmeril da educação e a racionalidade da instrução e do conhecimento? Como estamos a forma(ta)r os seres humanos? Elevamo-nos ou regressamos às cavernas, com a ajuda ou por acção (deliberada) de extraordinários meios tecnológicos de comunicação e alienação?

Não sei de qualidades fora do comum em Kamala Harris (talvez por deficiente conhecimento meu…) que a tornem particularmente indicada para a presidência dos EUA. Basta-me, contudo, que seja, como parece, uma pessoa normal, bem formada e bem preparada. Ademais, experiência não lhe falta. E gosto, gosto muito, do seu sorriso aberto e franco.

Desejo profundamente que ganhe. E que não lhe faltem coragem e lucidez.

O mundo precisa.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Fiandeiras d'algum tempo

Tenho um brinco com que brinco

Tenho um brinco que me enlouquece

Quanto mais brinco com o brinco

Mais o volume lhe cresce


Em tempos não muito distantes, dedicadas fiandeiras passavam horas de roca ao colo enrolando fio de lã, de linho ou de estopa no fuso que rodopiava entre o indicador, o médio e o polegar de uma das mãos, em acção combinada com o humedecimento com saliva do polegar e do indicador da outra mão, no acto contínuo de transformar um emaranhado de fibras precisamente nesse fio enrolado à volta da zona média do fuso.

Sendo mais do que uma mulher na fiação, a conversa podia incidir na vida alheia, indo da «Lua Nova» até à «Lua Cheia», e vice-versa, vezes sucessivas.

À volta do fuso esguio crescia em barriga o fio enrolado, até o tamanho atingido obrigar à sua fácil remoção, que se fazia puxando a maçaroca para a extremidade fina do fuso.

No ambiente rural, fiadas as maçarocas, seguia-se a tecelagem, em teares artesanais, a cargo de tecedeiras, que podiam ser as mesmas mulheres.

Os tecidos, produto final da fiação e tecelagem, eram nova matéria-prima para várias utilizações: vestuário, toalhas, lençóis, tapeçarias, sacos, etc.

A industrialização e os progressos técnicos varreram para o esquecimento ou para o vasto campo da ignorância aquelas ocupações das nossas bisavós dos ambientes campesinos.

Nem nos museus que ainda restam os jovens e as crianças de hoje percebem formas de viver que estão longe de ser remotas no tempo.

José Batista d’Ascenção

sábado, 26 de outubro de 2024

Só, à mesa do café

Fomos uma roda de amigos que frequentava «Os Coelhos». Sentávamo-nos e recebíamos em festa cada um que ia chegando. Eram ao fim-de-semana, os nossos encontros. Um destes dias ocupei eu, apenas eu, a mesa a que costumávamos iniciar cada confraternização. Então, parecíamos indiferentes à seta do tempo, mesmo quando começou a faltar um, depois outro dos convivas… Faltas definitivas, pelas leis da vida ou da saúde. Nunca falámos dos faltosos, como se fora impossível desocultá-los do peito. Vieram rugas e cabelos brancos, alargou-se a calvície, diminuíram os empolgamentos clubísticos do futebol e passámos a mostrar fotografias dos netos.

O senhor Miguel e o irmão sempre nos trataram familiarmente, como aos outros clientes. Depois, por saturação do senhor Pedro, o senhor Miguel ficou só, talvez mais apoiado pela esposa. Agora também ele arrasta uma das pernas, sem ter perdido a jovialidade de sempre. Quando, pela primeira vez, reparei, impensadamente, perguntei-lhe como tinha ficado assim. Respondeu-me que já estava muito melhor… e assim calou a minha inconveniente curiosidade.

Culpei a passagem do tempo, e senti mais agudamente a falta de outras caras, vozes e sorrisos. Voltei a culpar o tempo.

Desta vez, o senhor Miguel trouxe-me à mesa o segundo livro de poemas do filho, seu homónimo, a criancinha que há uns anos cirandava entre as mesas. Folheando-o, e lendo a primeira meia dúzia de composições, senti que é este outro tempo e que não há mais que aceitar a sua marcha.

Não pára o mundo. Nem nós paramos nele.

É assim. Ponto.

José Batista d’Ascenção

domingo, 20 de outubro de 2024

Trump Tranião (*)

No espantoso mundo de hoje, a mentira e a verdade são indistintamente usadas no argumentário político e, ultrapassadas quaisquer barreiras éticas e morais, a primeira prevalece sobre a segunda, de modo frontal e chocante para quem não perdeu os vínculos a princípios e à racionalidade.

As democracias e os valores do humanismo perdem terreno e a barbárie progride, na violência económica, que atira para a pobreza camadas populacionais cada vez mais numerosas, no ódio entre ideologias, culturas e religiões e, naturalmente, nas guerras em que desembocam.

Criminosos e assassinos, quando ascendem ao topo do poder político, arvoram-se em senhores da “moralidade” que procuram impor e eliminam por todos os meios os que os enfrentam. A democracia é menorizada, desvalorizada e aniquilada. Vale o autoritarismo, que parece ter muitos apoiantes.

O fracasso da educação, a nível mundial, e a dimensão da ignorância e do ódio disseminados pelas redes sociais, ao serviço dos seus donos, manipulam e condenam hordas de seguidores à escuridão que vai submergindo a humanidade.

Trump parece-me um produto das actuais condições políticas, sociais e culturais. Mente, ofende, não cumpre as leis, não reconhece as vitórias dos adversários, despreza os frágeis (chegou a recomendar a quem tinha «covid» que bebesse lixívia!) e deprecia as mulheres. Mas é muito (cada vez mais?) popular. Os grandes ditadores do mundo, de Xi Jinping a Putin, espreitam, aproveitam e agradecem.

Em que mundo vai viver a geração dos meus netos?

(*) Tranião, o trapaceiro-mor de «A Comédia do Fantasma», de Plauto, ficou impune. Trump vai ser recompensado?

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Arborização das cidades

É absolutamente necessário que as (nossas) cidades tenham artérias e outros espaços arborizados. Por via da sombra no Verão, da moderação das temperaturas, do consumo de dióxido de carbono, da produção de oxigénio e da manutenção de alguma humidade atmosférica, quando as árvores têm folhagem e o ar é mais seco. E também, claro, pelo embelezamento do verde ou outro colorido das folhas, assim como das flores e até dos frutos.

Mas a escolha das espécies deve ser ponderada e decidida em função dos espaços que vão ocupar e das características próprias: tamanho, volume/massa da folhagem caída, produção de pólens capazes de desencadear alergias, etc.

A tempestade desta semana derribou muitas árvores de grande porte, em cidades como Braga. Os prejuízos materiais e humanos podem ser elevados ou dramáticos. O risco nunca será zero, mas não podemos nem devemos “culpar” as árvores. Que mais fazer, então?

As podas deviam ser criteriosas e executadas de modo a não diminuir a resistência mecânica de troncos e ramos. Por outro lado, uma profissão que devia ter mais elementos é a de técnico de análise da saúde das árvores dos espaços urbanos, no que respeita a sistemas radiculares, troncos e ramaria. A detecção de árvores de grande porte em perigo de caírem já se faz com boa precisão, pelo que muitas quedas se podem prevenir, fazendo os abates necessários no último terço de cada Estio. Isto custa dinheiro, mas os prejuízos materiais também e as vidas não há valor que as pague.

Não podemos admitir nem permitir a desarborização das cidades, porque precisamos de árvores por perto.

As árvores são nossas amigas.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Mundo cão

Aluno da Universidade do Porto «identifica-se com um cão»

A Natureza produziu, por evolução, animais como os lobos (Canis lupus L.) e outros cães selvagens, uns do mesmo género taxonómico (Canis) e outros não. Dos lobos, a espécie humana criou, por selecção artificial, todas as variedades de cães (domésticos), num processo que não tem fim… É da biologia. Explicou-o primeiramente Charles Darwin.

Até recentemente, quando se pensava na evolução dos seres vivos, considerava-se o ser humano o expoente máximo da evolução. E, de facto, o cérebro humano é o órgão biológico de pensamento e reflexão mais complexo que o processo evolutivo da vida produziu. Pelo menos é aquele que maior influência e mais alterações pode concretizar, relativamente à nossa espécie e às outras, bem como ao ambiente, de que dependemos.

Fazendo fé em que a inteligência artificial não nos subjugará aos ditamos dos seus incansáveis, frios e “pacientes” algoritmos, a nossa massa cinzenta continuará a ser o factor principal das acções humanas. Ou não, se as forças da Natureza, por si, ou devido à acumulação de perturbações que nela causamos, nos varrerem para a inexistência ou para alguma condição radicalmente limitadora. Também podemos admitir que a máquina do pensamento humano esteja a atingir algum tipo de saturação limitante e tenda a repetir as loucuras demenciais que, recorrentemente, semeámos na História, alturas em que nos “devoramos” que nem “cães”. Isto é um insulto para os cães (apesar das aspas), bem sei.

Por mim, não creio (nem desejo) que possa chegar ao ponto de me sentir um cão, caso indesejável, mas que não seria original.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Idosos e a dor que dói e se sente

Em Portugal a esperança média de vida é tão longa como nos países com a maior qualidade de vida. Mas há (nisto) uma enorme diferença: enquanto um nórdico vive saudavelmente até poucos meses antes de morrer (em média), um português enfrenta um calvário de dores e desconforto décadas antes de a morte o levar.

Falta-nos qualidade de vida, dependente de variadíssimos factores.

Sobreleva as mazelas que se somam nas terceira e quarta idades, em casos cada vez mais numerosos, a dor da solidão e do desamparo. Muitos idosos vivem sós e contam com… ninguém.

Os lares, os que merecem o nome, quase sempre deixam a desejar. Os que ali entram lúcidos sabem-se na antecâmara física da morte, sentimento reavivado pelos «utentes» que, todas as semanas ou meses, desaparecem do convívio dos residentes.

É a lei da morte, podemos dizer, em condições de suposta inevitabilidade.

As angústias da fase final da vida devem ser insuportáveis para aqueles que, tendo filhos, sentem que lhes pesam, e que os que são carne da sua carne desejam, nem sempre disfarçadamente, alijar esse peso.

As condições da actualidade concorrem para a triste situação dos muitos que atingem a velhice. Entre elas, a educação e o exemplo que (não) estamos a dar às crianças e aos jovens.

O futuro, que é já amanhã, nos trará a conta, que quase todos saldaremos, sem remissão.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Sonhos, seiva, saúde e sociedade

Sonha cada ser humano, a dormir e acordado. Morre cada pessoa, ainda que viva, se não sonha. Sonham as famílias. Sonham as comunidades. Dos sonhos de alguns animais, se existem, pouco ou nada sabemos.

Da comunhão e partilha de sonhos nascem e concretizam-se projectos. Ou não. O balanço subjectivo entre sonhos e realidade, sendo favorável, alimenta a esperança e potencia novos sonhos. Perspectivas e percepções de felicidade ou falta dela podem depender de muito pouco, em pessoas diferentes e na mesma pessoa.

Hoje, quais são, onde andam e como estão os sonhos básicos comuns da humanidade: das crianças, dos jovens e dos adultos?

As qualidades e virtudes dos humanos hão-de redimi-los ou serão submergidos pelos instintos egoístas, pela ignorância e pela estupidez?

A extraordinária tecnologia vai ajudar-nos, globalmente, ou só a alguns, poucos, ou nem mesmo a esses?

Saberá a humanidade lidar positiva e generosamente com os fantásticos poder e capacidades que alcançou?

Porque não nos sentimos mais felizes na actualidade do que no passado de algumas décadas, em que tanto (nos) faltava?

A vida, que estudamos cientificamente, é repleta de perguntas, para as quais não temos respostas. E talvez nunca tenhamos.

Mistérios.

José Batista d’Ascenção

domingo, 22 de setembro de 2024

Políticos distintos para murar

Murar: espreitar ratos para os caçar (capacidade/habilidade dos gatos). “Ratos”, neste caso, são os lugares/funções apetecíveis, em que o escrutínio é difícil ou escasso ou muito diferido e os proventos são tão tentadores quanto imerecidos.

Tais capacidades/habilidades e apetência respeitam aos políticos para elas vocacionados e beneficiam familiares seus, certos amigos e colaboradores. Não são poucos os casos em que filhos jovens desses políticos aparecem em cargos/funções que deviam ser de grande exigência de currículo e competência, nada havendo que os recomende para o seu desempenho, até por falta de experiência. Em contraponto, auferem fartos vencimentos, a que acrescem benesses e compensações, só ao alcance de privilegiados, sem justificação aceitável.

Dir-se-á que a expressão de opiniões e registos como este corresponde a má vontade e populismo contra os políticos, de que se querem os melhores, os quais, por isso, é preciso compensar bem.

Tretas. Na governança do (nosso) país os problemas nunca são resolvidos, os pobres mantêm-se em número e não melhoram a sua condição (excepto alguns dos que emigram…), ao passo que a elite injusta e imerecidamente privilegiada sobrevoa garbosamente a indigência de quase todos.

Estes parece-me serem dos maiores crimes com que os sistemas político e de justiça em Portugal se deviam (pre)ocupar. E o governo, que agora também quer dar caça aos criminosos – disse-o o primeiro-ministro um dia destes -, apesar de a função não caber ao executivo, podia e devia dedicar-se às tarefas da sua obrigação. Isso sim, mas tarda.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Eucaliptugal, meu país para queimar

Quem viaja pelas estradas do centro e norte do país está habituado a não divisar nos horizontes arborizados muito mais que fustes e ramadas esguias em extensões enormes pintadas do verde fusco dos eucaliptos, para além de áreas consideráveis de plantações de árvores jovens da mesma espécie, de cor azulada.

Há poucas décadas não era assim. Depois dos incêndios tenebrosos de 2017 e 2020, a multiplicação espontânea, a partir das sementes infinitas das árvores ardidas, tomou os espaços de uma forma avassaladora.

Entretanto, o país continua desertificado a escassas dezenas de quilómetros do mar, o mato cresce, não há limpeza nem gestão do espaço que devia ser florestal - a monocultura não é propriamente floresta – e, por isso, quando as temperaturas ultrapassam os 35 ºC e a humidade é muito baixa, desencadeiam-se incêndios que, no estado actual do conhecimento e da técnica, não são controláveis.

As zonas rurais, onde eucaliptos e alguns pinheiros com muito mato por baixo, tudo a crescer e a fazer acumular matéria morta combustível no solo, são paióis prontos a deflagrar à mais leve ignição, o que acontece inevitavelmente, por acidente natural ou humano ou por acção intencional.

O estado das coisas é, em bom rigor, criminoso. Os criminosos somos nós, os políticos, do topo à base e vice-versa, e os outros, os que, errada ou hipocritamente, não se julgam ou não se reconhecem nessa condição. Temos os políticos que merecemos.

Nas televisões, vejo frequentemente casas envolvidas por chamas ou em perigo disso, sendo que, nas mesmas envolvências lá estão os sempre presentes eucaliptos e, nalguns casos, pinheiros (bravos). Estas espécies são muito propícias a arder.

Custava alguma coisa estipular na legislação que a sementeira, plantação ou crescimento aleatório de plantas das espécies Eucalyptus globulus e Pinus pinaster não são permitidas a distância mínima (50 m?) das habitações, responsabilizando os donos dos terrenos e as autarquias e permitindo que os habitantes dessas casas possam abatê-las e removê-las?

José Batista d’Ascenção

domingo, 15 de setembro de 2024

A placidez de Setembro

 

Saboreando a quentura da manhã, da mesa da esplanada olho o magnífico carvalho americano à minha frente, e contemplo o verde intenso da folhagem que, dentro de dias, há-de (começar a) matizar-se em tonalidades de vermelho, castanho e amarelo, que muito aprecio.

Esta é a altura do ano em que, no exterior das paredes, mais me dou a olhar ao longe, para, em paz de espírito, afagar sentimentos íntimos.

Como vão filhos e netos, lá longe? Como retomaram o quotidiano da casa, do trabalho e da escolinha? Como vou receber os (meus) alunos, amanhã, e como lhes vou fazer sentir que eles são tão importantes para mim como o vencimento que recebo todos os meses?

Escrevinho isto meia hora antes de os amigos de tertúlia chegarem. Também eles fazem parte do recomeço. Também eles fazem parte da minha normalidade.

O Outono é o meu reinício. Com expectativa e algum receio tomo caminho.

Com ternura, também.

José Batista d’Ascenção

domingo, 25 de agosto de 2024

Higiene alimentar – falhas ou nem por isso?

Em pequenas e grandes superfícies, a venda de produtos alimentares está sujeita a regras que, em geral, preservam a sua boa qualidade.

Porém, num ou noutro caso, nos supermercados que frequento (na região do Minho), tenho motivos de reparo. Por concisão, detenho-me no modo como se expõe à venda o «fiel amigo».

Hoje, voltou a acontecer-me. Enquanto aguardava a minha vez, um senhor revolveu bacalhaus atrás de bacalhaus, que olhava de um lado e do outro, de permeio coçou as narinas, e continuou o “exame”, até virar costas e desandar, sem ser atendido. Também em mim se revolvia qualquer coisa, desagradavelmente, mas nada disse. Quando chegou a minha vez, indiquei um bacalhau branco e seco, do lado oposto àquele em que o cliente desistente remexera, a funcionária cortou-o, ensacou-o e entregou-mo, e fui à minha vida.

Por alturas do Natal é pior. Certa vez, era uma senhora, de largura avantajada e unhas grandes e pretas, que se aplicava em virar e revirar bacalhaus, levando um ou outro exemplar ao nariz, que cheirava ruidosamente, com as ventas peludas, até que se decidiu. Dessa vez não resisti, dei meia volta, em silêncio, e sujeitei-me corajosamente às recriminações caseiras, por não ter comprado bacalhau.

São hábitos, pouco desejáveis, em minha opinião. Reconheço que, no caso em apreço, não há notícia de grandes epidemias que dele tenham resultado. As bactérias que nos habitam são muitas e variadas e mais ou menos as mesmas, e talvez resida aí a inocuidade do procedimento. Assim mesmo, julgo de todo aconselhável que os estabelecimentos resguardem o bacalhau das mexidas dos clientes, que devem escolher os peixes que pretendem sem lhes tocar directamente. A salga protege os alimentos da decomposição pela desidratação (por osmose) dos micróbios contaminantes, mas não elimina nenhum deles. O que significa que aquele hábito, tão arreigado, pode ser factor de propagação de doenças, pelo que devia ser objecto da atenção da ASAE.

Mas, não devia haver necessidade.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Tributo aos enfermeiros portugueses (texto também publicado no jornal «Público», de hoje)

Em 2009 fui sujeito a duas grandes intervenções cirúrgicas “clássicas”, na Primavera e no Verão. Pude então experimentar a excelência dos enfermeiros e da enfermagem em Portugal.

Na realidade, comprovei o que já sabia. A formação de qualidade superior e a boa aceitação de enfermeiros portugueses em países como a Inglaterra, e os “feitos” que ali conseguiram posteriormente, não foram surpresa para mim.

Vem isto a propósito do estado de caos e incompetência política a que o país chegou, no campo da obstetrícia.

Sugiro que se proceda às alterações estatutárias da classe e à legislação correlativa para que os enfermeiros possam realizar partos comuns. Não era nenhum retrocesso médico e todos ganharíamos.

E também não era nenhum desprestígio para os médicos obstetras.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 20 de agosto de 2024

O abandalhamento da língua portuguesa

Terminei o livro «Por amor à língua e à literatura», de Manuel Monteiro.

Nem eu sabia quantos erros cometo no uso da riquíssima e belíssima língua que é a nossa.

O autor é de um rigor extraordinário, detecta incorrecções da escrita e elucida as falhas com clareza, elegância, humor e beleza. Aprende-se muito.

O capítulo mais extenso é sobre o Acordo Ortográfico [AO]. É verdade que o AO «deixou a língua portuguesa em cacos», tem contribuído para alterações da pronúncia (vê-se e ouve-se nas notícias) e «é uma máquina de fomentar erros» (basta ler o Diário da República).

Dicionários, prontuários, em papel ou digitais, e suportes informáticos como a Infopédia, o Ciberdúvidas ou o Portal da Língua Portuguesa não se entendem entre si nem em si mesmos sobre a ortografia de muitas palavras (que mudam frequentemente). Como aceitar o registo formal de «interrutor» ou «suntuoso»? Ou que as regras de hifenização sejam um caos, em que, frequentemente, apesar de seguirem o AO, os instrumentos da língua se contradizem uns aos outros e infringem as normas do dito? Fica tristemente claro que a sujeição da escrita à pronúncia é «uma aberração linguística», quer porque ninguém sabe o que é a «pronúncia culta», quer porque a pronúncia é variável de região para região, até num país pequeno, como Portugal.

O objectivo de uniformização da língua na comunidade de países de língua portuguesa é um embuste. E, neste campo, o AO foca-se apenas em Portugal e no Brasil, o que é desrespeitoso para os restantes. Segundo a investigação de «Maria Regina Rocha, havia 2691 palavras que se escreviam de modo diferente e que se mantêm diferentes, 569 palavras diferentes que se tornam iguais e 1235 palavras iguais que se tornam diferentes.» Ou seja: o AO teve um efeito contrário ao seu propósito.

O AO é «uma obra de mutilação das raízes latinas, da etimologia e da lógica da língua», diz o autor, e eu não duvido. E o problema maior é que o AO não é susceptível de qualquer «polimento possível que retoque o que não tem ponta por onde se lhe pegue.», refere também.

Donde, lamento os políticos que temos e decepciona-me a adesão conformista dos professores de Português do meu país a uma matéria que está longe de lhes facilitar a tarefa.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Belezas do Portugal «interior»

A Mafalda e a Lurdes no «vértice» entre Tejo e Zêzere,
 na antiga «Punhete», que hoje se chama «Constância»

Em Portugal Continental tudo o que está a mais de 30-40 km da costa é «interior», não obstante nenhum lugar do Continente distar mais de 200 km do mar, em linha recta.

Pois o nosso «interior» oferece maravilhas (paisagísticas, florísticas, culinárias, de monumentos históricos e naturais, etc.), que é uma pena que muitos portugueses, mesmo os do interior, desconheçam, exceptuando as dos sítios onde nasceram, sendo que, nestes casos, não raro, são os próprios que as desvalorizam, como que fartos das misérias pessoais a que as associam desde o berço. Uma tristeza, que talvez se atenue com o passar das gerações.

Desta vez, a minha (pequena) «tribo» familiar passou uns dias no centro do rectângulo, para nos regalarmos com jóias diversas, não muito distantes umas das outras, e em que os pequeninos (com pouco mais de três anos), que sempre nos acompanharam, deram mostras de grande resistência e entusiasmo (talvez por não estarem viciados em monitores e televisão). Seguem alguns exemplos.

A visita, de várias horas, ao museu ferroviário do Entroncamento. Pena que não faça parte da rede nacional de museus, com acesso gratuito um dia por semana (boa medida, a tomada recentemente pelo governo, nesta matéria). Entrada: 6,00 €. Da mesma qualidade só o que vi, há uns anos, em Utreque. Até deu para almoçarmos numa carruagem provida de ar condicionado (o almoço levámo-lo nós). Os meninos gostaram muito.

O castelo de Almourol. Uma preciosidade num enquadramento belíssimo. O bilhete é para o acesso de barco: 4,00 €. Os pequeninos também subiram às ameias e ao topo da torre, apenas pela mão, sem colo, na ida e na vinda.

Parque ambiental de Santa Margarida (Constância). Muito bom, para fruição e como estação de educação ambiental. Os mais pequenos gostaram de ver os peixes, a rã que o avô capturou para verem de perto e sentirem o viscoso da pele, as libelinhas azuis, vermelhas e cinza, os gafanhotos, que também apanhámos para visão mais pormenorizada, os aromas a sálvia, alecrim, murta, louro, limonete, erva príncipe e outros das plantas do respectivo talhão, as bolotas, algumas com os seus “chapéus”, e as castanhas da Índia com que enchemos os bolsos. E ainda houve uns figos pretos apanhados na figueira. Bem merecemos o lanche em sombra frondosa, como se a temperatura do ar ao sol não estivesse nos 36ºC ou próximo disso.

O passeio por Constância. Observada dos miradouros fronteiros, na margem direita do Zêzere, a vila é uma beleza. A Mafalda, a nora e mãe dos meninos, queria muito ir ali, à terra do seu trisavô, Adriano Burguete, médico constancience, que foi presidente da câmara e que teve importância na defesa da tradição local que refere que Camões viveu naquela vila durante algum tempo, em cumprimento de pena, numa casa à beira-Tejo sobre cujas ruínas veio a ser edificada, mais tarde, a casa-memória de Camões.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Tempo de férias do meu núcleo familiar

Por reserva, não trago a família para as redes sociais. Hoje quebro a regra, porque uma vez não são vezes. Enche-se-nos o peito quanto os netos, que estão longe, aproveitam todas as oportunidades para estarem ao pé dos avós. Mesmo quando é para caminhar um bocado, eles querem ir, e aguentam. Ou quando vamos a um museu e os levamos, não dizem que estão cansados, esperam ou marcham lentamente como nós, os adultos, resistem bem às horas e reparam em pormenores e “pormaiores” curiosos, com perguntas e comentários cheios de graça. Claro que não o fazemos todos os dias, nem de qualquer modo, porque são crianças pequenas…

A matriarca explica...
Com tal desvelo um dos netos mais novinhos, o Diogo, “tomava conta” do avô, que até uma vendedeira de frutas e doces, à porta do Convento de Cristo (Tomar), lhe ofereceu figos, numa doçura de gesto nada inferior à dos próprios frutos.
Bem mereceram os meninos – o Artur, o Diogo e o Gaspar - mais umas horas de diversão na Mata Nacional dos Sete Montes, esta tarde. E os mergulhos na piscina, após o regresso.
Parece(-me) que gostam cada vez mais do país deles, os meus netos, o que é bom. Quem sabe se um dia quererão voltar para a matriz original?

Por outro lado, estar com os meus filhos, emigrantes, e com as mulheres deles é muito reconfortante e confortável. Sim, porque o coração é afagado e sabe bem ser objecto de mimos que vão desde o alívio da função de condutor até aos gestos de carinho e de consideração pelos gostos ou preferências dos pais que se adentram na velhice.
Há sequências de dias assim.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

O espírito olímpico e a participação dos portugueses

Há dias li um texto muito interessante sobre os jogos olímpicos, do Dr Gentil Martins, em que ele refere a mudança radical que sofreram, desde o início do século passado, no que respeita às compensações materiais dos atletas, que antes não eram permitidas e que passaram a ser determinantes depois.

Outros aspectos que (me) levantam dúvidas relacionam-se com os aproveitamentos políticos que sempre tende a haver, às vezes chocantemente, como aconteceu na Alemanha nazi.

Porém, há dimensões mais profundas que se me impõem como de esclarecimento (muito) difícil, tais como:

- porque precisamos nós humanos de nos sentirmos melhores do que todos os outros, não só na nossa rua ou no nosso trabalho ou na nossa cidade, como no mundo inteiro? E como podemos ter a certeza de que, em qualquer capítulo, há alguém que é o melhor do mundo, para além do universo dos competidores envolvidos nas mesmas provas? Quantos seres humanos, que nunca sequer praticaram as diferentes modalidades seriam melhores, se o tivessem feito? E que interesse vital tem isso? A espécie humana não poderia evoluir bem sem desencadear entre os seus membros competições extremas, que nem sequer trazem mais saúde aos praticantes?;

- e que direito há de condicionar criancinhas a treinos intensivos para produzir atletas «perfeitos» na idade da adolescência, como se não houvesse outro mundo possível ou desejável para elas? Isso não configura trabalho infantil real, praticado por elites sociais favorecidas?

Como Portugal é um antigo e eterno país materialmente pobre, parte dos atletas dotados para alguma actividade desportiva vivem com limitações económicas, o que lhes acrescenta sacrifícios, às vezes descomunais, nas fases da sua preparação. Certo que as dificuldades podem ser factores adicionais para a têmpera de alguns (recordo Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro…), mas isso pode não ser suficiente. Daí que seja sempre com emoção que assisto a uma ou outra prova dos nossos e sofro com o sofrimento que revelam e as lágrimas de tantos, seja porque falharam seja porque conseguiram algum prémio, mesmo que não seja o primeiro. 

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Simone Biles! Simone Biles! Tu és deste mundo, Simone Biles?

A tua condição é mas não parece humana. O arrojo e a perfeição são contigo. Pareces desafiar a força da gravidade e dominas as leis do equilíbrio, da graça e da harmonia dos movimentos do corpo. As tuas capacidades estão além e acima das de todas as tuas colegas competidoras. Uma maravilha que as palavras não podem traduzir.

Fiquei preso à TV, hipnotizado com as tuas prestações.

E depois há o teu sorriso largo e o aplauso às concorrentes, quando fazem bem. Também nisso és grande.

E és maior ainda, pela coragem e humanidade com que mexeste nas dores, tuas e de todos os ginastas e atletas, para revelar males que é preciso debelar - isso foi há quatro anos.

E voltaste, ressuscitada, para mostrares que o mundo vale a pena.

Vale a pena, sim. Por ti e por nós.

Muito obrigado, Simone Biles.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 29 de julho de 2024

O (sor)riso de Kamala Harris

O mundo precisa de (voltar a) sorrir. As pessoas precisam de sorrisos francos e esperançosos. A política também.

Na(s) dúvida(s) e no cinzentismo bélico, frio e preocupante dos dias que correm, os sorrisos de bondade são (talvez) mais necessários do que nunca.

A face de quaisquer líderes mundiais é triste ou preocupada (vejam-se António Guterres ou o Papa) ou aterradoramente sombria (caso de Putin) ou assustadoramente expansiva, violenta e boçal (como em Trump ou Maduro) ou hipocritamente serena (no caso do líder chinês). E há outros que tais, numa longa lista.

Felizmente surgiu, espero que duradouramente, Kamala Harris. Li algures que os seus risos podem ser comprometedores. A mim parecem-me libertadores. Uma pessoa (uma mulher) bonita, de sorriso aberto e sincero.

Que a vida, pessoal e política, lhe sorria.

Haja esperança.

José Batista d’Ascenção

domingo, 7 de julho de 2024

Tempos de estridência

Por estes dias, sempre que, sozinho, vi um pouco de futebol na TV, optei por desligar o som. E, contrariamente a toda a gente, prefiro. No carro costumo sintonizar a RDP antena 1, mas desligo ou mudo de canal logo que surgem comentaristas ou relatadores de futebol: a fala aos borbotões, o atropelo, a elisão ou o prolongamento gutural das sílabas e a guincharia quando há golos, são-me insuportáveis. Curiosamente, a falta de audição agrava o (meu) problema.

Desde há alguns anos, vejo com prazer as transmissões televisivas da Volta à França. Não tanto por me interessar quem ganha, mas pelas paisagens e monumentos e pela observação do comportamento dos espectadores. Aprecio imenso o saber e a ponderação de Marco Chagas, mas vou desgostando do falar ininterrupto de João Pedro Mendonça, que parece recear o vazio de palavras, quando as imagens são (mais do que) suficientes.

Não sei quantos mais anos vão decorrer até passar (ou atenuar-se) a moda do «todos aos berros», em casa, na rua, nas escolas, nas televisões, na política e em (quase) tudo o mais.

Nos tempos que correm, uma das minhas divisas começa a ser «o silêncio é ouro» ou «escutemo-nos serenamente uns aos outros».

Mas sei que cada vez vou ficar mais fora de moda.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Vicissitudes pedagógicas de tempos idos, sentimentos de tristeza, de confortáveis lembranças e de esperança no futuro, tudo revivido num… funeral

Hoje mesmo soube do luto da minha muito estimada colega, Margarida Araújo, que não vi durante o 3º período, por estar a acompanhar o marido na sua longa doença, como tantas vezes fizera. Pessoa e Professora de armas, sempre muito doce com toda a gente, ela própria com um rosário de problemas de saúde de que nunca a ouvi queixar-se. Meticulosa e firme, ia dar as suas aulas, até quase à hora dos seus próprios internamentos, com a mala sempre pronta para seguir para os hospitais, regressava imediatamente após cada alta e era vê-la aplicada e entusiasta, sempre preocupada com cada aluno, para quem era de uma disponibilidade total.

Menos de meia hora antes do funeral cheguei à Capela de S. Brás, em Gualtar (Braga). Caminhei até ao pé da urna e demorei-me num abraço à Guida. Ao seu lado, uma bela mulher, ainda jovem, e grávida, esperava que a cumprimentasse, como fiz. Era a Sofia, filha da Margarida, de quem fui professor, nos idos de 1999/2000. Infelizmente, não a reconheci, embora a cara não me fosse desconhecida. Ela mesma me lembrou de quem sou e de algo que disse que nunca esqueceu: Numa aula em que explicava a formação do núcleo férrico do nosso planeta, matéria que então se dava no 10º ano, em «ciências da terra e da vida», eu tinha levado uma embalagem de granulado de cera (da que as senhoras usavam para depilação), um saquinho de pregos pequeninos (de cerca de 0,5 cm) e uma chávena de vidro «pyrex» transparente. Enchera a chávena da cera fria, espalhara sobre ela os preguinhos, agitara levemente e pedira aos alunos que imaginassem ali uma mistura razoavelmente homogénea (tal como era mais ou menos homogéneo o nosso planeta, antes de aquecer no seu interior, até à fusão, o que desencadeou fenómenos de diferenciação em zonas de densidades desiguais). A seguir, pus a aquecer a chávena com o conteúdo. A cera fundiu e os pregos, por acção da gravidade, caíram para o fundo, onde formaram uma camada, tal como aconteceu com o ferro e o níquel do núcleo terrestre. A Sofia disse que isto a marcou…

Notável é que a humilde e discreta Margarida nunca me disse, nem então nem depois, durante todos os anos que passaram, que eu tinha sido professor da sua filha. Soube-o hoje à tarde, no funeral do pai.

Logo após descida do defunto no túmulo, aproximei-me para me despedir de ambas, mãe e filha. A Sofia estava agora rodeada de três amigas: A Raquel, A Diana e a Rita, que pertenceram à mesma turma. A Sofia sorriu docemente, e teve energia para comentar a história da cera e dos pregos, de que as amigas se lembravam.

Deixei a todas o meu desejo de que o futuro lhes sorria, fiz uma carícia na barriga saliente da Sofia, referi com ternura a esperança que nunca morre e o futuro que é sempre amanhã, para os que vivem e para os que vão nascer. E despedi-me carinhosamente com o prémio de múltiplos sorrisos, à beira de uma sepultura.

José Batista d’Ascenção

domingo, 26 de maio de 2024

Banco alimentar contra a fome, que não devia ser preciso, mas é

Entre as oito e as dez, calhou-me estar num hipermercado com a Letícia e a Olívia, meninas que estão a terminar o nono ano de escolaridade, e o Francisco, que conclui o décimo primeiro, a recolher bens alimentares para distribuir por quem nem para se alimentar tem recursos.

Como sinto algum desconforto por fazer pouco pelos outros (a minha profissão devia ser isso, mas está longe do que devia…), aproveitei a oportunidade para dar algum alívio à consciência.

E que bem acompanhado estive: a bondade, a disponibilidade (os meus colaboradores chegaram bastante antes da hora…), a generosidade e o sorriso doce e simples foram (para mim) prémios acrescidos na manhã deste dia.

Há muita gente generosa, como há os mais taciturnos, porventura desencantados e duvidosos, que seguem na sua indiferença aparente.

Amigos meus criticam, em forma de alerta, para possíveis desvios. Porém, tomara eu não me desviar daquele princípio que tanto ouvi a meus pais e avós: fazer o bem sem olhar a quem.

E sobretudo aos que precisam, suponho eu, na minha infinita impotência.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Livros belos que fazem doer

Depois de ter visto referências elogiosas da minha amiga e colega aposentada, Maria de Fátima Ferraz, fiquei com a pulga no ouvido para ler o (pequenino) livro «Longe do Mar», de Paulo Moura (edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos, com um preço de cerca de 3,00 €, «online»).

Não é tempo perdido. O autor decidiu viajar ao longo da estrada nacional nº2, que corta o rectângulo continental a meio, na direcção Norte-Sul, e relatar as histórias autênticas que lhe parecessem dignas disso. E que bem o fez.

Quem quiser conhecer alguns aspectos reais do interior do país, as condições em que os pobres, que eram quase todos, viviam e sofriam, ainda há poucas décadas, e o modo como resistiam na dura luta contra as dificuldades da vida, por oposição à de alguns ricos, que se davam ao luxo de ir de avioneta da Cova da Beira à Figueira da Foz comprar sardinhas frescas, tem neste livro um auxiliar muito franco e comovente.

Há partes que fazem doer, tal a força com que se impõem e o choque que em nós causam.

Mas porque havia eu de dizer mais? É fácil e barato sabê-lo cada um.

E eu até empresto o livro a quem quiser. 

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Leituras

Há cerca de nove anos, em trinta e um de Maio de dois mil e quinze, deu-me para começar a tomar registo de cada livro que lia, pela sequência temporal.

Decorrido este tempo, li ou reli trezentos livros, dos mais diversos em conteúdo e tamanho, sem ordem pré-estabelecida.

A um escritor sénior da nossa praça ouvi um dia que teria lido milhares de livros na sua juventude. Se a memória não me falha, num texto de J. Pacheco Pereira, consta que uma pessoa pode, durante uma vida (longa), ler não mais que cinco ou seis mil livros.

Contas simples remetem-me para a condição de humilde leitor: objectivamente, em nove anos, li em média um livro por cada onze dias. Extrapolando para um período de sessenta anos eu poderia atingir a modesta soma de dois mil livros, aproximadamente. Longe, portanto, dos números referidos acima por gente do ofício.

Da minha experiência de vida, os factores de aprendizagem mais marcantes parece-me terem sido a educação familiar, o convívio social, os (bons) professores, os livros e as viagens. Há também a «internet», mas a rede global é tanto uma fonte possível de boa formação como um conjunto de incentivos a aprendizagens erradas ou mesmo à desaprendizagem, não obstante ser impossível e de todo indesejável voltar aos tempos anteriores à comunicação digital.

Com tantos bons livros para ler (e falta de tempo de vida para ler todos os que valem a pena), optei, desde cedo, por deixar de lado as obras de escritores desconhecidos ou quase… Sei que é injusto e me traz prejuízo, mas não sinto qualquer vontade de alterar o procedimento.

Porfio, portanto, na minha lenta e curta viagem através de livros que suponho que são garantidamente (?) bons.

E confirmo que, vários deles, o são tanto que algo melhora(ra)m em mim.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 23 de abril de 2024

25 de Abril – data grande e bela

Vivo emotivamente esta data, desde que ocorreu, era eu adolescente. Fiz-me adulto com os seus valores e ideais, num país libertado, e morrerei com eles no peito. Não conheço, em parte alguma, em qualquer tempo, revolução tão bonita e generosa, em que os seus protagonistas não derramaram sangue e colocaram no cano das espingardas (de um tipo chamado G3, que eu ainda tive na mão, lá por Mafra, dez anos mais tarde) cravos vermelhos – os cravos do 25 de Abril. E desde então, os cravos, que eu bem conhecia dos jardinzinhos das casas humildes dos meus pais e dos meus avós, de cor vermelha, passaram a ter, para mim, um significado como mais nenhumas flores têm. Vejo-lhes a cor e logo lhes associo o perfume. E, se lhes recordo o aroma, logo o relaciono com o vermelho vivo e apaixonante da revolução havida e muito querida.

Os que detestam o 25 de Abril têm, pelo menos, a liberdade de o expressar. E com que gosto o fazem!, ou assim parece. Gosto e apreço que os ditadores e os seus admiradores não têm pela liberdade dos outros, característica que me repugna.

Foi feito por homens, o 25 de Abril. E nenhum dos homens que o fizeram era perfeito. Antes assim. Não tinham eles preparação política e remédio social para as chagas do país? É normal que não tivessem. O que (me) importa era nobre e honesta e firme vontade de Salgueiro Maia e dos outros. E não ignoro a profundidade de pensamento de um esquecido Ernesto Melo Antunes. O que tinham era, repita-se, a vontade de pôr termo a um regime ditatorial medularmente injusto, violento e corrupto e velho de décadas. E puseram, corajosamente. O resto era uma oportunidade para nós, cidadãos, construirmos um país digno e livre.

Conseguimo-lo? Penso que não. Livre, formalmente, é. Digno, não. Basta pensar no (a meu ver) péssimo funcionamento da justiça. E na falência de uma área que muito me toca – a «educação». É dos responsáveis que nos devemos queixar. E exigir deles (e de nós) que respondam(os).

O 25 de Abril continua por cumprir. A «chama» vermelha dos cravos continua a interpelar-nos. Assim o penso e assim o digo à juventude.

O futuro depende de como o prepara(r)mos.

José Batista d’Ascenção

sábado, 13 de abril de 2024

Emoções humanas ou (ir)racionalidade?

Dia Mundial da Criança, Amadora 1974,
Fotografia de Alfredo Cunha

«Não vemos as coisas como elas são, vemos as coisas como nós somos». Esta afirmação (ou equivalente) é atribuída a Anaïs Nin, escritora norte-americana, nascida em França. Não sendo (seguidor) de máximas, a clarividência daquele pensamento ficou-me, desde que o vi escrito.

Restringindo-me ao nosso país, causa-me funda (e negativa) impressão a opinião (de tantos) que atribui os males da sociedade actual à extraordinária e bela oportunidade que foi a revolução do 25 de Abril. O país que fomos e o país que somos não têm comparação. De que podem ter saudades as pessoas, particularmente as mais pobres, que têm a minha ou mais idade: de passarem fome?, de andarem descalças?, de trazerem a cabeça inçada de piolhos?, de não terem (qualquer) assistência médica?, de não terem água canalizada, nem esgotos, nem casa de banho?, de casebres de telha vã, com um espaço único onde todos se amontoavam?, de as mulheres serem “propriedade” dos maridos?, de as enfermeiras e as professoras precisarem de autorização para se poderem casar?, de não saberem ler nem escrever?, de os jovens rapazes terem de ir para a guerra na Índia ou em África?, de a polícia política (PIDE) prender por “delito de pensamento”? Etc.

Porque não estamos melhor do que estamos no tempo presente?

As razões são múltiplas, mas, para mim, isso deve-se, em grande medida, ao falhanço do que chamamos «sistema de educação». Há quem gabe o muito que (já) se conseguiu, por comparação com o que então se verificava (mal era…). Esta visão interessa muito aos que são responsáveis pelo dito sistema e vivem à custa dele. Não me interessa a mim, que ando há quarenta anos pelas escolas, a leccionar ininterruptamente. Sobretudo, não interessa aos filhos dos (mais) pobres, que frequentam a escola (e muito bem), mas saem dela pessimamente preparados. Nem interessa, sequer, àquela percentagem de alunos cujas famílias têm boa condição sócio-económica e conseguem suprir as falhas escolares, porque, por um lado, podiam e deviam ser ainda mais bem preparados e porque, por outro lado, terão de fugir para o estrangeiro para conseguirem trabalhos bem remunerados. Também não interessa aos professores (que dão aulas) que vivem e trabalham numa realidade que é muito diferente daquilo que os teóricos dizem, porque lhes convém.

Ora, isto não tem de ser assim. O 25 de Abril fez-se para proporcionar mais e muito melhor. Cumpri-lo é o nosso dever.

 José Batista d’Ascenção

terça-feira, 9 de abril de 2024

O Professor Jorge Paiva (II)

Uma vida de dedicação à Ciência e à Natureza e de profundo respeito por si e pelos outros


Nos alvores da democracia em Portugal assinala e denuncia a diferença entre liberdade e libertinagem política, económica, ambiental e, consequentemente, social. Alerta para a destruição da floresta, do coberto vegetal e dos riscos inerentes. Não se intimida com a força dos predadores em busca de lucro nem se cala perante a submissão dos políticos a esses interesses. Fala/escreve sempre de modo claro, incisivo, concreto e documentado. Com a mesma diligência com que calcorreou o país, vai às escolas (do ensino básico e secundário) levar pessoalmente a mensagem em defesa do meio ambiente e, por consequência, da espécie humana. Para além dos adultos, crianças e jovens ouvem-no com particular interesse. Desgosta-o que o poder do consumismo tenha depois um efeito contrário muito poderoso sobre a semente que diligentemente levou até eles. Essas acções foram e são todas materialmente graciosas. De ninguém aceitou ou recebeu qualquer provento ou recompensa material.

A sua acção pedagógica influenciou muitos professores, os mesmos que tantas vezes lhe pediram para que viesse às suas escolas - a que sempre acedeu prontamente - e que acorreram interessadamente às extraordinárias acções de formação que lhes proporcionou, inevitavelmente com o ambiente natural como palco, nas diversas regiões do continente e ilhas e, também, com algumas deslocações ao estrangeiro.

Antes, muito novo, como investigador, havia regressado a África para vastos e aturados estudos da flora. A diversos países do continente negro voltou muitas vezes (só a São Tomé e Príncipe foram mais de uma dúzia) em trabalho científico e pedagógico, algumas delas com professores do ensino básico e secundário. Subjacente, o objetivo de, através deles, fazer chegar conhecimento, formação e cidadania aos mais novos. Para além da Europa, particularmente na Península Ibérica, e da África, realizou trabalho científico nas Ilhas Macaronésias, na Ásia e na América do Sul. Também visitou a Austrália e a Região Ártica Europeia (incluindo a Islândia).

Seriam muito longas quaisquer listagens dos trabalhos, da acção, das homenagens, dos prémios e das distinções do Professor Jorge Paiva, como docente (de várias universidades: em Coimbra, Aveiro, Madeira, Viseu, Vigo), investigador, divulgador de ciência, ambientalista e cidadão interventivo. Por não ser o escopo, aqui, limitamo-nos a resumidas e parcas alusões, de que é exemplo a publicação mais recente do «Diario del Jardín Botánico», de Madrid, que refere, em relação ao Mestre, «el envidiable respeto de la sociedad portuguesa»…, [prosseguindo] «pero también es un orgullo y una emoción para sus colegas españoles del Real Jardín Botánico: Jorge Paiva fue el único de los tres pioneros del proyecto Flora Iberica - una ambiciosa empresa botánica que iba a abarcar todo el territorio peninsular más las Islas Baleares - que logró ver concluida la obra más importante de la Botánica española y portuguesa.» (p. 11)

Acrescentemos, apenas, que identificou para a ciência dezenas de espécies novas. Ou que são pelo menos dez as plantas cuja designação científica inclui um termo derivado do seu nome (latinizado) – paivae ou paivana – como homenagem de outros investigadores, portugueses e estrangeiros.  

Repetimos: este pequeno texto não pretende abordar a relevância do trabalho académico e científico do Professor Jorge Paiva, matéria para redactores habilitados. Por ora, ficamo-nos por um registo de afecto e de apreço pelo Bom Mestre que sempre correspondeu ao chamamento dos professores de crianças e jovens, os quais procuraram junto de si, e pela sua acção, esclarecimento, estímulo e exemplo.

Da sua parte, nunca (nos) faltou. Foi e é muito belo o seu exemplo, e inteira e limpa a sua generosidade.

A Escola Secundária Carlos Amarante, de Braga - onde tantas vezes quantas as solicitadas, e foram muitas, tivemos o Professor Jorge Paiva - agradece, com carinho.

Da parte de todos: Muito obrigado.

José Batista d'Ascenção